URUBUS POUSAM NO PATAVINA’S
Aqui está meu novo livro de contos, lançado
pela Editora Oito e Meio em abril deste ano (2017). Seguem vários desses contos
e algumas opiniões sobre eles.
“Quando
acordou, o dinossauro ainda estava lá.”
Augusto Monterroso
“Vende-se:
sapatinhos de bebê, nunca usados.”
Ernest Hemingway
“A Luta do
Século” é o conto que abre o livro, seguindo a máxima do poeta Manoel de
Barros: “noventa por cento do que eu digo é invenção. Só dez por cento é
mentira”.
A
LUTA DO SÉCULO
Para Oswaldo Martins
A primeira Bienal do Livro do Rio de Janeiro aconteceu em 1923 e
conseguiu uma façanha: juntar na mesma festa literária Jorge Luis Borges e
Franz Kafka. Os dois vieram ao Rio aceitando um desafio: provar qual deles era
o melhor. Não iriam esgrimir canetas, papéis ou máquinas de escrever. Não.
Kafka e Borges vieram ao Rio de Janeiro para se enfrentar em uma luta de boxe,
proposta por eles mesmos como a forma ideal de se decidir quem era o melhor
escritor, senão do mundo ou do Ocidente, pelo menos da primeira Bienal do Livro
do Rio de Janeiro.
Como Borges já estava praticamente cego, Kafka concordou que a
luta fosse disputada em total escuridão. E na noite de 12 de maio de 1923,
diante de um recém-construído Maracanãzinho inteiramente lotado e com uma
multidão do lado de fora tentando entrar, as luzes se apagaram, um silêncio
avassalador caiu sobre o estádio e Kafka e Borges subiram ao ringue, ajudados
por seus segundos. Ouvia-se apenas o ruído dos tênis dos dois escritores, em
seu atrito contra o chão emborrachado, as respirações ofegantes e os eventuais
gemidos acusando algum golpe. Todos tentavam imaginar quem estaria levando a
melhor. De três em três minutos o gongo soava, como que trazendo de volta à
realidade aquela multidão. Até que o gongo soou indicando o final do oitavo
round, o último. E as luzes voltaram de súbito, cegando por um instante a
multidão. Todos esfregaram os olhos e finalmente puderam ver o ringue vazio. Os
dois escritores haviam desaparecido.
NO CONTO MIL E
DUAS, releio a tão conhecida história das Mil e Uma Noites, dando um novo
destino a Sherazade. Dedico a história a Consuelo e Paco Cac, que marcaram para
sempre a minha vida. E a deles também.
MIL
E DUAS
Para
Consuelo Braga e Paco Cac
Sim, já contou aquela mesma história várias vezes. Numa noite trocou os nomes;
na outra, o lugar onde tudo se passou; numa outra ainda, a época.
E se ele perceber? Não perceberá. Continua a comandar seus ministros, a
guerrear, a trucidar seus inimigos sem piedade. Mas passa o dia inteiro
inquieto, não mais com seu reino, nem com seus aliados, nem com seus
adversários. Anseia a noite e suas histórias. Cada vez mais ele é tomado pelo
desejo. E ela, pela desilusão.
Ainda lembra da primeira noite em que inventou uma trama para não
morrer na manhã seguinte. E lembra que, a cada noite, seu prazer crescia. Mais
do que salvar sua vida, dera um sentido a ela.
Se entregou àquilo com uma alegria incontida, que nunca havia
conhecido. Passou a anotar mentalmente todas as histórias que inventava, seus
personagens, suas tramas. Já não era mais com medo que esperava os encontros
noturnos, mas com ansiedade.
Em que momento tudo começou a mudar? Em que momento passou a
confundir os enredos, as paisagens, os nomes, como agora? Não sabe dizer. Mas é
no que mais tem pensado. Então, hoje, ela termina logo a história, mudando
apenas o final. Dessa vez, diz que eles foram felizes para sempre e
que, portanto, não há mais nada para contar.
Aliviada, espera o dia amanhecer e ele ter que dar a ordem que há
muito havia esquecido.
Urubu
[Do tupi.]
Substantivo masculino. 1.Bras. Zool. Designação comum às aves ciconiiformes, catartídeas, de cabeça pelada, que se alimentam de carnes em decomposição. 2.Bras. GO Pequena mancha negra causada pela cristalização imperfeita do diamante. 3.Bras. Gír. Agente funerário: “Prometo .... escrever a favor do comércio, da indústria, da agricultura, .... dos relojoeiros, dos salsicheiros, dos serralheiros, dos urubus” (Machado de Assis, Crônicas, I, pp. 235-237). 4.Bras. Pop. Pessoa vestida de preto. 5.Bras. P. ext. Padre ou freira das ordens que vestem hábito preto. 6.Bras. Joc. V. flamenguista. Escovar urubu. 1. Bras. AM Pop. Lavar urubu. Lavar urubu. 1. Bras. AM Pop. Andar desempregado ou vadio; escovar urubu. |
URUBUS
POUSAM NO TEXTO
(Alice Barreira, uma das autoras do blog
Escritoras Suicidas (http://www.escritorassuicidas.com.br/alice_barreira.htm#.WVZJR4jyvIU ), publicou um texto sobre o livro
no site Germina - Revista de Literatura e Arte Germina (http://www.germinaliteratura.com.br/2017/livros_urubus_por_alice_barreira.htm). Você pode ler a seguir, mas vale a
pena visitar as Escritoras Suicidas e o Germina.)
O miniconto é uma das muitas
formas literárias que se ampliam nestes tempos de novas tecnologias, novas
plataformas, novos formatos. Foi trabalhando minicontos que Cesar Cardoso
chegou a seu novo livro – Urubus em Círculos Cada Vez Mais
Próximos. Cesar está mais corrosivo e cortante pois, entre seu livro
anterior, As Primeiras Pessoas, e este, há efetivamente um processo
de corte e corrosão de palavras, de enxugamento. E seus textos agora são
híbridos de contos, cenas dramatúrgicas e poesia em prosa. Cesar conta como
surgiu a ideia do livro:
“Comecei a escrevê-los da mesma
forma que escrevo qualquer texto literário que não seja uma encomenda, sem
nenhum objetivo claro ou proposta. Vem uma ideia, duas, dez. Elas vão se
juntando e podem ter morte por inanição ou resultar em algum projeto, como um
livro, por exemplo. Conforme estes contos foram se agrupando, surgiram ali
possibilidades. Alguns eram um soco no estômago, trazendo a violência de nossas
vidas urbanas, outros flertavam com o poema-piada do Oswald e da geração
mimeógrafo. Outros ainda eram pequenas cenas de teatro. Por fim, se formaram
duas vertentes principais: a violência urbana e o fantástico. O crítico Flávio
Carneiro foi quem me apontou essa dualidade. E acabei escolhendo o caminho do
fantástico para criar o projeto que resultou neste Urubus.”
Sempre com esta temática, o
leitor verá que uma boa quantidade de contos conversa com a nossa tradição
cultural, recriando histórias como a Arca de Noé, a construção da Torre de
Babel, a vida no Sítio do Pica-pau Amarelo, o destino de Ulisses ao retornar à
Ítaca e à sua amada Penélope. Outros textos contam histórias baseadas em fatos
inventados, como uma luta de box entre Borges e Kafka, o assassinato de Kafka
por Gregor Samsa já transformado em inseto, o roubo do Santo Sudário, uma nova
humanidade criada por Deus e seu fim trágico... São contos numa linguagem
aparentemente sóbria, mas que desaguam num mundo impossível, que começa a
existir na página e vai continuar a viver no leitor, possibilitando novas
leituras das quais o autor não terá ideia nem controle. É o caso de:
“O ARTILHEIRO
Para Marcius Melhem
Logo
cedo, após o café da manhã, sou levado para a sala completamente às escuras. Me
conduzem até a posição em que devo ficar, alguns passos antes da bola. Não
muitos, para não correr o risco de perder a direção dela. Ao ouvir o apito,
devo cobrar o pênalti imediatamente, sem usar o tempo para tentar enganar o
goleiro que, eles me garantem, está lá à minha frente, sobre a linha do gol,
tentando defender minhas cobranças. O apito, alto e prolongado, é a única coisa
que nós dois conseguimos escutar enquanto chuto e ele tenta defender. Alguém,
ou algum mecanismo que nem eu nem ele conseguimos ver, logo repõe uma bola na
marca do pênalti, torno a me posicionar, a ouvir o apito e me movimento para
uma nova cobrança.
E assim
passo meus dias, com uma breve interrupção para o almoço, que deve acontecer
por volta das duas da tarde, segundo meus cálculos. Quantos gols terei feito?
Quantos perdi? Não sei, mas sigo tentando me aperfeiçoar.”
Cesar busca
a síntese e a quebra do cotidiano, como no famoso miniconto de Augusto
Monterroso:
“Quando
acordou, o dinossauro ainda estava lá.”
E se no
breve espaço do conto tradicional são imprescindíveis a estranheza e a
intensidade, a fim de produzir no leitor a vertigem necessária para seguir
naquele universo até o fim, em contos de uma página (ou até de um parágrafo),
esta estranheza deve surgir sobretudo através dos silêncios. É assim que Cesar
constrói Urubus em Círculos Cada vez Mais Próximos, título tirado
do conto que fecha o livro:
“O TEMPO
Um minuto
de silêncio antes que o juiz apite o início do jogo. Tempo entre o tapa na
bunda do que acaba de nascer e o primeiro berro que vem subindo na garganta.
Cachorros no deserto de Atacama latem para as nuvens que eles nunca viram e o
mágico, na esquina movimentada, pede esmolas com sua cartola. Na galeria de
paredes de vidro, a japonesa carrega O grito, de Munch, cortado a facadas. O PM
para de balançar o termômetro e confere a temperatura. No escuro da sala, o
relógio pisca 12 horas. O garoto chora porque não aguenta o peso da alça do
caixão onde vai o corpo do pai. Ela segue seu striptease sem música no quarto
sem espelhos. Só a tevê a ilumina. Na cena, o pelotão de fuzilamento dispara. A
tartaruga sente a vibração da estrada e usa toda sua força para fazer a volta e
se livrar das rodas que vêm a cem por hora. Os dois boxeurs entram em clinch,
se abraçam e se beijam na boca. O afogado ainda respira. Na imensidão do vale,
o monge se masturba. A criança comemora em frente ao bolo com três velinhas. Há
balões, trenzinhos de marzipã, foguetes de chocolate, chocalhos de gelatina,
fantoches de marshmallow. Dentro do bolo dorme o homem com roupa de couro e
chicote. O sangue começa a manchar de vermelho o glacê branco. Na portaria, uma
mulher ajeita a burka em frente ao elevador. O enfermeiro escova a dentadura. O
homem-bomba está apertado para fazer xixi. A claquete vai bater para indicar
ação. A atriz prepara o choro, pensando na filha com câncer. O faxineiro espia
o pó que se acumulou no esqueleto do dinossauro. Uma granada voa. A freira
arregala os olhos. O Titanic permanece imóvel no fundo do mar. O campeão de
jiu-jítsu não atende o celular e cai zonzo. Restam no cinzeiro 44 cigarros
inteiros, novos, não fumados, e apenas um, aceso. Ele bate na veia e prepara a
injeção. O cego dá milho aos pombos na praia de Copacabana. O bispo arruma as
hóstias. Os urubus voam em círculos cada vez mais próximos, mais próximos, mais
próximos. O juiz olha o cronômetro e apita o início do jogo.”
Cesar Cardoso chega a este Urubus levando ao
extremo a máxima de Cortázar de que no conto o escritor deve vencer por
nocaute. Escritor versátil, com larga trajetória como roteirista de programas
de televisão (TV Pirata, A grande família, Sai de baixo, o novo Zorra e
outros), autor de livros infantis e de poesia, Cesar sabe usar sua experiência
a favor das suas narrativas, estabelecendo um ritmo alucinante que faz o leitor
devorar um conto atrás do outro, sempre guiado pela curiosidade (um pouco
mórbida, talvez) de descobrir qual o próximo estranhamento. Como em:
“PRIMAVERA-VERÃO
Para
Bettine Silveira e Mara Santos
O
estilista Pietr Rosui é o único não europeu a apresentar uma coleção na Semana
de Moda de Paris, sem dúvida a mais importante do mundo. Para essa temporada,
Pietr desenvolveu uma linha de casacos de pele confeccionados à mão, com
shapes que brilharam no corpo de Way Mulberry, em sua cadeira de rodas de
linhas influenciadas pelo design italiano.
Em
seguida, o golpe mais ousado de Rosui: seus vestidos trabalhados com bordados e
deixando as ancas marcadas. Foram o principal destaque da coleção, com suas
fendas esvoaçando para fora das macas onde vieram Alisia Deschcovith e Lea
Rydewni, num desfile inspirado em Edgar Allan Poe. Para quem gosta de
detalhes, até as agulhas dos soros de Lea e Alisia foram feitas de ouro e não
deixavam nada destoar na passarela.
Por fim
ele nos mostrou mais uma vez seus casacões clássicos, de ombros bufantes e com
o já tradicional toque báltico. Chegou a ser emocionante ver Raquel Dougherzy e
Livia Cirmansk nos caixões transparentes que as traziam para seus últimos
desfiles.
Quem quer
novidades no mundo da moda pode tratar de seguir Pietr. Ou então esperar a
próxima temporada.”
Alice
Barreira, Maio, 2017.
URUBUS POUSAM EM PARATY
O
conto O Veredito, que faz parte do livro, foi selecionado no Prêmio Off Flip de
Literatura - 2014 e fez parte da coletânea online publicada pelo Selo Off Flip.
Tanto o Selo quanto a Editora são criações do editor e escritor Ovídio Poli Jr,
que agita a literatura e a cultura da cidade de Paraty, onde mora.
A PRISÃO 2 – O VEREDITO
Há três anos saíra o veredito: condenada à
morte na forca. A sentença se cumpriria em três semanas. No dia da execução,
foi acordada na hora marcada, um pouco mais cedo do que de costume. O café já
estava na mesa e tudo funcionava com perfeição, como sempre. Foi levada para o
local da execução e, no caminho, começou a receber todas as informações
referentes ao enforcamento. Quantas pessoas já haviam sido enforcadas ali, que
tipo de crime a maior parte delas cometera, quanto tempo o cérebro ainda vive
após o corpo despencar, que reações físicas e químicas o organismo detona
antes, durante e até mesmo após a queda. Finalmente chegou ao cadafalso e foi
preparada para o último gesto, ainda com mais informações: de que material é
feita a corda, qual o tipo de madeira usada no patíbulo, quantos carrascos já
passaram por ali. Foi até mesmo apresentada ao seu próprio carrasco, embora já
estivesse vendada e com a corda no pescoço. O homem puxou conversa, trocaram
algumas frases. Por fim seguiu-se um profundo silêncio e ouviu-se o ruído
metálico de uma alavanca sendo acionada. E tudo se apagou.
Acordou na enfermaria, onde lhe informaram
que houvera um problema técnico com a alavanca e sua execução falhara. Ela
desmaiara com certeza por toda a tensão envolvida. Com um pedido de desculpas
do diretor do presídio em pessoa, foi reconduzida à sua cela e informada que o
procedimento seria refeito na manhã seguinte.
E realmente na manhã seguinte, ela foi
novamente acordada um pouco mais cedo do que de costume e mais uma vez passou
por todo o ritual, com novas informações e novos dados sobre todo o processo.
Até a alavanca ser novamente acionada.
Mais uma vez acordou na enfermaria e
foi-lhe explicado o novo defeito, desta vez na polia que movimenta a corda.
Mais uma vez o diretor se desculpou pessoalmente e ela retornou à cela.
Passaram-se cinco meses de execuções
diárias e mal-sucedidas. Ela já conhecia de cor todo o funcionamento da forca,
já cumprimentava o carrasco pelo primeiro nome e perguntava pela mulher e pelos
filhos dele. A única surpresa eram os infindáveis defeitos, sempre um diferente
do outro, chacoalhando dentro de sua cabeça.
Até que ontem, pela primeira vez, os
guardas se distraíram e a levaram de volta à cela sem retirar o cinto que lhe
segurava a roupa de execução. E assim que trancaram a porta, ela se enforcou
nas grades.
O lançamento do livro foi em 18
de abril no Gabinete
de Leitura Guilherme Araújo, na rua Redentor, em Ipanema. A casa, hoje
transformada num espaço de cultura, foi residência do produtor musical e
agitador cultural Guilherme Araújo, e mantém o alto astral e o charme que ele
colocava em tudo que fazia.
URUBUS
POUSAM NA MÍDIA
http://radios.ebc.com.br/conversa-com-o-autor/2017/06/cesar-cardoso-e-marwio-camara-no-conversa-com-o-autor
Caderno Prosa, O Globo.
|
URUBUS POUSAM NO AUTOR
O
jornalista e poeta Fernando Andrade entrevista Cesar Cardoso. Você pode ler a
seguir ou ir até o ótimo site Mallarmagens.
1 - Há em seus
contos um trabalho intenso de concisão com a linguagem. De usar todo aparelho
dos signos de forma encaixada dentro do espaço do conto. Como você foi
desenvolvendo esta forma de narrar?
- Esta concisão é
resultado de alguns caminhos que fui traçando em minha literatura. Como dizia
Leminski, “quanto menor, mais do tamanho da China”. Escritores que eu
gosto, como Graciliano Ramos e Dalton Trevisan, trabalham com a concisão da
linguagem. E mais, vivemos em um mundo de enxurradas: de informação, de consumo
e até de adjetivos... Então, a seleção e a concisão são dois métodos, duas
formas de olhar o mundo e a literatura que eu prezo e busco praticar. O
adjetivo, por exemplo, é sedutor, é fácil. Às vezes, quando não encontramos uma
saída para o texto, ele vem se oferecer para ocupar esse lugar. Graciliano, em
sua secura, falava com humor que “papel e caneta custam caro”. Então, viva a
concisão.
2- Em seus contos,
há um trabalho bem interessante sobre o cotidiano das pessoas. Mas ao mesmo
tempo há sempre algo insólito e fantástico acontecendo. Como foi dosar estas
duas linhas narrativas?
- Meu livro
anterior, “As primeiras pessoas” também não é uma simples junção de histórias.
Todos os contos são narrados na primeira pessoa. E daí o livro se desenvolve a
partir dessa premissa. Neste “Urubus em Círculos Cada Vez Mais Próximos” mais
uma vez busquei um projeto. A chave desse livro é partir do cotidiano e chegar
ao insólito, ao fantástico. Cortazar dizia que “o conto vence por nocaute”. Foi
o que busquei também, tanto na linguagem quanto no enredo. Quando fiz a
primeira versão do livro, havia duas vertentes: a questão da violência e a
questão do fantástico. O crítico literário e escritor Flávio Carneiro foi quem
me apontou isso mais claramente. Então, optei pelo caminho do fantástico. Os
contos às vezes são pequenas cenas de teatro, às vezes namoram com a linguagem
poética. E sempre buscam surpreender o leitor e fazê-lo reler e repensar a
história. Também trabalho muito com as informações culturais que tenho, da
literatura, da música, das artes plásticas. Gosto de pegar estas informações e
virá-las do avesso e trazê-las de volta nessas narrativas curtas. Assim, há
contos em que a construção da Torre de Babel é vista de uma outra maneira, ou
um jóquei numa corrida não consegue nunca alcançar a linha de chegada, se perde
numa ciranda sem fim; ou a atuação de uma bailarina se revela uma simples
caixinha de música... Assim construí este “Urubus em Círculos Cada Vez Mais
Próximos”. Aliás, o título é retirado de uma frase do último conto do
livro.
3 - Em uma frase
você muda o eixo completo do enredo. Como foi este exercício? O que seu
trabalho como roteirista na televisão te ajudou neste trabalho de síntese com a
linguagem?
- Escrevo contos,
poesia, humor, literatura infanto-juvenil. E, em todas essas formas, a síntese
está sempre presente. É bom não dar tudo para o leitor, deixar no texto lacunas
que o leitor vai encontrar e, dessa forma, construir a história junto comigo. O
trabalho de roteirista de televisão sem dúvida me ajuda. Sempre trabalhei como
roteirista de humor, e no humor você tem que ser sintético. Ele tem um ritmo e,
se você se expande demais, você quebra esse ritmo, afrouxa sua cena e perde a
graça. Então o humor me ajudou a ter esta capacidade de síntese. Além disso, em
tudo que escrevo tem algum tipo de humor. Neste livro, cheguei a um humor mais
irônico ou até mesmo sarcástico.
4 - Como foi
processo criativo dos contos? Como você desenvolveu-os?
– Comecei fazendo
a opção pelo fantástico. Hoje, já não sei mais identificar quais foram os
primeiros contos. Mas, a construção deles nasceu de muitas maneiras: uma cena
que vi quando voltava pra casa de madrugada, alguma coisa que li, a conversa
com amigos num bar, uma consulta médica. Ou simplesmente parei diante do
computador e fiquei pensando caminhos, histórias. Aí entra a minha bagagem, o
meu baú pessoal e intransferível. Um conto que gosto muito é uma releitura do
Sítio do Pica-pau Amarelo, onde o leitor acaba por descobrir que os personagens
são bonecos com os quais alguém está brincando. E quem é? A Barbie. Os
personagens são bonecos da Barbie. Monteiro Lobato foi o primeiro autor que
descobri, quem primeiro me encantou com a literatura. Eu era criança tinha
todos os livros dele em casa, tinham pertencido ao meu pai quando ele era
criança, e meu avô me contava aquelas histórias. Eu era, e sou, completamente
apaixonado pela literatura do Monteiro Lobato, pela Emília e todo aquele mundo.
Ainda tenho essa coleção. Então, ele faz parte de minha história literária. E é
um prazer e uma homenagem trazê-lo para a minha literatura, para dentro de um
conto meu. Um outro exemplo: há um conto de uma bailarina dançando, e esperando
pelo aplauso. O que surgem são duas mãos que dão corda numa caixinha de música.
Em verdade, ela é uma bailarina rodando numa caixinha de música. Como me veio
essa ideia? Primeiro, a caixinha de música - eu dava sempre de presente para
minha avó. Depois, a minha enteada fazia balé eu às vezes eu fazia o
coque nela, muito mal feito e lotado de grampos, coitada. E, por fim, como
também trabalho com fotografia, fiz uma série com bailarinas de caixinhas de
música. Esses três elementos se juntam e desaguam na linguagem do conto. Assim
nasce o conto “Coreografia”, que está nesse livro.
5 - Como foi
trabalhar com referências literárias, históricas e
e científicas?
Elas te ajudaram na imagética dos contos?
- Ajudaram muito.
Na parte literária, por exemplo, o conto que abre o livro fala da primeira
bienal de literatura do Rio, em 1923. Isso nunca aconteceu. E eu boto como
grande evento da bienal uma luta de boxe entre Borges e Kafka. Para que Kafka
não levasse vantagem, já que Borges já está cego, a luta acontece no escuro. E
no final, quando a luz se acende, os dois desapareceram. Todos esses
dados são absurdos. Na minha literatura, gosto de falsear as informações,
trabalhar com dados falsos como se fossem verdadeiros. Faço isso em vários
contos desse livro. E estou escrevendo outro livro só de informações falsas,
como a carta que Camões teria escrito ao governador de Moçambique pedindo ajuda
para voltar a Portugal pois estava na miséria; ou a visita de Darwin ao deserto
de Atacama, no Chile, para conhecer uma espécie de lontra que sabe usar
instrumentos para se alimentar. Para mim, falsificar dados literários,
históricos e científicos é uma ótima maneira de inventar histórias. No meu
ponto de vista, nada é neutro, nem a ciência. Tudo pode ser usado da forma que
você quiser. No livro “Urubus em Círculos Cada Vez Mais Próximos” há o conto
“Himenópteros Fomicídeos”, que é o nome científico da formiga. É a história de
um sujeito que passa o dia desenhando formigas. À noite ele dorme e as formigas
saem do desenho e o cobrem na cama. Elas o estão protegendo? Vão devorá-lo? O
conto não define. Mas eu cito uns quinze tipos diferentes de formigas. E essas
informações são verdadeiras. As formigas, onde elas vivem, do que se alimentam,
tudo é verdadeiro, eu pesquisei. E me serviu para inventar o conto.
6 - Os desfechos
dos contos não se esgotam numa ideia similar. Há sempre uma gama de situações
bem diferentes que concluem os contos muito bem. Você os escrevia primeiro? Ia
pelo desenvolvimento sequencial da narrativa? Ou anotava ideias para conclusão?
- Nenhum deles eu
comecei pelo final. Sempre me veio a ideia e eu fui desenvolvendo. A primeira
surpresa é para mim mesmo. Como é que vou me surpreender nesta história? Que
final vou achar? Como vou surpreender sem me repetir? Eu parti de uns 300
contos e cheguei aos cento e poucos que formam o livro. Procurei também dar uma
ordem nos contos. Há mais de um conto com o tema da prisão; A ideia da prisão é
muito rica. Eu achei 2 contos que trabalhavam de forma diferente um do outro.
Como eles tinham o mesmo tema eu coloquei uma numeração e deixei os dois afastados
um do outro no livro. Assim eu fui organizando cada história e o livro.
Tem um conto em que o personagem está viajando de trem, adormece e, no meio da
noite, acorda. É uma situação comum de viagem, pela qual quase todo mundo já
passou. O personagem tenta se situar, descobrir em que pedaço da viagem está.
Ele abre a cortina da janela. E o que vê? O planeta Terra brilhando no céu
daquela noite escura. Então eu pensei e o leitor vai pensar também: onde diabos
esse sujeito está?
7 - A tua epígrafe
é do Augusto Monterroso, um escritor que praticava o microconto. Embora não dê
para dizer que seus contos sejam microcontos, há uma compacidade da escrita e
do conteúdo que parece que nunca é descarte. Você chegou a fazer leituras
destes autores deste estilo de escrita?
– Sim, em
épocas diferentes, fiz algumas leituras que acabaram me ajudando a encontrar os
caminhos desse livro. Posso citar “A Ovelha Negra e Outras Fábulas”, do
hondurenho Augusto Monterroso, a coletânea “Os 100 Menores Contos Brasileiros
do Século”, organizada pelo Marcelino Freire, “Os Anões”, da Veronica Stigler,
“Jardim Zoológico”, do Wilson Bueno, as obras literárias de Murilo Rubião,
Cortázar, Campos de Carvalho. Todos, em alguma medida, trabalham com a
concisão, o fantástico e o humor. Assim como Borges e Kafka. Eles são
personagens do primeiro conto do meu livro. Kafka retorna em outro conto, onde
é morto pelo inseto em que se transformou seu personagem Gregor Samsa. Acho que
em qualquer trabalho humano, todo mundo tem que desenvolver suas ferramentas.
Eu adoro ler e quanto mais leio, mais me divirto. E mais eu consigo trazer
ideias para meus projetos de literatura.
8 - Não tem como
classificar seus contos como fábulas. Mas percebi um tipo de ideia moral que
fecha muito bem os contos. Como você ia chegando a estes finais sempre
surpreendentes?
Neste livro,
busquei sempre a surpresa. Os contos namoram com a fábula sim. Vários são
fábulas desconstruídas, fábulas pelo avesso, onde a surpresa final transita
entre o fantástico e a linguagem da fábula. Muitas vezes trabalho com uma
linguagem que aparentemente é muito objetiva, neutra. E é a surpresa que vai
desconstruir essa aparente neutralidade. O leitor chega ao final e diz: opa,
não era o que eu pensava, deixa eu ler isso de novo. A surpresa é uma forma de
jogar o leitor de volta para dentro do conto. É uma forma de não ser um texto
fechado, resolvido. O leitor pode imaginar o que ele quiser. Eu escrevo
literatura infanto-juvenil, volta e meia vou a escolas conversar com a
criançada que leu algum livro meu. E muitas vezes têm leitores que fazem
perguntas que eu mesmo não imaginava. Em meu livro “Quem Pegou a Ponta do Meu
Chapéu de Três Pontas que Agora Só Tem Duas?”, o personagem diz: “Roubaram uma
ponta do meu chapéu de três pontas. E logo a vermelha, a que eu mais gosto.” E
uma garota lá perguntou: “Vem cá, e quais são as cores das outras pontas?” Eu
nunca havia pensado nisso. Então eu busco surpreender o leitor, deixando um
final em aberto, e este leitor, ao construir sua leitura, também pode me
surpreender.
URUBUS POUSAM NO VORTEX
O jornalista e escritor José Fontenele escreve sobre Urubus em
Círculos Cada Vez mais Próximos.
Leia aqui ou vá conhecer o site VORTEX CULTURAL:
Fã
inveterado de boxe, Julio
Cortázar usou uma metáfora do “nobre esporte” para
explicar a diferença entre romances e contos: “O romance ganha o leitor por
pontos, já o conto, por nocaute.” Mas se o conto ganha por nocaute o leitor, o
que diria Cortázar sobre os contos curtos?
Urubus
em Círculos Cada Vez Mais Próximos (Oito e Meio, 2017), o
novo trabalho de Cesar
Cardoso, é composto em totalidade por contos curtos que ganham
o leitor tão rápido quanto os melhores nocautes descritos por Cortázar. O
mérito do autor reside em três qualidades principais: os estranhamentos, as
sugestões e o domínio vocabular.
O
estranhamento (outra qualidade cultivada por Cortázar), se faz presente nas
situações inusitadas – algumas mórbidas até – e personagens incomuns que
denunciam o Eu fragmentado da urbe moderna. De fato, ao trazer a tona situações
atípicas para quase todos os leitores (imagino), Cesar impulsiona o caráter
empático da convivência pluricultural, e, em paralelo, chacoalha o leitor para
fora da zona de conforto social. E todo desconforto provocado pela Literatura é
louvável porque a boa Literatura não sobrevive sem conflito, seja da trama
exposta no texto ou dos múltiplos juízos de valor da mesma história (Capitu que
o diga).
Se o
estranhamento tem características de corpo, a sugestão é a alma. O poder
sugestivo impulsiona e intensifica as narrativas curtas, escondendo, entre
frases pequenas, desfechos dos mais sensíveis, engraçados e dos mais
inesperados. Talvez o leitor mais apressado subestime os contos curtos, contudo
mesmo a leitura mais rápida para em diversos momentos como um carro que furou o
pneu por não prestar atenção na estrada. Aos apressados, a sugestão tem esse
poder de agir como o prego que martela a mente do leitor, encaminhando,
inclusive, explicações das mais esdrúxulas ao desfecho dos textos. Tudo ao
mérito do leitor.
Quanto
ao domínio vocabular das frases curtas, descrições cinematográficas, fluxos de
consciência e diálogos, estes, juntos, criam uma intensidade narrativa que
acompanha os contos como uma paleta de cores ao lado do bom pintor. O
leitor é um voyeur que
acompanha os movimentos dos personagens no cotidiano deles sem perda vocabular
– afinal não teria mérito explorar situações inusitadas se estas fossem
mediadas por palavras bem comportadas ou preguiçosas que fragilizassem a cena. Não.
Cesar tem experiência para dotar cada atmosfera de uma forma específica e
sobretudo diferente da próximo. Cinematograficamente, é como se lêssemos os
argumentos de curtas-metragens em processo de produção (a analogia é impossível
porque o autor também é roteirista de TV).
Atualmente
os contos curtos são vistos como uma alternativa contemporânea ao espaço exíguo
nos novos meios de comunicação. Contudo, autores como Cesar Cardoso que
conseguem reunir todas as características do conto tradicional em um espaço
menor, desenvolvem estrutura, enredo e desfecho, e ainda atingem “nocautes”
literários, sempre ascendem uma dúvida se esse tipo particular de texto não
deveria ganhar um espaço só deles na Literatura.
Por
fim, as histórias escritas por Cesar tem esse poder de te deixar com a pulga
atrás da orelha pensando no que pode ou não ter acontecido. E para aqueles que
optarem por ler antes de dormir, cuidado: você pode não dormir ou sonhar com
urubus em círculos cada vez mais próximos da sua cabeça. Leitura muito
recomendada.
José Fontenele, 20 de junho de
2017
SUCATO CITY
Para
Marcelo Martinez
Estão mais
uma vez no imenso galpão da usina nuclear acidentada. No começo se encontravam
para discutir lançamentos e analisar tendências. Agora, várias daquelas
novidades desafiadoras já perambulam por ali, entre centenas de carcaças,
holográficas ou de plástico e silício.
Acabam o dia
em torno do Monolito de 2001, ou o que restou dele. E Hal sempre aparece,
cantarolando a velha canção do filme. A seu lado, o imenso computador da Apolo
11 faz mais uma vez a velha piada, dizendo que há vagas para porteiro
eletrônico numa nova produção de Hollywood. Hal retruca, irônico:
– Fale-me da
Lua. Da sensação de pisar naquela areia.
O
computador, que ficou em órbita no módulo Colúmbia e não deu nenhum passo,
grande ou pequeno para a humanidade, no solo lunar, se defende:
– É, mas eu
vi o lado escuro da Lua. The dark side of the moon.
Lá detrás
uma voz metálica debocha:
– Você e
aquele astronauta doido fumaram muita maconha e escutaram Pink Floyd demais,
isso sim!
Todos riem. E enquanto a noite chega entre lembranças e chips desconectados,
eles falam em voz baixa de um futuro próximo, onde todos terão yottabytes de
informação em exaflops de velocidade. Depois sonham que estão longe. Longe da
usina, com sua radioatividade. Longe do seu passado online. Ou longe apenas da
Grande Obsolescência.
URUBUS POUSAM
EM DIVERSOS AFINS
Leila
Lopes de Andrade e Fabrício Brandão pilotam a revista de cultura e literatura
online Diversos Afins. E na 119ᵃ leva da revista publicaram alguns contos
de URUBUS EM CÍRCULOS CADA VEZ MAIS PRÓXIMOS, que seguem abaixo. Mas vale a
pena ir lá conferir a nova edição da Diversos Afins e passar a acompanhar essa
revista.
Dedos de Prosa III
Cesar Cardoso
Coreografia
Para Olivia Alvarez
Está sozinha no palco, apenas os
espelhos a multiplicam. Ela e seu tutu, que a deixa quase nua. Ela e seu corpo
e a dança. Ela e seu olhar, que só vê o palco, a dança, seu corpo, os espelhos.
Quando a música termina, a
bailarina não agradece a ninguém. Simplesmente para no palco. Para dezenas de
vezes em seus espelhos. Dezenas de vezes imóvel. Estará esperando os aplausos?
Até que as duas mãos de seu
público levantam a caixa, dão corda novamente, pousam e observam.
***
Certificado de
garantia Maxchild
Parabéns, papai. Parabéns, mamãe.
Vocês acabam de adquirir um
produto MaxChild de alta qualidade e perfeitamente compatível com a sua
família.
Os filhos MaxChild são fecundados
e gerados sob rígidos padrões de qualidade internacional e garantidos contra
qualquer defeito genético. Além de virem nas cores e no sexo que vocês
escolherem.
A garantia é válida por 18 anos,
a partir da data indicada na certidão de nascimento do produto, desde que este
tenha sido utilizado corretamente, conforme as instruções no contrato.
(Este produto só é
comercializável com seres humanos que possuam o selo de qualidade Maxchild.)
***
Robinson Crusoé
Subo até o topo da duna de areia
e vejo bem longe um sinal de fumaça. É vida, com certeza! Desço a duna a toda,
fazendo os cálculos de como chegar até lá, e sigo a rota pensada, torcendo para
não me perder mais uma vez.
Algumas horas depois subo mais
uma duna e, ao chegar no topo, respiro aliviado. Desta vez não me enganei. Lá
embaixo estão os motivos do sinal de fumaça. Um homem sentado em frente a uma
fogueira. Desço ansioso, segurando a faca.
Ouço um ruído atrás de mim e me
viro com o revólver engatilhado. Ele ainda tem tempo de saltar, mas eu atiro,
acerto em seu rosto e ele cai ensanguentado e imóvel, com a faca a seu lado.
Me certifico de que está morto,
pego a faca, subo até o topo da duna de areia e vejo bem longe um sinal de
fumaça. É vida, com certeza!
***
Os bravos soldados do fogo
Para Cibele Fernandes
Acordei com a sirene. O barulho
veio aumentando e eu esperei que fosse diminuindo. Mas não. Parou à minha
porta. Levantei rápido da cama e corri para abrir a porta da frente, já dando
de cara com os bombeiros carregando as mangueiras, gritando ordens, cercando o
quintal e procurando, procurando. Eu também não encontrava nenhum sinal de
fogo. Mas não tive tempo de alertá-los, eles já acionavam os hidrantes e
encharcavam a casa toda. A princípio, não entendi aquele procedimento e até me
aborreci. Mas eles foram gentis e pacientes e me fizeram ver que, por mais que
a gente não perceba e mesmo não encontre, há sempre um incêndio.
urubu
Bras.
Substantivo de dois gêneros.
1.Etnôn. Indivíduo dos urubus, povo indígena do tronco linguístico tupi, que habita RO.
Adjetivo de dois gêneros.
2.Pertencente ou relativo a esse povo. [Tb. us. como s. 2 g. e 2 n. (com cap.) e adj. 2 g. e 2 n.]
Bras.
Substantivo de dois gêneros.
1.Etnôn. Indivíduo dos urubus, povo indígena do tronco linguístico tupi, que habita RO.
Adjetivo de dois gêneros.
2.Pertencente ou relativo a esse povo. [Tb. us. como s. 2 g. e 2 n. (com cap.) e adj. 2 g. e 2 n.]
YEAH, YEAH, YEAH
Para Natercia Rossi e Claudia Fernandes
Como sempre, não há quase nenhum movimento na rua. Os quatro
rapazes chegam na esquina, com suas roupas coloridas, brincam muito uns com os
outros e atravessam a rua cantando. O fotógrafo ri e vai pedir calma, pois
ainda nem montou sua câmera. Mas não há tempo, um caminhão de mudanças dobra a
esquina, avança o sinal e atropela os quatro.
Foi uma pena, não só pela dor das famílias, mas porque todos ali
em Abbey Road dizem que eles levavam muito jeito pra música.
POR ENQUANTO
(Este conto foi publicado originalmente em fevereiro de 2013, no
blog Caneta, Lente e Pincel, onde colaboro há cinco anos.)
Para
meu amigo Ivan Lucena
Por enquanto os dois amigos caminham pela rua e nem sabem o que
será do dia. Se vai ter futebol na praça logo mais, se vão pular carniça, se
vão pegar uva no mercadinho e comer escondido. É cedo e eles ainda não sabem.
Talvez eles desistam disso tudo e resolvam ir na casa da tia do
amigo mais novo, só para vê-la trocando de roupa, com a porta entreaberta. A
porta é velha e não fecha. O desejo deles é novo e também não fecha. Tanta
coisa não fecha.
Por enquanto, talvez o melhor mesmo seja pegarem as bicicletas e
descerem pela rua que dá na praia, onde os pais nunca passam a essa hora do dia,
pular o muro do terreno baldio e esconder os fichários para matar aula sem
inspetores, castigos, surras ou ameaças de transferência para o colégio
militar. E sem ninguém se apressando em rasgar os diplomas que eles nasceram
para alcançar lá no futuro, aquele lugar que ainda não fazem ideia para que
lado fica.
Por enquanto só sabem para que lado fica o aeroporto. E é para
lá que vão, em suas bicicletas. Seguem pela ruela estreita que margeia a baía.
Ninguém aparece para detê-los, para perguntar o que querem. E o que querem? Só
seguir adiante e é o que fazem. Quando percebem, estão na cabeceira da pista e
se divertem fingindo aterrissar ou levantar voo. São eles próprios aviões
subindo e descendo num balé desengonçado e transportando tanta gente para tantos
lugares com tantas línguas que eles não entendem mas falam, entre berros e
risos. Até que um outro barulho, bem maior, os faz perceber que, se eles são
simples aviões de faz de conta, o que se aproxima é de verdade. O coração de
cada um dispara e fogem numa correria louca, tentando alcançar seu próprio
medo, que corre mais do que eles. Lá no final da ruela se atiram no meio das
pedras, fecham os olhos e ouvem o avião pousar.
Por enquanto eles se levantam com alguns cortes nos cotovelos e
nos joelhos, que sangram um pouco. Ainda não sabem que ninguém descobrirá sua
aventura. E por mais que contem e jurem, ninguém da turma acreditará. Também
não sabem que o pai do amigo mais novo foi transferido de cidade e vai embora
no final desta semana. E que quando o amigo mais velho for correndo na casa do
outro para se despedir, não correrá o suficiente, como eles fizeram na pista do
aeroporto. E o amigo já terá ido embora.
Por enquanto eles não sabem que só daqui a 40 anos, o amigo mais
velho e sua mulher subirão as escadas rolantes daquele mesmo aeroporto, para
pegar um avião e, ao final da escada, um piloto ficará parado à frente deles.
Ele estranhará, por um tempo bem curto. E sua memória correrá a tempo de
reconhecer o amigo e de se abraçarem e do piloto contar para sua mulher a
aventura que viveram logo ali, do outro lado da pista e da vida.
Imagem: Magali Rios
Texto: Cesar Cardoso
( http://canetalentepincel.blogspot.com.br/)
URUBUS POUSAM NO CLUBE DA LEITURA
Na noite de O
escritor Cesar Cardoso participando do Clube da Leitura na Casa Rio em
Botafogo, lendo contos de seu novo livro "Urubus em círculos cada vez mais
próximos".
Cesar Cardoso Bela
noite de leitura e conversa sobre literatura com o pessoal do Clube da Leitura.
Agradeço a todos a atenção e o carinho com que me receberam. E, é claro, as
cervejas pra fechar a noite no bar mais próximo.
urubucaá
[Do tupi = ‘folha
de urubu’.]
Substantivo
masculino.
1.Bras. Bot.
Angelicó.
urubu-caapor
Bras.
Substantivo de dois gêneros.
Bras.
Substantivo de dois gêneros.
1.Etnôn. Indivíduo
dos urubus-caapores [ou (etnôn. bras.) *Urubu-kaapor, *Ka’apor], povo indígena
da família linguística tupi-guarani, tronco tupi, que habita os municípios de
Carutapera, Cândido Mendes, Turiaçu e Monção (AM).
Adjetivo de dois gêneros.
Adjetivo de dois gêneros.
2.Pertencente ou
relativo a esse povo. [Pl.: urubus-caapores.]
urubu-caçador
Substantivo masculino.
Substantivo masculino.
1.Bras. MG Zool.
V. urubu-de-cabeça-vermelha. [Pl.: urubus-caçadores.]
urubu-de-cabeça-vermelha
Substantivo masculino. 1.Bras. Zool. Ave ciconiiforme, catartídea (Cathartes aura), distribuída desde o Canadá até a Argentina, de coloração preta, com a cabeça nua, encarnado-violácea, e os canos das rêmiges das mãos brancos apenas do lado inferior; urubu-ministro, urubu-campeiro, urubu-caçador, urubupeba, urubu-peru, urubu-jereba, jereba, camiranga. [Pl.: urubus-de-cabeça-vermelha.] |
urubu-do-mar
Substantivo masculino. 1.Bras. Zool. V. alcatraz1. [Pl.: urubus-do-mar.] |
urubu-jereba
Substantivo masculino. 1.Bras. Zool. V. urubu-de-cabeça-vermelha. [Pl.: urubus-jerebas e urubus-jereba.] |
urubu-ministro
Substantivo masculino. 1.Bras. Zool. V. urubu-de-cabeça-vermelha. [Pl.: urubus-ministros e urubus-ministro.] |
DECRETO-LEI
N° 4457
Este
conto foi publicado originalmente na revista Caros Amigos, onde escrevi de 2003
a 2011.
Para
Marina Bittencourt
Dispõe
sobre o jogo do caxangá e dá outras providências.
O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o parágrafo 1° do Art. 2° da Constituição Federal, decreta:
Art. 1° Comete grave infração contra a pátria e seus símbolos o escravo de Jó que:
I – For pego jogando o caxangá ou incite a realização de tal jogo;
II
- Pratique atos destinados à organização do citado jogo, tais como tirar, botar
ou deixar o Zé Pereira ficar.
§ 1° Está proibida em todo o território nacional a reunião de guerreiros com guerreiros.
§
2° Qualquer guerreiro que for encontrado fazendo o zigue-zigue-zá será
encarcerado, responderá a processo nos termos da lei em vigor e terá solicitada
a sua retirada do território nacional.
Art.
2° O Sr. Zé Pereira está proibido de ficar, a partir da data de entrada em
vigor deste decreto, devendo apresentar-se ao Departamento de Polícia Federal,
onde aguardará julgamento.
Art. 3° Aquele que souber do paradeiro do Sr. Zé Pereira deve comunicar imediatamente às autoridades. Caso contrário estará sujeito às penas das leis que vierem a ser estabelecidas sobre tal matéria.
Art.
4° O Ministro de Estado das Cantigas de Roda expedirá, dentro de trinta dias,
contados a partir da data de sua publicação, instruções para a execução deste
Decreto-Lei.
Art. 5° Este Decreto-Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
URUBUS POUSAM
NO GUETO
A Gueto é uma revista de literatura
luso-brasileira, editada por Jerome Knoxville e Amanda Sorrentino. Vale a pena
conhecer e acompanhar.
VOCÊ PODE
COMPRAR O LIVRO URUBUS EM CÍRCULOS CADA VEZ MAIS PRÓXIMOS NAS LIVRARIAS BLOOKS,
DA TRAVESSA E NO SITE DA EDITORA OITO E MEIO: www.oitoemeio.com.br
Urubuzar - urubuzar
[De urubu1 +
-z- + -ar2.]
Verbo transitivo direto. Bras.
Fam.
1.Olhar fixamente, com intenção
malévola.
2.Dar azar a; azarar.