segunda-feira, 22 de março de 2010

CAIU NA REDE É PIXEL


CHIPS – o prazer da batata & o poder do circuito –


NOVOS CONTOS DE ALICE BARREIRA

Meu caro maninho Cesar,

Aí vão três haicontos inéditos pra animar teu blog. Ainda não estão no ponto mas eu chego lá. Vamos parar de falar de amor, da natureza, do futuro. Essas coisas são boas pra vender shampoo, apartamento e carro. Vamos falar mesmo é de assassinato e ódio, que é a nossa especialidade enquanto humanos.

PS: o que você acha da gente currar uns arcebispos e depois escrever cartas pedindo desculpas, como eles fazem?

Beijos incestuosos da tua sempre mau comportada irmã,

Alice

A SAÚDE DO BEBÊ

A bolsa d’água já se rompera, o marido já estava com o carro ligado, a mãe já levava a mala com as roupas, a empregada já esquentava o jantar para o filho, o trânsito já estava desimpedido na avenida principal, a vaga para o carro já estava reservada na maternidade, a equipe médica já estava toda preparada, a respiração cachorrinho já lhe saía pela boca, a anestesia já lhe entrava pelo braço, a criança já estava na posição, a médica já a retirava, o marido já filmava tudo e a filha caçula já tinha vindo ao mundo.
A recém-nascida, de cabelos brancos, mãos trêmulas e enrugadas, olhou para ela com dificuldade e disse:
- Sou eu, sua avó.

DE TUDO AO MEU AMOR

Tantas e tantas vezes tinha se imaginado ali. Esperou alguns homens entrarem primeiro, para ter com quem aprender em caso de dúvida, que ele tinha certeza que surgiria. Por fim deu seus passos, como quem entra no labirinto.
Foi cumprindo com facilidade as tarefas. Descobria maravilhado que eles – fossem quem fossem – estavam ali para facilitar. Pôs o troco no bolso, passou pela porta que se escancarava diante dele e, com mão firme, colocou a moeda no local indicado.
À sua frente, uma cortina se abriu por trás de um vidro transparente e suado. E ele pôde ver, por fim. Ela devia ter o quê? Uns oitenta, oitenta e cinco anos. Usava um peignoir que fora rosa um dia e escovava os dentes. Ele começou a se tocar. Sabia que tinha cinco minutos mas quando ela tirou a dentadura e começou a escová-la na mão, não se conteve mais.

RIR É O MELHOR

No centro do palco um sujeito usando roupas de atleta está amarrado de cabeça pra baixo há mais ou menos uma hora e meia. Ele não disse uma palavra, percebemos apenas sua respiração pesada. Por fim, um outro sujeito, também com roupas de atleta, entra em cena, em marcha cadenciada, dá duas voltas pelo palco e, ao passar novamente pelo que está amarrado, saca um revólver e lhe dá um tiro na cabeça, fazendo espirrar sangue até a terceira fila pelo menos.
E nós estouramos numa gargalhada sem fim.

PATAVINA’S NEWS


BALA PERDIDA MATA IRACEMA

Uma discussão de trânsito acabou em tragédia ontem à tarde, na esquina da Rua Ipiranga com a Avenida São João. O motoqueiro João Rubinato avançou o sinal e atropelou o segurança Cibide Barbosa, que reagiu a tiros. Mas a única pessoa atingida pelos disparos foi a doméstica Iracema (sobrenome desconhecido), que saía do magazine Leader, onde fora comprar seu vestido de noiva. Iracema ainda tentou correr, mas acabou sendo atropelada por um carro, pois o sinal já abrira e ela atravessou na contramão. No entanto o Instituto Médico Legal confirmou à nossa reportagem que Iracema morreu devido ao ferimento à bala, que perfurou seu pulmão, e não por causa do impacto do veículo, que lhe causou apenas escoriações generalizadas e uma fratura de costela. Nenhum familiar compareceu ao IML para requisitar o corpo, nem mesmo o noivo. Segundo informações da funcionária do Magazine Leader, que vendeu o vestido de noiva, a vítima teria lhe mostrado um retrato do noivo e confidenciado que este encontra-se detido por furto na Penitenciária de Guarulhos, “mas que sai mês que vem”.

(Da reportagem local)

AUTOPEÇAS LITERÁRIAS CARDOSÃO

a oficina de literatura do cesar cardoso
desentortamos vírgulas
e pontos de interrogação
aqui você é atendido pela mecânica do texto


CONVERSAS COM MANUEL

Há uma certa covardia em estabelecer conversas com quem não tem mais o poder de simplesmente se calar e ir embora. Mas...

PORQUINHO DA ÍNDIA

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prà sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.

TERESA

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

MADRIGAL TÃO ENGRAÇADINHO

Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na
minha vida, inclusive o porquinho-da-índia que me de-
ram quando eu tinha seis anos.

MADRIGAL TÃO DESGRAÇADINHO

Quando ele chegou o jantar já estava no forno. Por mais que insistisse, não contei o que estava assando. Ficamos ali na cozinha tomando um vinho, ele tentava fazer jogos de adivinhações para que eu contasse, mas eu estava mesmo irredutível. Como não desistia, fui transformando aquilo num outro jogo. Agora, a cada adivinhação errada, tirávamos uma peça de roupa. E acabamos trepando embaixo do fogão. Depois eu abri outra garrafa de vinho, coloquei uma venda nele, abri o forno e fui lhe dando daquela carne tenra, já assada. A cada pedaço ele tentava mais uma vez adivinhar. Até que eu falei: Manuel, você é a coisa mais boba que eu já encontrei na minha vida. Você está comendo o seu porquinho-da-índia. Ele ainda tentou mas não teve tempo de reagir. Eu bati com o martelo bem no lado da sua testa e ele desmaiou. Nem terminou de dizer meu nome. Prolongou um pouco a letra R, como se ela tivesse ficado engasgada em sua garganta. Continuei batendo até que a cara ficou parecendo uma perna. Olhei Manuel pela última vez. E seus olhos estavam muito mais novos que o resto do corpo.

Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

A VOLTA

vim-me embora de pasárgada
num jipe junto com as putas

caguei pro rei debilóide

só não dispensei os alcalóides


(Os textos Porquinho da índia, Teresa, Madrigal Tão Engraçadinho e Vou-me Embora de Pasárgada são do genial Manuel Bandeira e podem ser encontrados no livro Estrela da Vida Inteira, que reúne sua obra poética e é facilmente encontrável em sebos, por um preço muito em conta. Sem dúvida, é um investimento muito melhor do que imóveis, ações, diamantes, drogas e armas, essas coisas em que normalmente as pessoas investem.)

OUTDOR – poemas visuais –

BARATA VOA - vale tudo, menos porrada –

O PAI DOS BURROS
GUIA IMPRATICÁVEL DA LÍNGUA PORTUGUESA
CAPÍTULO 3.

Olá, gente burra de norte a sul do país. Abri vossos corações ao anjo anunciador da sabedoria. Vinde! Vinde! Prestai vosso singelo tributo a Romário, o Homem-Dicionário. Penetrai nos mistérios da letra D, de Dario I, o célebre pai do não menos famoso Dario II. Embriagai-vos com o E, a mais notável vogal de que se tem notícia na História Moderna e Contemporânea da atualidade que acontece hoje em dia. E empapuçai-vos com o F, que vale por dois: o P e o H.

D

DENEGRIR - Chamar o Michael Jackson de crioulo.

DELATOR - Ator que denuncia o resto do elenco.

DEPRESSÃO - Espécie de panela angustiante.

DEPUTAR - Eleger aquele filho da puta.

DESCALABRO - Absurdo proveniente da Calábria.

DESCARTAR - Livrar-se dos livros do Descartes.

DESCASCADELA - Ato ou efeito de descascar a cadela.

DESCOMUNAL - Comunista de enormes proporções, capaz de comer três criancinhas de uma só vez.

DIPLOMATA - O mais solícito dos primatas.

DISPERSÃO - Sujeito grandalhão e distraído, proveniente da antiga Pérsia.

DISTINTO - Indivíduo muito educado, de cor vermelho-escura.

DOCENTE - Sobremesa com graduação.

DOENTIO - Tio acometido de alguma moléstia.

E

ECLIPSE - Grampo para tapar o sol.

ELOQUÊNCIA - Capacidade de falar até a loucura.

EMARANHAR - Fazer confusão no Maranhão.

EMBAÇADA - Representação diplomática localizada em meio à neblina.

EMPAPAR - Encharcar Sua Santidade.

ENDOSSAR - Apoiar, com muito açúcar.

ENFADONHO - Fado extremamente chato.

EQUIDISTANTE - Bem longe dos cavalos.

ESBANJAR - Tocar banjo até não poder mais.

ESCAFEDER-SE - Fugir aos peidos.

EUCARISTIA - Alta de preços dos produtos utilizados na missa.

EXCURSIONISTA - Israelita de direita em viagem.

F

FARRAPO - Pequena farra.

FOCAR - Dar um close na foca.

FÓSSIL - Diz-se daquele que está na fossa há pelo menos dez mil anos.

FOXTROTE - Trote aplicado em estudantes de música.

FRANCISCANO - Tubulação religiosa.

FRANGALHO - Galináceo de reduzidas dimensões, em péssimo estado.

FRONTISPÍCIO - Hospício para neuróticos de guerra.

FUXICAR - Mexer nas coisas do Chico.

E não percam no quarto e marshmelloso capítulo desta saga literária, as estupefacientes letras G, H e L!

“NÚNCARAS” – po+es+ia


SONETO HIPOCONDRÍACO

Leia duas vezes ao dia, após as refeições. Caso não desapareçam os sintomas, consulte seu médico.


allegra afrin cewin ascaridil
cataflan riopan sinvastatina
caltrate pinavério soapelle
higroton hidrocin metiformina

bisolvon hipoglós dermotivin
minâncora malvona rocaltrol
airclin nebacetin polaramine
novacort gelol cetocozol

vaporub plasil moduretic
fenoterol panotil buscopan
tylenol cloridrato lexotan

feldene diprosone zyloric
clobetasol bromoprida plasil
bepantol flixonase floratil

MEUS CAROS AMIGOS

Segue minha crônica mensal na revista Caros Amigos. O número de março traz: lixo radioativo em plena capital paulista. Entrevista com o escritor Milton Hatoum. Lugar de mulher é na política! A Universidade dos Trabalhadores. E a seleção brasileira de craques da palavra e da opinião independente. Já à venda nas boas bancas do ramo!

A ORIGEM DA ESPÉCIE

Por Cesar Cardoso (mas pode chamar de Charles Darwin)

Época: cerca de 90 mil anos atrás. Uma espécie relativamente nova se desenvolve nas estepes africanas. Ela se chama Homo Sapiens e aprende a construir ferramentas de pedra. Por algum motivo que não se sabe ao certo, o homo sapiens percebe que não pode mais ficar restrito ao continente africano, sob pena de se extinguir. Talvez em algum lugar de seus cérebros eles tenham registrado o desaparecimento de seu antecessor, o homo erectus. Seja lá o que for, algo dentro deles os impele a sair, a procurar outras terras, outros climas, para que sua espécie possa se expandir. Eles então empreendem a maior aventura de sua existência: a migração para a Europa. Enfrentam desertos com temperaturas escaldantes. Enfrentam a fome e o frio de uma nova era glacial. Enfrentam feras até então desconhecidas. Enfrentam a si mesmos, medindo sua resistência a tantos desafios. E superam tudo isso, em busca da sobrevivência da espécie. Chegam por fim às portas da Europa. Lá encontram dois exemplares de uma espécie muito semelhante a deles. E os exemplares conversam.

- Ô Berlusconi, esses carinhas tão dizendo que são homo sapiens, uma espécie nova e que têm que imigrar aqui pra Europa pra sobreviver. Isso tá me cheirando a safadeza.

- Claro, Sarkozy! Tu vai acreditar na conversa fiada dessa gentalha? Mete a polícia em cima deles.

E foi assim que há dez mil anos atrás o Homo Sapiens entrou em extinção. Em seu lugar se originou uma outra espécie, parecida e descendente daqueles dois sujeitos parados lá nas portas da Europa.

Cesar Cardoso é escritor e quando crescer quer ser Homo Sapiens.

REVISTA GANDAIA


A POESIA TEM QUE CAIR NA GANDAIA!
- SEGUNDA PARTE

Segue a segunda parte da entrevista que o poeta e escritor Paulo Leminski deu à revista GANDAIA, na longínqua década de 70. Mas quanto tempo faz?

O tempo da poesia não é o tempo do relógio.
É o tempo do incenso, um tempo oriental.
Mas uma coisa é certa: o poeta tem que viver dentro da prosa. Prosa profissional. Prosa do dia a dia. Prosa dos jornais. Aí está toda a barra. O poeta é um ser semiótico, crítico, utópico.
Dever do poeta é manter acesa a chama e a ideia de poesia. A noção de uma atividade radical, crítica e utópica. Na linguagem. Não apenas conteúdos edificantes e pios temas veiculados através de um discurso convencional e recebido passivamente.
Um poeta deve – sobretudo – agenciar os meios para poder continuar sendo poeta.
Até os 21 anos todo mundo é poeta. O foda é depois. Daí, você tem que provar.
Poucos resistem.
99% dos que fazem poesia hoje, dentro de dez anos, vão estar fazendo outra coisa. Poesia não é brincadeira, é loucura mesmo.
É nadar contra a corrente. Produzir o anti-discurso.
E – principalmente – evitar coisas como o sucesso e a consagração. Aquilo que o sistema canoniza como boa poesia é apenas a poesia que ele consegue vender. Edições bem sucedidas não fazem a boa poesia. Tem que segurar a barra sem parar. Senão acaba desfrutável como Drummond. Ou acadêmico como João Cabral.
Para isso não há regras e cada caso é um caso.
Mas você tem que montar tua vida de tal forma que possa continuar sendo poeta. A homogeneidade que essa sociedade propõe é totalmente fascista.
Você tem que montar sua vida ERRADO.
Quem aceita o discurso contínuo e homogêneo do trabalho massificado, difícil produzir o anti-discurso descontínuo e insurrecional da poesia. Só mesmo dando uma de Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
Quanto a mim, larguei a faculdade já nos anos 60. De lá pra cá sou um bóia-fria do texto.
Publicidade, jornalismo, roteiro de quadrinhos, palestras, levo uma vida profissional muito rarefeita.

Toda poesia que é poesia mesmo é experimental. Poesia de invenção. Todo poeta tem estes momentos. Você os encontra em Bandeira. Em Drummond. Nos músicos poetas (Gil, Caetano, Chico).
São eles, esses momentos, que valem.
O resto é moldura. O recheio de prosa sem o que não se vive.
No Brasil o termo “experimental” ficou ligado àqueles poetas que desenvolveram, de alguma forma, os pressupostos do Construtivismo concreto dos anos 50-60: materialidade do texto, função poética de Jackobson, espacialização, obra aberta, manipulação do vocábulo, novas sintaxes, intersemioticidade. Esses são os temas formais da poesia brasileira mais viva, presentes nos momentos mais vivos de qualquer poesia brasileira que se pretenda, pelo menos, moderna ou atual.
Já os poetas das mais novas gerações são às vezes “naturalmente” experimentais. Experimental é a atitude que contesta e questiona as formas do passado, a poesia desautomatizada, a que pratica a subversão de nos despertar da hipnose das formas tradicionais que a burguesia mima, promove em suas universidades, premia em seus concursos, porque FORMAS TRADICIONAIS VENDEM. A ordem literária exprime a mesma ordem que reprime e explora o operário. E os versinhos que se dizem a favor dos operários vendem que nem pão: um fenômeno mercantil, como qualquer outro. A favor do operário porque radicalmente contra a ordem que o oprime é a poesia problemática, a experimental, a que traz o futuro dentro de si, dentro de sua abertura para a consciência e a participação do outro. É a que aposta no desconhecido.
O poemão e a versalhada trazem na pele a marca de suas origens burguesas. E até latifundiárias... Com temas populistas, são caridade cristã. Alívio da consciência pesada do intelectual da classe média.
Não há dúvida: quanto mais poético, mais político.
E o experimental é a poesia mais anti-prosa.
Experimental é o risco.
Não concebo poesia sem risco.
O maior inimigo da poesia é a literatura.
Inimigo pior só mesmo o próprio capitalismo que, esse sim, é brochante em matéria de poesia.
A literatura é a legalidade poética.
Ora, a poesia - se tem um sentido - é ser uma atividade ilegal, marginal, criminosa, em termos de linguagem.
Então, viva a poesia! Abaixo a literatura!
A poesia se manifesta em experiências falhas. Discutíveis. Inclassificáveis. O discurso automatizado que se pratica por aí, com o nome pomposo de P-p-poesia, só é bom para as editoras e as academias, o aparato repressivo do exercício do texto. A legibilidade da “poesia participante” é simétrica aos interesses do mercado. É uma exigência do mercado, comunicar é seu álibi.
Poesia é lógica e linguagem insurretas.
Poesia é extremismo.
Poesia média é prosa. Empilhada em versinhos. Ou acondicionada em estrofes. O sistema insiste em dizer que sabe o que é poesia.
Mentira.
Pergunte aos poetas.
Ninguém sabe o que é poesia.
Anda bem.
Quer dizer: a inimiga é a literatura.
A literatura é a classe dominante dos signos.
Quer dizer: poesia sem literatura é carne sem gordura.

PATAVINinha’s



PROBLEMAS LUNARES

Um astronauta
mandou pra São Jorge
uma rede de presente.
O santo foi-se deitar
todo contente.
Mas ficou atrapalhado
olhando pra todo lado:
_ Onde penduro a rede
se aqui na lua
não tem parede?


(Ilustração de Wilmar Rodrigues.)
Foto de Walter Firmo.

Meu e mail: cesarcar@uninet.com.br

©Cesar Cardoso, 2010. Todos os direitos e esquerdos reservados. Que os 20 mil chatos de 10 mil piolhos infectados de 18 mil camelos cancerosos infestem as partes pudendas de quem publicar algum texto daqui sem avisar nem dar meu crédito.

sexta-feira, 5 de março de 2010

CAIU NA REDE É PIXEL




I R R E A L

IMPRESSÕES DIGITAIS


O crítico José Castello escreveu sobre o livro
Dedo de Moça,
a antologia das Escritoras Suicidas,
em sua coluna de sábado, 13/2/10,
no caderno Prosa e Verso, do Globo.

(Para ler, clique sobre a coluna.)

CHIPS – o prazer da batata & o poder do circuito –



Romina Conti e Dominique Lotte. Duas das escritoras suicidas. Romina era o poeta Rodrigo de Souza Leão, que morreu ano passado de ataque cardíaco, aos 44 anos. E Dominique era o escritor Iossif Landau, falecido também em 2009, aos 85 anos. Aqui alguns de seus textos na antologia Dedo de Moça. Obrigado, Dominique e Romina. Obrigado, Iossif e Rodrigo.

DOMINIQUE LOTTE

delicadezas

teclado

O colchão acomodou o corpo dele. Suado, quente, inquieto.

-Onde esteve? – balbuciou ela.

- O tempo todo a seu lado – respondeu ele, irônico.

Pegou na mão dela e puxou-a, enquanto acariciava seus longos cabelos louros. Ela sentiu seu coração pulsar mais forte. Arrepiou-se. Ele murmurou algo em seu ouvido. O hálito úmido envolveu-lhe o pescoço e caminhou em gotas sobre seus seios mornos. A voz dele, agora macia e lírica, tocou-a como uma asa de libélula. Imagens surgiram em sua mente. Escada, árvore, telhado, estrela.

*
O rádio relógio, agressivo e insensível, acordou-o. Levantou-se da cama vazia e ligou o computador. Ansioso.

O sangue jorrou do seu pescoço, a cabeça tombou sobre o teclado – gu6y7khjf.

Ela escureceu a tela. Deitou-se na cama. Adormeceu.

bactérias

- Não deve alimentá-lo com isso – falou a médica, tentando livrar-se do fedor de vômito e suor que impregnava o barraco.

- Mas é o que ele gosta. E melhora.

- Por pouco tempo. É o que o adoece.

A mãe cerrou os lábios, cruzou os braços, teimosa.

- Quantas vezes já lhe disse que deve ferver a água? Tá cheia de bactérias.

- Não tenho dinheiro pra comprar botijão de gás.

A médica deu de ombros.

O baque surdo do seu corpo caído da encosta do morro abafou o choro da criança.


o presente

A campainha tocou, ele abriu a porta, ela entrou.

- Que calor! Desculpem-me...

- De novo atrasada – falei.

Os olhos dela, negros, sorriram. Os olhos dele, verdes, agitaram-se.

- Não fique zangada, trouxe um presente.

Entregou-me um embrulho. Abri.

- Obrigada.

Atirei duas vezes nele. Mais quatro, depois que ele caiu.

Lúcia me beijou. Na boca.


ROMINA CONTI

dias de guerra

Todas as cinco televisões da casa ligadas. Cada um no seu quarto. Papai na sala. Mamãe na suíte. Todo mundo vendo o canal 4.

Portas fechadas. Todos fechados em seus quartos.

Alguma mulher morta na tevê. Mal dá seis horas. Não é noite em lugar nenhum do Brasil. Ouço um boa-noite. Detesto ouvir boa-noite porque as noites nunca são boas. É a hora em que começam a dar boa-noite. Nesta mesma hora, mando um e-mail pra mim. Assim recebo meu e-mail diário, contando-me as minhas novidades. Há muito tempo que não tenho novidades. Mas invento.

Outro dia danei-me a contar quantas motos passavam lá embaixo, na rua. A rua é um lugar calorento feio cheio de gente com mendigos por todo lado pedindo cada centavo que não temos e muito mais coisa ruim do que coisa boa. A rua não é a lua. Se fosse a lua ia ser um lugar interessante para ficar. Um lugar vazio. Com coisas a fazer. Aqui tudo já está feito e de vez em quando alguém inventa uma nova obra, só para dizer que está fazendo alguma coisa. Perto daqui estão abrindo um buraco para o metrô passar. Para todas aquelas pessoas tristes aborrecidas chatas pentelhas descaradas caras de pau que estão sempre comendo alguma coisa, fodendo no horário de almoço e escondendo do marido que estão fodendo com outro. Nunca escondi de ninguém que gosto de devassidão. Tudo para não ter um marido. Ninguém na cola. Às vezes eu penso que daria uma boa prostituta, porque gosto da coisa. Adoro foder. Gosto de me foder sozinha também. O acompanhante nem sempre me dá o mesmo prazer que meu vibrador dá.

Às vezes fico pensando nas pessoas realmente solitárias. Naquelas que não têm ninguém. Não sei se são piores ou melhores. Acho que aprenderam a conviver tanto consigo mesmas, que não aguentariam olhar para um latrina e ver ali a merda ou o restinho de merda que o parceiro deixou, depois de dar uma cagada. Pra se viver em grupo tem que se acostumar com a merda alheia, fazer um bolo de merda, se for possível, e recomê-la e regurgitá-la.

O que eu mais gosto na solidão do meu quarto é que só tenho seres inanimados por perto. Nada de gente. Gente dá trabalho. Gente é chata pra cacete. Posso gostar de uma piroca, mas sei viver bem seu uma. Sei que estou ficando velha. Logo logo completo cinquenta anos, aí os parentes vão morrendo e se a gente tiver azar a gente vai ficando, hipoglós fralda geriátrica internação e soro. Como enfrentar isso sozinha? Por isso, talvez, tenha que encontrar logo uma pica que me dê um lugar melhor na minha velhice. Mas as picas morrem primeiro que as buças. Por isso sou só e sou feliz e gosto de fazer bolo de chocolate todo dia ímpar.

Dia desses um cara bateu na porta com flores pra mim. Ué, não saio com ninguém faz anos e não tenho um amor, nem tenho sequer uma pica fixa. Mandei devolver as flores ao florista. Disse que veio errado. Não olhei o cartão. Não quis saber. Se não fosse ninguém interessante, ia ficar decepcionada triste solitária angustiada e ia me arruinar cada vez mais e mais e pra sempre, até o fim daquele minuto em que vi o Dumbo. Era um amigo de infância. Não precisa explicar o apelido. Ela havia voltado da guerra. Fazia dez anos que eu não o via e ele veio pro meu lado me querendo e perguntando se havia recebido as flores que ele havia mandado no dia seguinte à sua chegada. Perguntei como foi a guerra, se matou muita gente, como eram os corpos dos mutilados e ele chorou e chorou. Eu fiquei com pena dele e dei pra ele minha superficialidade que era o meu sexo. Coitado, o cara estava tão travado que demorou um tempo pra dar no couro. Ele me comeu e eu resolvi, por aquele segundinho, o problema dele. Criei um grilo dentro de mim. O grilo foi crescendo e crescendo e estava de um tamanho insuportável no meu peito que tive que dizer. Não tenho lugar para ninguém na minha vida. Ele chorou e chorou lágrimas de sangue. Dei mais uma vez pra ele. Resolvi o seu problema imediato. Criei um problema para mim. Todo dia ele vem chorar no meu colo. Agora sim, minha solidão está completa.

AVISO AOS NAUFRAGANTES

DESTINO: POESIA... NOS ANOS 70

Crítico literário, professor universitário e também poeta, Ítalo Moriconi acaba de organizar DESTINO: POESIA, onde reuniu cinco dos grandes nomes da poesia da década de 70: Cacaso, Ana Cristina Cesar, Waly Salomão, Paulo Leminski e Torquato Neto. A poesia dos cinco traça um retrato daqueles “tempos de alquimia”, como disse Cacaso. Tempos de desbunde & política & repressão, em plena ditadura militar. Pra quem já conhece a obra dos cinco, é muito bom reler alguns de seus grandes poemas (e até sentir falta de um ou outro, já que antologias pressupõem sempre seleção e seleção pressupõe cortes, e ir em busca deles em outros livros). Pra quem não conhece, o livro é uma ótima porta de entrada não apenas para a “geração marginal” mas para cinco grandes nomes da poesia brasileira.

Pra dar um gostinho, selecionamos um poema de cada um deles. Lá vai.

CACASO

GRUPO ESCOLAR

Sonhei com um general de ombros largos
que rangia
e que no sonho me apontava a poesia
enquanto um pássaro pensava suas penas
e já sem resistência resistia.
O general acordou e eu que sonhava
face a face deslizei à dura via
vi seus olhos que tremiam, ombros largos,
vi seu queixo modelado a esquadria
vi que o tempo galopando evaporava
(deu pra ver qual a sua dinastia)
mas em tempo fixei no firmamento
esta imagem que rebenta em ponta fria:
poesia, esta química perversa,
este arco que desvela e me repõe
nestes tempos de alquimia।


ANA CRISTINA CESAR

I

Enquanto leio meus seios estão a descoberto. É difícil con-
centrar-me ao ver seus bicos. Então rabisco as folhas deste
álbum. Poética quebrada pelo meio.

II

Enquanto leio meus textos se fazem descobertos. É difícil
escondê-los no meio dessas letras. Então me nutro das tetas dos
poetas pensados no meu seio.


PAULO LEMINSKI

AVISO AOS NÁUFRAGOS

Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho
muito depois de caída।

Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda।

Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?


WALY SALOMÃO

OLHO DE LINCE

quem fala que sou esquisito hermético
é porque não dou sopa estou sempre elétrico
nada que se aproxima nada me é estranho
fulano sicrano beltrano
seja pedra seja planta seja bicho seja humano
quando quero saber o que ocorre à minha volta
ligo a tomada abro a janela escancaro a porta
experimento invento tudo nunca jamais me iludo
quero crer no que vem por aí beco escuro
me iludo passado presente futuro
urro arre i urro
viro balanço reviro na palma da mão o dado
futuro presente passado
tudo sentir total é chave de ouro do meu jogo
é fósforo que acende o fogo de minha mais alta razão
e na sequência de diferentes naipes
quem fala de mim tem paixão


TORQUATO NETO

COGITO

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim

AUTOPEÇAS LITERÁRIAS CARDOSÃO

a oficina de literatura do cesar cardoso
aqui você é atendido pela mecânica do texto


Em 1987 publiquei um livro de poesia – A Nossa Moranguíssima Paixão. Nele está incluído o poema Ladies First. Bem mais tarde, comecei a escrever um livro de contos, que agora está pronto e que pretendo lançar em breve. Chama-se As Primeiras Pessoas, pois nele todos os contos são narrados na primeira pessoa. E nele está o conto Ladies First, que escrevi baseado no poema. É como se fosse um desdobramento, uma continuação dele. Vejam aí os dois textos parentes. São irmãos? Pai e filho? Qual o parentesco entre eles?

LADIES FIRST

eu queria ser um casal de velhinhos ingleses
e só existiriam tardes
e parentes distantes e pontuais
que nunca apareceriam sempre na hora certa
não haveria nada de imperioso no império
eu socava as tragédias no cachimbo
tudo virava fumaça
e me olhava bordando na cadeira de balanço
a argentina ficaria bem longe
eu só escutaria os risos da minha neta hippie
acampados em algum lugar de propriedade
e balançaria a cabeça rindo de mãos dadas comigo
o olhar do meu dálmata à beira da lareira
aqueceria minhas almas
os casais de velhinhos ingleses, sim, têm alma
e uma reserva de quartos separados no céu
a morte ficaria lá fora no portão
mandaria um convite registrado pelo correio
e eu me ajudaria a subir na carruagem pronta
com um gesto largo de braços:
ladies first

LADIES FIRST!

Eu queria ser um casal de velhinhos ingleses. E só existiriam tardes e parentes distantes e pontuais, que nunca apareceriam sempre na hora certa. Mas por mais que tente não consigo descobrir quem sou. Faço o que posso, o que me requer bastante esforço e tem uma importância relativa na minha vida. Por que não consigo fazer o que não posso? Por que coube logo a mim desempenhar o meu papel? Deve haver uma explicação em algum lugar, em alguma ciência, em alguma ressonância magnética dessas, tão modernas. Eu podia ser outra pessoa, uma Fernanda Pessoa, por exemplo, ou Giselle, a espiã nua que abalou Paris, ou aquele mágico lá dos Estados Unidos que se deixava amarrar todo, era trancado dentro de um barril e jogado do alto da mais bela catarata. Durante a queda ele se desamarrava e saía do barril. E eu, o que faço durante a queda? Eu não, eu levo a vida cantando, ai-lili-ai-lili-ailou. Cante comigo, o tom é menor, subiu para 23 o número de mortos no desastre, a economia mundial vai entrar em recessão, o aquecimento do planeta vai desestabilizar as civilizações e eu não posso ir ao curso de inglês com essa chuva. Mas hei de aprender inglês mesmo sendo... o quê? Quero aprender tanta coisa. Os evangelizadores da Companhia de Jesus faziam suas pregações ardentes no planalto de Piratininga. Você sabia que Deus ao criar o homem colocou terminação nervosa no cu? E onde tem terminação nervosa tem dor e prazer. Por isso atrás de uma terminação nervosa vêm dezenas de religiões e centenas de exércitos. E eu? Eu necessito de instruções para navegação. Navegar é impreciso, eu não sei o que é preciso nem o que vem a ser liderança adaptativa e suas implicações ou quais são as tendências para a maquiagem outono-inverno – cores quentes ou que lembrem a nuance da pele? Tons de coral ou de rosa queimado?

Eu queria mesmo era ser um casal de velhinhos ingleses. Não haveria nada de imperioso no império, eu socava as tragédias no cachimbo, tudo virava fumaça e eu me olhava bordando na cadeira de balanço. Mas eu não vi os sinais. No vermelho piscante gire com cuidado. No vermelho piscante gire com cuidado. No vermelho piscante. Onde está o trio elétrico e todo mundo que não morreu atrás dele? Onde foi parar o estado de bagunça transcendente? O piano que mamãe tocava no caos? Por que não acatamos o ato do abacateiro? O que queriam dizer os olhares de mamãe, as porradas de papai? Eu dizia coisas como “essa noite eu sonhei que eu era o seu caderninho e que podia ficar juntinho de você.” Não adiantava. Também tentei estudar, me aprofundar. O que fazer durante o sexo. A arte de calar em público. Não funcionou. O que me sobrou? Organização. Por exemplo: expressão que antecede a menção de um ou mais casos individuais e ilustrativos de uma idéia ou conceito, formada pela preposição por e pelo substantivo exemplo e que ainda pode ser abreviada: p. ex. Ótimo, ótimo. Exemplos (e aqui já temos a desinência s, indicativa de plural) são excelentes maneiras de ensinar a vida. E a vida deve ser ensinada. Refiro-me aqui à vida humana, uma das muitas formas de vida, como a vida bêntica, a vida latente, a vida pelágica ou até a não-comprovada vida extraterrestre. Mas não quero saber da vida de dicionário, quero me ocupar da nossa vida, terrestre e humana. Como ela começou? Não sabemos. Como estará no ano de, suponhamos, 2180? Não fazemos a menor idéia. E, no entanto, fazer idéia é a principal ocupação humana. Há chimpanzés que pintam? Há cavalos que contam? Há baleias que obedecem? Sim, sim e sim, mas nenhum deles me diz que não gostou do quadro, que odeia números pares e que vai passar a tarde arrumando os álbuns com todas as fotos de seus saltos para mostrar aos netos. Por quê? Por quê? Eu preciso de uma dose extra de dalmadorm.

Não. Eu queria ser um casal de velhinhos ingleses. A França, a Alemanha, os povos da África, os hindus e os muçulmamos estariam todos bem longe, eu só escutaria os risos de minha neta hippie acampados em algum lugar da propriedade e balançaria a cabeça rindo de mãos dadas comigo. Mas estou aqui dentro sonhando a rua. A câmera numa tomada aérea, helicópteros cruzando o céu e despejando bombas ao som da marcha nupcial, as crianças interrompem seu jogo de bola para que a kombi do ferro-velho passe lentamente, quase se desconjuntando com o caolho ao microfone, compro minas, compro AR-quinzes, compro... e ninguém o escuta no meio da algazarra. Apenas uma pessoa atravessa em passos lentos a multidão e se aproxima do que restou do pequeno cemitério. Ele entra, dobra à esquerda e logo se ajoelha. É Deus. Ajoelhado, deposita um terço sobre um túmulo. De quem será? Ele murmura algo incompreensível. A dentadura frouxa por causa da boca torta, a boca torta devido ao derrame, as costas com uma dor constante do abaixar para as guimbas, os dedos amarelados pelas guimbas, o peito atravessado pela alça da bolsa, o zíper quebrado, os retratos amassados dentro da bolsa ou às vezes na memória - ah, a humanidade! -, as pernas cheias de bandagens, o cachorro por entre as pernas, ele também sonha. Com o que sonha o cachorro de Deus? Eu não sei, preciso me levantar e lavar o rosto.

Eu não queria ser Deus, queria apenas ser um casal de velhinhos ingleses. O olhar de meu dálmata à beira da lareira aqueceria minhas almas. Os casais de velhinhos ingleses, sim, têm alma e uma reserva de quartos separados no céu. Mas fico aqui nesse inferno. O inferno são os outros que trago dentro de mim e as maiores saudades que sinto são de coisas que não aconteceram, como a primeira paixão e nossa vida, no teu seio, mais amores. Amor é sal de fruta, sabe? No começo ferve, borbulha, cosquinha gostosa no nariz. Depois? Aquela água morna, amarga, só pra aliviar. E nem alivia. Fazer o quê? Abrir o gás e botar a dor pra dormir? Eu não faço nada, não evito, sigo sem saber. Ai-lili-ailou. Por que é que a água ferve quando se entorna sobre a cal viva? De que é feita a fumaça? Por que é que o trovão azeda o leite? Como pode um homem andar em cima de um arame? Por que é que algumas cores vistas à luz do gás nos parecem diferentes? Fazemos mal às flores quando as cortamos? Por que é que a água salgada do mar não provoca sede nos peixes? O que aconteceria se o mundo girasse ao contrário? Por que faz frio no inverno? Donde provém a pedra-pomes? A que altura acima do horizonte veríamos a terra se estivéssemos na lua? Aonde vai ter o pó? O cantar de cada ave é sempre o mesmo? Por que têm as folhas formas tão diferentes? Podem os corpos inflamar-se espontaneamente? Por que há num dia duas marés? As moscas podem ouvir? Por que morre a abelha quando perde o ferrão? Por que ouvimos melhor quando fechamos os olhos? De que são feitos os nossos olhos? Por que vêem os nossos olhos? Por que meus olhos não o vêem mais? Ele se foi, quem é ele, se foi pra onde? A praia de areia fina com a água gelada do rio, as carretas cheias de eucaliptos indo embora e me contando que o mundo, garupas, montanhas, granizo nas ruas, os cachorros vivendo como gato e rato, as vontades de chorar, os medos namorando na porta fechada do quarto, as primeiras comunhões esquecendo rezas, minha teresa revelando o que havia embaixo de sua saia, porquinhos da índia assados, rodinhas sem bicicletas, jogos de botões e eu entrei no ônibus, sentei na janela aberta, ouvi o motor sendo ligado, fechei os olhos e vi tudo aquilo se transformar em nunca mais enquanto lá longe o sol se punha no mar como um sal de frutas vermelho. Mas eu não conhecia o mar. E fugi quando ele estava ao alcance dos meus pés. Mesmo assim não desisto. Quando vou aprontar o meu passado e poder vivê-lo finalmente? Qualquer dia desses vai ser a gota dágua, aí é que eu quero ver, eu perco as estribeiras, não respondo por mim, viro a mesa e digo todas as verdades. Ali, cara a cara, no espelho. Enquanto esse dia não chega reservo os domingos para viver um pouco. Gosto de passear nas Lojas Americanas. São tantas ofertas, tantos produtos, embalagens, prateleiras... E é tudo pra mim, pra mim. Um dia ainda faço uma loucura e compro aquela manteigueira de inox. Como brilha a manteigueira de inox. Dá até pra ver o meu rosto nela. Ah, os casais de velhinhos ingleses! Sabia que se você subir no terraço do Edifício Martinelli, num dia de semana e, de lá, olhar para as pessoas que transitam apressadas no centro de São Paulo, elas se parecerão com minúsculas formigas? Sabia que se você descer e olhá-las bem de perto, também? Sabia que o Pato Donald não tem nenhum parentesco com os três patinhos que ele chama de sobrinhos? E que toda noite, ao colocá-los na cama, ele faz sexo oral em cada um dos três?

Eu queria ser um casal de velhinhos ingleses. A morte ficaria lá fora no portão, mandaria um convite registrado pelo correio e eu me ajudaria a subir na carruagem pronta com um gesto largo de braços: “ladies first!”

REVISTA GANDAIA

Na década de 70 proliferaram no país publicações de literatura editadas e veiculadas pelos próprios autores, o que ficou conhecido como o movimento da poesia marginal, ou poesia de mimeógrafo. No Rio, uma dessas publicações foi a revista Gandaia, feita por escritores que, em sua maioria, cursavam a faculdade de Letras da UFRJ, como o poeta Paco Cac, criador e editor da Gandaia. A revista sobreviveu por sete números – conta de mentiroso. No número seis publicou uma entrevista com o poeta Paulo Leminski, que passamos a reproduzir aqui, em duas partes. Lá vai a primeira, com a metralhadora giratória do poeta mandando bala a torto e a direito.

(PS: o logotipo da revista foi uma criação do humorista Reinaldo.)

CURITIBA URGENTE: A REDAÇÃO DA GANDAIA ACABA DE CAPTAR TELEPATICAMENTE 1 MENSAGEM DO POETA PAULO LEMINSKI. ATENÇÃO LEITORES: SINTONIZEM AS ANTENAS DA RAÇA E CONTINUEM OUVINDO A NOSSA PROGRAMAÇÃO.

A POESIA TEM QUE CAIR NA GANDAIA!

... Essa expectativa que a Gandaia fala existe. E produz a poesia previsível. A poesia que se pode prever. Boa é a poesia que não se pode nem profetizar. Tem dois tipos de poesia. A que contraria expectativas. E a que satisfaz uma demanda. Exemplo da primeira: poesia concreta. Exemplo da segunda: Thiago de Melo, Ferreira Gullar, Carlos Nejar etc.

Quero deixar claro que desejo o mesmo tipo de sociedade que Thiago de Melo deseja. Pelo menos, na organização econômica. No terreno estético, porém, a esquerda brasileira, os artistas engajados e alinhados com a transformação da sociedade, são o fim da picada.

Jdanovistas, naturalistas (e não realistas, como pensam ser), sectários, populistas, correspondem àquilo que, na URSS, chamou-se de proletcult. Em contraposição ao grupo LEF, liderado por Maiakovsky, e que defendia a vanguarda como nova arte do proletariado triunfante. A Proletcult defendia uma literatura velha, só que com temas operários e populares. Essa literatura velha era o bom romance burguês do século passado, suas formas e técnicas. O poemão e a versalhada.

O problema com os proletcultistas brasileiros (nacional-populistas) é que eles não chegam ao povo, no duro. Como? O povo é analfabeto ou vê tv. Então eles fantasiam tudo na cabeça deles. A presença do povo, a atuação do escritor. Até a revolução. Mas é tudo imaginário. No duro, o que eles querem é vender livros, aparecer, trabalhar na rede Globo e – last but not the Franz Lizt! – GANHAR PODER. A arte que eles fazem fica dentro da intelectualidade pequeno-burguesa mesmo, em noites de autógrafos.

Versinhos participantes ingênuos são hoje a classe dominante da poesia brasileira. Com esse país que taí, realmente a raiva é tanta que tudo que a gente puder jogar contra esse sistema a gente joga: até sonetos! A merda é que esses versinhos participantes, como linguagem, já foram feitos, estão consagrados e fazem parte do Panteon burguês: é o Drummond da Rosa do Povo de 1940. Agradam, não agridem. Aquela poesia do Drummond só era nova para os padrões brasileiros Na realidade, no mundo inteiro, estavam fazendo aquele tipo de poesia: Neruda, Eluard, etc. Aliás até o nome do livro “Rosa do Povo” vem de fora. Bem antes, Eluard publicava um livro de poemas: “La Rose Publique”...

Essa poesia participante de hoje é a diluição intensiva da poesia anti-facista da época da Segunda Guerra e da Resistência. Quer dizer: os “revolucionários” estão com o relógio poético atrasado quase cinquenta anos!

Eu não acredito no revolucionarismo de contistas realistas. Os homens de letras engajados que se vê por aí são oportunistas. Eles jogam numa dupla: se a revolução ocorrer, eles estarão muito bem, nos empregos e nos compêndios. Se ela demorar, sempre tem uma vaga de roteirista na Tv Globo ou uma cadeira dando sopa na Academia Brasileira de Letras.

A revolução que esses caras querem é bem pequenininha. Eu quero uma grande. A grande. A total.

O Satori coletivo.

O homem de Guevara, além de todas as alienações.

Das literárias, inclusive.

A ditadura, que mima e patrocina a classe média, sua massa de apoio (remember marchas com Deus, pela Propriedade e pela Família), não tem maiores dificuldades em neutralizar os efeitos da crítica oriunda da intelectualidade radical da classe média.

Um regime de fato, que se garante com tanques e vasto aparato policial, não tem medo, evidentemente, de cartuns, teses universitárias, nanicas, como não tem medo de piadas sobre o general presidente.

A única coisa que pode com esse regime de fato são situações de fato: greves, sindicatos livres, organizações de base, confrontos. Toda mensagem é uma vice-ação (apenas). O sistema absorve fácil, fácil. Só práticas coletivas democráticas não vão poder ser absorvidas por um regime minoritário e entreguista.

Manifestações “culturais” ele absorve. Elas afinal são mercadorias: livros, revistas, teses, filmes, peças, canções. O capitalismo não tem medo do que se pode vender ou comprar. O mal da esquerda brasileira é que ela confunde o povo com os leitores da Editora Civilização Brasileira.

Nenhuma consideração sobre poesia hoje pode ser levada a sério se não levar em conta o simples fato de que nunca se fez nem se consumiu tanta poesia na história da humanidade, como hoje.

Me refiro sobretudo à poesia gravada, transmitida via música popular. Mas a poesia escrita vive junto com outros tipos de textos impressos literários e/ou para-literários, a maior crise de sua história.

Crise, aqui, não quer dizer agonia. Ninguém está moribundo. Em nossa época nada mais morre.

Tudo pode ser recuperado via moda. Revival. Nostalgia.

Nosso tempo é o tempo da recuperação da informação.

A multiplicação das técnicas de reprodução e o progresso das técnicas de registro tornam todas as épocas contemporâneas, no terreno intelectual, cultural e artístico.

A crise da poesia (sua “crise”) é o momento em que a poesia é atingida pelo impacto dos outros códigos (visuais, musicais, gestuais, etc). E seu campo de possibilidades se multiplica pelo número de códigos com os quais pode cruzar. A rua manda na página.

Os letreiros pulam no caminho dos transeuntes, que dançam com letras. Ao voltar para casa, o poeta traz a cabeça cheia de formas rueiras, seus ritmos, suas lógicas, seus tempos, seus espaços.

Natural, quem manda na página é a rua.

A rua com seus poderes múltiplos. A maré das ruas bate na porta das casas, cerca a página.

Na página, o passado se defende. A página é a casa.
A memória. O sentido. Os significados.

Na rua, nascem sempre os novos significados.

(CONTINUA...)

OUTDOR – poemas visuais –



ÁC ARP ÁL
ED RAHN
IMAC EDOP
ES MÉBMAT
ANIGÁP AN

BARATA VOA - vale tudo, menos porrada –



O PAI DOS BURROS
GUIA IMPRATICÁVEL DA LÍNGUA PORTUGUESA
CAPÍTULO 2.

Eia! Sus! Cáspite! Venho eu a estas plagas dar início à minha luta sem fronteiras em prol da língua mater. Debruço-me, primeiramente, sobre as letras A e B, baseando-me nos estudos que o renomado filólogo Sinval Sintagma realizou entre os índios do norte da Coréia do Sul. Sua grandiosa obra quedou incompleta, pois os índios devoraram o renomado filólogo.

Analfas e analfos, é chegada a hora da redenção!

A
ABJETO - Objeto horroroso.

ABOMINAÇÃO - Nação extremamente antipática. Terra natal dos chatos.

ABORDAR - Dirigir-se à mulher rendeira de que fala a canção popular.

ABREVIADO - Viadinho de pequeno porte.

ABRILHANTAR - Dar realce a, passando brilhantina em .

ABSURDO - Diz-se do surdo que escuta com perfeição.

ABSOLVIDO - Perdoado e diluído em água.

ACUMULAR - Ato de juntar mulas.

ADEQUAÇÃO - Cálculo matemático acochambrado.

ADVERSÁRIO - Data do nascimento do fanho.

AMBÍGUO - Umbigo existencialista.

ARMÁRIO - Últimas palavras da mulher do Màrio, que morreu afogada.

ARQUIVO - Ancestral do Ivo. O primeiro Ivo que viu a primeira uva.

AZOUGUE - Estabelezimento comerzial para a venda a jato de carnes.

B
BALELA - Falso balé.

BANALIZAR - Fazer análise em programas de tevê.

BARATO - Inseto alucinógeno.

BEBERRÃO - Recém-nascido que se encontra em estado de embriaguez e chora muito alto.

BERMUDA - Calça curta e caladinha.

BESTIALÓGICO - Bobagem extremamente coerente.

BOÇAL - Indivíduo que ouviu a bossa nova cantar, mas não sabe onde.

BRAMANISMO - Religião hindu que adora Brahma, sobretudo bem geladinha.

BRIGADEIRO - Docinho de alta patente.

BUCÓLICA - Diarréia campestre.

C
CAATINGA - Cheeiro ruuim.

CABANAGEM - Episódio da história do Brasil em que revoltosos reuniram-se numa cabana em Belém e promoveram a primeira suruba da nação.

CAIPIRA - Ato de cair de cabeça e enlouquecer.

CÁLCULO - Parte da aritmética que ataca os rins.

CAPITULAR - Dar razão à Capitu.

CATAPULTA - Instrulmento medielval ultilizado para arremelsar prostitultas à longa distância.

CELULITE - Gordura localizada na mulher do Lula.

CLAUDICAR - Ensinar os macetes pro Cláudio.

COLOMBINA - Natural da Colômbia, fantasiada.

COMPROMISSO - Diz-se daquele que é comprado para ficar omisso.

CREPÚSCULO - Pequeno livro para ser lido às seis da tarde.

CUSPIDO - Personagem da mitologia grega, que vivia babando pelas mulheres.


E NÃO PERCA,
NO TERCEIRO E ALANDELOSO CAPÍTULO DO PAI DOS BURROS,
TODA A VERDADE SOBRE AS LETRAS
D, E
E F!

SAMBLUES – de onde é que vem o baião?



Mulher combina com música? As duas trazem uma alegria que ninguém sabe de onde vem? Bom, pra comemorar a música, a mulher e o dia 8 de março, com vocês...

MULHERES CANTADAS

O que nos move é a solidão, nos levando a tantos encontros que não sejam o encontro final. E vamos, pedalando pautas, mastigando letras, descobrir as vaidades de Amélia, ela deve tê-las, escondidas na caixa de costura, sublimadas na unha roída, nós vamos, vamos amar Amélia de verdade e tanto até saber sua mentira e pranto. E se eu ficar só, minha Rosinha vem correndo me esperar. Seu nome? É Maria Rosa, seu sobrenome? Ou Narinha ou Betânia ou Dolores ou Renata ou Leilinha ou Dedé. Gente do sexo feminino, gente de som e sombra tão somente. Gente que não pegamos e que nos acende, um mistério, um mistério que tem Clarice e ninguém descobre, no máximo o peito percebe. E Madalena sabe disso. E Conceição lembra tão bem. E até Aurora lembra. Mas finge que não, nunca sincera. E eu que não aguento, eu morro e ainda levarei saudades dessa Aurora, que me despreza, sem sentimentos e ri, ela ri, Irene ri, comadre Sebastiana grita, a, é, i ó, u, na cartilha da Juju, em português, ou da Jou Jou, meu Balangandãs francês, nós dois. Mas como nós dois? Estou só, Jou Jou, sem depois. E o que me paralisa é a solidão.

Mas o que nos tira da angústia e nos leva pro sonho? O sonho onde você não foi pra assistência, Iracema, você nem travessou contramão, meu amor. Mas acabou ficando só. Januária na janela me conquistou. E eu me dei por vencido? Nunca! Preferi boiar nas lágrimas dos olhos fundos de Carolina. Mas Carolina não viu e me chorou pra longe, pro Irajá, onde procurei Kátia Flávia, ou lá pra Martinica, onde descasquei Chiquita Bacana, e a Rita levou meu sorriso e com ele todas as minhas palavras de amor. Restei mudo e só. Emília! Emília! Emília! Eu não posso, você é a minha interjeição, meu único grito, minha tábua de salvação ou de mandamentos. Não cobiçai a canção do próximo! Mas como não cair em tentação diante de Rosa morena, de Dora rainha, de Jandira da Gandaia ou Joana de Tal, por causa de um tal João. A gente sofre, a gente chora, a gente some, mas diz lá pra Dina que eu volto, diz pra Etelvina que acertei no milhar, diz pra Clara Crocodilo que fui ver Cristina... não! Nada de recados, dizer não resolve. Doralice, eu bem que te disse! E ela se foi com o primeiro João Gilberto que apareceu. Pois que se dane, eu nem ligo! Eu? Eu adoro a Julieta, eu disse a Izaura que não podia ficar, esqueci os domingos e as frutas na feira de Lindonéia, encontrei Eduardo e nem perguntei por Mônica e também esqueci de Teresa da praia e de tantas outras Teresas negas e Terezinhas e Luizas e Ligias e Mauras e Drãos e até Genis. Fui e pronto! Fiz o que quis!

Sim, mas o que nos acorda no meio da noite? Ah, pra que eu fui dizer aquilo? Ah, por que eu não voltei? Se a saudade mata a gente, o remorso nos deixa vivo e nos corrói lentamente. Ah, Dindi, se soubesses... Maura, vem matar o meu prazer, que é viver embriagado... Hoje, quem é Gabriela? Cadê Iaiá do Cais Dourado? Onde morena Marina? O que é feito de Odete, que ouvia o meu lamento? Não provo mais a moqueca de Idalina, não danço uma xiba com tia Eulália, não provo o feijão da Vicentina, não vejo o sapateado de Dona Maria Luiza. Se não fosse dona Augusta e a dona Carola... nem sei o que seria, nem sei o que eu seria. E nem descobria que, Maria, teu nome principia. Tua pessoa, Maria, são tantas Marias, ninguéns, todas mulheres de Atenas, e todas brasileiras apenas, a duras penas. Mulheres cuja carne é verbo e o sangue, canção. Mulheres que não existem, fazendo e sonhando as mulheres que existirão.

PLEASE MISTER POSTMAN


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©Cesar Cardoso, 2010. Todos os direitos e esquerdos reservados. Que os piolhos infectados de 18 mil camelos infestem as partes pudendas de quem publicar algum texto daqui sem avisar nem dar meu crédito.