sexta-feira, 4 de novembro de 2011

CHIPS – o prazer da batata & o poder do circuito

Quem não se lembra de Emília e de Amélia? Quem? Quem já não cantou uma delas? Ou até as duas numa noite mais animada, numa madrugada de samba e cerveja, lugares tão comuns?

POSSO MAIS

Não tinha mesmo. Ah, mas quanto custava a Amélia aquele exercício diário. Emília, não. Era vaidosa. Mas entre o fogão e o tanque não há vaidade que não se afogue, verdade que não se queime.
As duas costumavam andar no mercado, fazendo as compras e além das compras. Amélia. Emília. Amélia, Emília. Muito prazer. E passaram a se encontrar entre o sabão, o café, o óleo. Com o tempo, trocavam umas tantas receitas, umas poucas queixas, um ou outro desejo.
Mas houve o dia de apenas um desejo. Que Amélia nem sabia, pensava ser só aflição, sem perceber que das aflições nascem tantos desejos. O caso é que faria dez anos de casada. Ocasião especial? Quem sabe. Mas uma ocasião, isso era, com certeza. Emília animava a outra, tinha que se enfeitar. Mas Amélia tinha tantas verdades guardadas que não sobrara espaço aos enfeites. Por sorte, Emília sabia lavar, cozinhar e se enfeitar também. Levou a amiga até sua casa e emprestou-lhe um vestido vermelho com um decote que deixou Amélia vermelha só de ver. E colar, salto alto, perfume.
Que noite! De manhã Amélia ainda estava acordada, sentada na mesa da sala. Sozinha. O marido não lembrara da data e passara a noite fora. Quando ouviu bater as oito, tirou a festa do corpo e foi devolver a Emília. Que não se conformou. Começou consolando a amiga mas a raiva foi subindo e um pouco depois estava esculhambando o marido da amiga, o seu e os homens. Amélia tentava acalmá-la. Tinha medo da raiva. Talvez pressentisse que da raiva também nascem desejos. Sem saber o que fazer, desandou a chorar. Emília parou, olhou a amiga que era só fome ao seu lado. O que se há de fazer? Abraçou Amélia. Deu-lhe o ombro. Quando o choro secou, levou Amélia até seu quarto, deitou-a e deitou-se a seu lado e encontrou a menor vaidade da amiga, que apenas lhe disse: Emília, Emília, Emília, não posso mais.

Cesar Cardoso

(Músicas Emília, de Wilson Batista e Haroldo Lobo, e Ai, que Saudades da Amélia, de Ataulfo Alves e Mario Lago.)

AUTOPEÇAS LITERÁRIAS CARDOSÃO

     A Oficina de Literatura do Cesar Cardoso

Aproveitando o encontro cultural Brasil-Itália que os dois países vêm promovendo, as Autopeças Literárias Cardosão promovem o esbarrão literário do ano: Italo Calvino e Ferreira Gullar. Ambos sonhando cidades imaginárias. A feminina Eufêmia, de Calvino. E a geografia mítica de Ailum, criada por Gullar. Serão mesmo imaginárias? Ou os sonhos deles serão mais reais do que as cidades onde vivemos, que se imaginam urbes mas são somente amontoados? Bem, discussões à parte, aproveitem os sonhos desses dois, que sonham com palavras.

AS CIDADES E AS TROCAS

A oitenta milhas de distância contra o vento noroeste, atinge-se a cidade de Eufêmia, onde os mercadores de sete nações convergem em todos os solstícios e equinócios. O barco que ali atraca com uma carga de gengibre e algodão zarpará com a estiva cheia de pistaches e sementes de papoula, e a caravana que acabou de descarregar sacas de noz-moscada e uvas-passas agora enfeixa as albardas para o retorno com rolos de musselina dourada. Mas o que leva a subir os rios e atravessar os desertos para vir até aqui não é apenas o comércio das mesmas mercadorias que se encontram em todos os bazares dentro e fora do império do Grande Khan, espalhadas pelo chão nas mesmas esteiras amarelas, à sombra dos mesmos mosquiteiros, oferecidas com os mesmos descontos enganosos. Não é apenas para comprar e vender que se vem a Eufêmia, mas também porque à noite, ao redor das fogueiras em torno do mercado, sentados em sacos ou em barris ou deitados em montes de tapetes, para cada palavra que se diz – como “lobo”, “irmã”, “tesouro escondido”, “batalha”, “sarna”, “amantes”, - os outros contam uma história de lobos, de irmãs, de tesouros, de sarna, de amantes, de batalhas. E sabem que na longa viagem de retorno, quando, para permanecerem acordados bambaleando no camelo ou no junco, puserem-se a pensar nas próprias recordações, o lobo terá se transformado num outro lobo, a irmã numa irmã diferente, a batalha em outras batalhas, ao retornar de Eufêmia, a cidade em que se troca de memória em todos os solstícios e equinócios.

(Em As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino, pg. 38. Tradução Diogo Mainardi, Companhia das Letras.)

AILUM

Uma gravura do século XVII – não se sabe se cópia do natural ou trabalho de imaginação – é o único ponto de referência material de que dispõe o historiador acerca da cidade de Ailum.
A gravura mostra Ailum como uma construção arquitetônica irregular, assentada sobre uma ilha montanhosa, que ficaria a meia distância da África e da América do Sul. A parte baixa da ilha é tomada por uma amurada de pedra, que constituía certamente o cais do porto, a oeste da ilha. Partindo dessa direção, temos a escadaria que leva a uma espécie de fortaleza, de muros negros e altos, dominados por uma torre com ameias e seteiras. À esquerda da fortaleza, derrama-se o casario miúdo, erguido na encosta escarpada, entre manchas de vegetação. Mais atrás, à direita, sobre os telhados que se sucedem em níveis diversos, alteiam-se os dois campanários da catedral, outrora um convento.
Era no quintal dessa igreja que havia um poço, de águas profundas e claras. Tão claras que dava para ver, lá embaixo, a cabeça colorida de uma serpente, tomando toda a circunferência do poço. “A serpente dorme”, escreveu Huns Dott,* “e seu corpo se estende sinuosamente imóvel por debaixo da terra, em toda a extensão da ilha. O povo acredita que, se um dia a serpente acordar e se mover, Ailum, esfacelada, desaparecerá no oceano.”
 
* Viajante eleutense, que teria visitado a ilha no século XV. Cf. Manuscritos de Zambarbina, José Fuentes Cargol, Macondo, 1701. Apud. Pueblos y Ciudades, Muriel Farcía Xarques.

(Em “Cidades Inventadas”, de Ferreira Gullar, pg. 53, José Olympio Editora.)

RINHA DE GALINHA

por Don King - nosso correspondente na
Academia Brasileira de Letras e Artes Marciais
Waall, mais um estupefaciente duelo de Titãs! Neste córner, com 60 quilos de pura epifania literária, Clarice Lispector, a Demolidora da Ucrânia, com sua técnica de paixão segundo G.H. No outro corner, Franz Kafka, o Pesadelo de Praga, com seus jabs que mostram o trágico, o grotesco e o cruel da condição humana. Quando eles se enfrentam até as baratas tremem. E o pau come na casa de Noca. Holly shit!

I

Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo do qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação ao resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.
- O que aconteceu comigo? – pensou.
Não era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um pouco pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem conhecidas. Sobre a mesa, na qual se espalhava, desempacotado, um mostruário de tecidos, - Samsa era caixeiro-viajante -, pendia a imagem que ele havia recortado fazia pouco tempo de uma revista ilustrada e colocado numa bela moldura dourada. Representava uma dama de chapéu de pele e boá de pele que, sentada em posição ereta, erguia ao encontro do espectador um pesado regalo também de pele, no qual desaparecia todo o seu antebraço.
O olhar de Gregor dirigiu-se então para a janela e o tempo turvo – ouviam-se gotas de chuva batendo no zinco do parapeito – deixou-o inteiramente melancólico.
- Que tal se eu continuasse dormindo mais um pouco e esquecesse todas essas tolices? – pensou, mas isso era completamente irrealizável, pois estava habituado a dormir do lado direito e no seu estado atual não conseguia se colocar nessa posição. Qualquer que fosse a força com que se jogava para o lado direito, balançava sempre de volta à postura de costas. Tentou isso umas cem vezes, fechando os olhos para não ter que enxergar as pernas desordenadamente agitadas, e só desistiu quando começou a sentir do lado uma dor ainda nunca experimentada, leve e surda.
- Ah, meu Deus! – pensou. – Que profissão cansativa eu escolhi. [...]

(Em “A Metamorfose”, de Franz Kafka, pg. 7, tradução de Modesto Carone, Companhia das Letras.)

Então, antes de entender, meu coração embranqueceu como cabelos embranquecem.
De encontro ao rosto que eu pusera dentro da abertura, bem próximo de meus olhos, na meia escuridão, movera-se a barata grossa. Meu grito foi tão abafado que só pelo silêncio contrastante percebi que não havia gritado. O grito ficara me batendo dentro do peito.
Nada, não era nada – procurei imediatamente me apaziguar diante de meu susto. É que eu não esperara que, numa casa minuciosamente desinfetada contra o meu nojo por baratas, eu não esperava que o quarto tivesse escapado. Não, não era nada. Era uma barata que lentamente se movia em direção à fresta.
Pela lentidão e grossura, era uma barata muito velha. No meu arcaico horror por baratas, eu aprendera a adivinhar, mesmo à distância, suas idades e perigos; mesmo sem nunca ter realmente encarado uma barata eu conhecia os seus processos de existência.
Só que ter descoberto súbita vida na nudez do quarto me assustara como se eu descobrisse que o quarto morto era na verdade potente. Tudo ali havia secado – mas restara uma barata. Uma barata tão velha que era imemorial. O que sempre me repugnara em baratas é que elas eram obsoletas e no entanto atuais. Saber que elas já estavam na Terra, e iguais a hoje, antes mesmo que tivessem aparecido os primeiros dinossauros, saber que o primeiro homem surgido já as havia encontrado proliferadas e se arrastando vivas, saber que elas haviam testemunhado a formação das grandes jazidas de petróleo e carvão do mundo, e lá estavam durante o grande avanço e depois durante o grande recuo das geleiras – a resistência pacífica. Eu sabia que baratas resistiam a mais de um mês sem alimento ou água. E que até de madeira faziam substância nutritiva aproveitável. E que, mesmo depois de pisadas, descomprimiam-se lentamente e continuavam a andar. Mesmo congeladas, ao degelarem, prosseguiam na marcha... Há trezentos e cinquenta milhões de anos elas se repetiam sem se transformarem. Quando o mundo era quase nu elas já o cobriam vagarosas.
Como ali, no quarto nu e esturricado, a gota virulenta: numa limpa proveta de ensaio uma gota de matéria.

(Em “A Paixão Segundo G.H.”, de Clarice Lispector, pg. 47. Editora Rocco.)

“NÚNCARAS” – po+es+ia

Affonso Ávila sempre nos premiou. Com o artesanato fino da sua poesia. De vez em quando alguém lembra de retribuir e dar a ele um prêmio. Foi o que fez a Secretaria de Cultura de Minas Gerais, atribuindo a Affonso o prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura pelo conjunto de sua obra.
Mineiro dos melhores, aqueles que nascem em Minas e depois vão deixando Minas nascer dentro deles, Affonso começou a publicar em 1953, se ligou ao grupo da Poesia Concreta, colaborando em sua revista Invenção, e recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia – 1991 com o livro O Visto e o Imaginado. Em 1963, organiza com o poeta Affonso Romano de Sant'Anna a Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, na Universidade Federal de Minas Gerais. Grande estudioso do barroco brasileiro, de 69 a 96 dirige a revista Barroco, publicada pelo Centro de Estudos Mineiros da UFMG. E na década de 80 cria o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.
Sua poesia é marcada pela invenção, pela experimentação. Affonso nasceu em 1928 e não vai morrer nunca, enquanto houver na Terra quem leia e pense e imagine.

Os negros de Itaverava

Três negros de Itaverava,
irmãos em sangue e aflição,
não dormiam, como os outros,
a noite que é sujeição,
dormiam, sim, as auroras
— as luzes em combustão
dos sonhos que, mesmo estéreis,
sucedem no coração.

Enquanto as almas penadas
nos caminhos pranteavam
o corpo que se perdera
e os cães com elas choravam,
na senzala não se ouviam
os passos que se cuidavam,
as vozes que, a medo e susto,
no paiol confabulavam.

Para quem é jaula o dia,
que seja conspiração
de perfídia e sortilégio,
de roubo e contravenção
a noite cujas estradas
não se sabe aonde dão,
a noite que enlaça o negro
com seus silêncios de irmão.

(Em Código de Minas & Poesia anterior, Editora Civilização Brasileira, 1969.)

insólito

contato é impudicícia ou carência de tato
gesto que sai do corpo como um salto de gato
suave rude ardil ou busca de gozo
rei dos sentidos empós do amor ou do afeto
sondagem de quem sonhou e argui de fato
a empáfia escondida entre haustos do só
não temer o impacto da astúcia
colher a rosa no ramo propício enquanto é vermelha
e saborear o odor a cor o íntimo calor
é tarde é breve mas intensa de brilho
signo de infinito clamor
que não calou no estamento do tempo
e rói fundo o apetite que resta
via possível na corrosão do palor
e usá-la a furto oculto
imponderada lapela
fim ou princípio
sorte lançada
defasado cupido
 
(Em poeta poente, Editora Perspectiva, 2010.)

IMPROVISO

A palavra justa
a mim não pertence,
busco-a nessa luta
em que não se vence,
trabalho diário,
pelo amor de sempre.

A palavra triste
a mim não pertence,
perco-a numa lide
cujo amor me vence,
trabalho diário
pelo amor de sempre.

A palavra louca
a mim não pertence,
bebo-a noutra boca
e ela me convence,
trabalho diário
pelo amor de sempre.

(Em Carta do Solo, Editora Tendência, 1961).

ARTE DE FURTAR

O poeta declarou que toda criação é tributária de outras
     criações no permanente processo de linguagem da poesia

O poeta afirmou que todo criador é tributário de outros no
     processo de linguagem da poesia

O poeta se confessou um criador tributário de outros na
     linguagem de sua poesia

O poeta não esconde que sua poesia é tributária da linguagem
     de outros criadores

O poeta não esconde que sua poesia é influenciada pela
     linguagem de outros criadores

O poeta não faz segredo de que se utiliza da linguagem de
     outros poetas

O poeta fala abertamente que se apropria da linguagem de
     outros poetas

O poeta é um deslavado apropriador de linguagens

O POETA É UM PLAGIÁRIO

(Em O discurso da difamação do poeta, Summus Editorial, 1978)

URBANA

turvo rio margem assoreada
de terras podres ímpetos detritos
decompostos da plenitude e da beleza
saqueados a shoppings edifícios
o poder açodado e o poder acuado
vias de pecúnia pedante e rodante
quilômetros de fita métrica
medindo a aflição do relógio
e carros zero enfilando humilhados
o que não mais se vê que veículos e veículos
de vaidade afã de quem expecta
o sobe e desce da bolsa
o encontro da fêmea de programa
o conferir inferido da féria
e sobrenadando a água poluída
do último temporal
o conduto dos sem dos que não têm
lupenato dos mal natos
ordem de vez da astúcia do comando
súbito letal o regalo tomando
assalto relâmpago
 
(Em poeta poente, editora Perspectiva, 2010.)

O QUE QUE HÁ, VELHINHO?


E eis que um dia, na terra do leite e do mel, os eleitos não eram mais aqueles de sempre. E todo mundo queria ser o dono da verdade. E a humanidade já não sabia em quem acreditar. E não adiantava a galera do céu mandar anjos com espadas de fogo nem dilúvios. E foi então que, em meio ao desespero e a descrença,

                                      DEUS CRIOU A MÍDIA!

E os jornais logo ensinaram ao povo incrédulo o certo e o errado. E as tevês logo mostraram às gentes despreparadas o que vestir, o que comer e principalmente o que engolir. E as agências de publicidade logo trouxeram os novos mandamentos, mas em tábua não que tábua tá fora de moda, é antiecológico. E os novos mandamentos vieram em tela de cristal líquido. E vós podeis votar nos dez melhores, é só entrardes no site www.mandandobemnomandamento.com.
E tudo deveria ter voltado ao normal, mas vós sabeis que a humanidade não é fácil, ô gentinha do contra, principalmente as humanidades do terceiro mundo. E as tvs e os jornais, pacientes como Jó, subiram aos céus, que ficavam um andar acima de seus escritórios, e pediram a ajuda de Deus. Mas eis que Deus estava ocupado tentando criar vida em Marte pra ver se dessa vez dava certo. E então a turma da mídia fez um workshop e alguém falou: vamos copiar aquela idéia de Deus. E tirando uma costela do Arnaldo Jabor a mídia criou... (com pausa dramática) os Especialistas, à imagem e semelhança de Deus, mas um pouco melhorados que hoje em dia tem tecnologia que até Deus duvida.
E eis que dos céus desceram os Especialistas, montados em laptops de duas cabeças e carregando celulares de fogo. E Eles garantiram que, desse dia de glória em diante, não haveria mais dúvida sobre a verdade porque Eles, os Especialistas, diriam a todos o que é a verdade e como deve ser usada. E a humanidade respirou aliviada (segundo os Especialistas, é claro).

Cesar Cardoso é escritor, foi criado por Deus, mas passava o fim de semana com o Diabo.

MERCADO FINANCEIRO

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CAMPOS DE CARVALHO
É UMA VACA DE NARIZ SUTIL!

Entre a fina ironia e a rematada ou desrematada loucura viaja a obra de Campos de Carvalho. O insólito e o humor constroem sua literatura, pouco conhecida pra qualidade que tem. Publicou os romances A Lua Vem da Ásia (1956), Vaca de Nariz Sutil (61), A Chuva Imóvel (63) e O Púcaro Búlgaro. Campos de Carvalho também foi colaborador do Pasquim e os romances O Púcaro Búlgaro e A Lua Vem da Ásia já foram adaptados para o teatro (o segundo está em cartaz até o fim de setembro no Rio de Janeiro, adaptado pelo ator Chico Diaz, que também está no palco representandoe é uma ótima pedida).
Essas quatro obras estão juntas no livro Obra Reunida, publicado pela José Olympio. É o melhor investimento do mercado.Ouro, arma, ações, drogas? Besteira! Invista em Campos de Carvalho. Tá esperando o quê? Vai logo, anda!
E pra você tomar o gostinho, aí vai o primeiro capítulo de A Lua Vem da Ásia.

Capítulo Primeiro

Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa – e qual defesa seria mais legítima? – logrei ser absolvido por cinco votos contra dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris.
Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de óculos para míope, e passava as noites espiando o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo.
A primeira mulher que possuí foi sobre a ponte do Sena, em pleno coração do meu Paris imaginário; e ainda me lembro de que ela me sorria com uns dentes que refletiam as estrelas e as lâmpadas do cais adormecido, e dizia-me coisas numa língua que eu não conhecia. Paguei-lhe à vista, e subi eufórico em direção a uma rua de onde vinham sons de uma mandolinata inenarrável, e que se esvanecia à medida que eu me aproximava, e que acabou por desaparecer de todo. Sentei-me no chão, aturdido, acendi um cigarro e deixei que ele fumasse por si mesmo, e depois morri tranquilamente dentro da noite calma.
Quando despertei, já um gari me estendia o último jornal da tarde, e pude ler então que uma grande hecatombe havia acontecido sobre a cidade de Melbourne, na Austrália, justamente enquanto eu dormia. Lavei meu rosto com o pranto, entreguei o jornal a um menino cego e saí correndo pela primeira rua que encontrei pela frente, até deparar com a estátua do marechal Joffre montado a cavalo.
No dia seguinte, como a guerra houvesse rebentado, apresentei-me a um general de divisão que encontrei espairecendo pelo Bois de Bologne, e ele foi muito gentil para comigo, dando-me uma corneta e cinco mil francos para comprar um uniforme. Com a corneta toquei o Danúbio Azul, mas em surdina, e com os cinco mil francos fui a uma sessão de cinema (um filme de Clara Bow, se não me engano) e dei o resto a um mendigo que me pareceu mais honesto do que os outros – ou do que eu, pelo menos. À margem do Sena pus-me a pensar sobre as incertezas da vida e o absurdo da guerra recém-deflagrada entre o Japão e a China, até que o sono me jogasse de novo de encontro às pedras, as mãos espalmadas como as de um cadáver.
Tudo isso do meu passado eu conto para que se possa ter uma ideia exata da minha situação presente, depois que me deram por excêntrico e me jogaram neste hotel de luxo onde os garçons, o gerente e o subgerente andam todos de branco, e têm também os dentes brancos e não vermelhos ou amarelos como toda gente. Conto, também, porque o dia aqui para mim tem 72 horas, e às vezes mais até, e eu necessito ocupar-me com qualquer coisa que não sejam os mosquitos da sala ou a minha coleção de palitos de fósforo, de há muito superada e já vendida a um nababo hindu que mora no quarto ao lado. Descobri que, escrevendo a história da minha vida, antes que a escrevam os outros ou que não a escreva ninguém, estarei prestando um serviço enorme não só à cultura, por isso que – – –
(Fui obrigado a interromper estas lucubrações para tomar um prato de sopa que me trouxe a gentil senhora do gerente ou do subgerente do hotel – de qualquer forma uma senhora respeitável e vesga, que às vezes me toma a temperatura pelo simples prazer de me ser agradável. Mas a sopa estava bastante amarga, ou assim me pareceu pelo menos.)
Mas eu dizia, se não estou equivocado, que, finda a guerra sino-finlandesa, fui preso como espião moscovita por causa de minhas barbas patriarcais e malcheirosas, e fui submetido a um conselho de guerra composto de 15 mil generais, todos eles fardados, que me absolveram unanimemente e me repatriaram ao meu país de origem. Qual esse país fosse, nem eles nem eu sabíamos, de forma que voltei tranquilamente a dormir sob as pontes de diversos rios da Europa, os quais eu já conhecia de vista através das aulas de geografia que me dava o meu professor de ginásio, ao tempo em que eu ainda teimava em aprender as coisas. Dniester, Reno, Vístula, Guadalquivir, Elba, Nitra, Ródano etc. etc. são nomes que se tornaram familiares aos meus ouvidos de tanto eu ouvi-los murmurar eles mesmos, e não pobres mestres-escolas diante de ensebados mapas grudados à parede; a sua cantilena por muito tempo substituiu o doce acalanto de minha mãe na pátria desconhecida, que de resto nunca cheguei a conhecer, pois nunca fui criança.
Foi por essa época que aprendi a tocar berimbau com um professor do Conservatório de Varsóvia, herr Hepsteimm, e quando também resolvi fazer a minha primeira comunhão, por absoluto estado de fome. Desse aprendizado resultou-me a oportunidade de vir a ser mais tarde nomeado conselheiro musical na corte de Luís II da Baviera, o mesmo que tinha vários castelos assombrados e era dado a práticas de ocultismo, as quais aliás eu não era de todo alheio.
(Mas confesso que o lápis já me pesa na mão como se fora o mastro de um circo ou o próprio eixo da terra, o que me leva a parar de súbito essas reminiscências tão históricas e para mim tão caras, que um dia mostrarei a meus companheiros de hotel para que eles vejam até onde chega a fabulosa aventura humana, desde que – – –

(Primeiro capítulo de A Lua Vem da Ásia, em Obra Reunida, Editora José Olympio.)

OUTDOR - po+es+ia +v+is+ual

SAMARAL
– POESIA, CRIAÇÃO E AGITO –

Nas décadas de 70, 80 e 90 era comum vê-lo ali pela Glória e pelo Catete, sempre fumando, ou em algum boteco das redondezas tomando uma cerveja, sempre falando de poesia, sempre agitando algum projeto, sempre com papéis debaixo do braço. Podiam ser poemas novos, podiam ser esboços de um novo número da Urbana, um fanzine de poesia que ele produziu e editou. Ele, o poeta Samaral.
Samaral nasceu em 1948 no Rio Grande do Sul. Não sei quando veio para o Rio mas sei que nos cercas de 30 anos qua andou por aqui foi um agitador cultural, na linhagem de Oswald, de Vinícius. Na sua geração, fez muitas parcerias com os poetas Paco Cac e Chacal, outros dois grandes agitadores culturais que continuam na ativa – Chacal no Rio e Paco em Brasília. Fez por exemplo as “Segundas Urbanas – poesia luzidia no ar da velos cidade”, no Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho, o Castelinho do Flamengo.
Samaral morreu em 17 de março de 1998. Viva Samaral!
O poeta e jornalista Samaral, 1948 – 1998, que em 1973 havia editado a revista O FETO, rodada em mimeógrafo, reuniu um grupo de amigos e lançou no Rio de Janeiro, em 1985, o primeiro número de uma publicação que a princípio se chamou “Jornal de Bordo, URBANA”, com representantes em Belo Horizonte e Manaus. Seus editores/produtores foram: Cuíca, Eduardo Barr, João Sem Terra, Narciso Lobo, Paco Cac e Samaral. O projeto e a execução gráfica ficou sob a batuta de Samaral e Eduardo Barr. Vinte e oito foram os colaboradores. Ei-los: Alexandre Salgado, Ângela Melin, Ana Maria Miranda, Carmen Saporetti, Cuíca, Denise Alvarenga, Edgar Ribeiro, Eduardo Barr, João Sem Terra, Jorge Orlando, Jorge Salomão, José Alberto Lopes, Kátia Prates, Leonardo Fróes, Mauro Pamplona, Narciso Lobo, Paco, Marize Castro, Paulo Nunes, Rasec, Peter Magubane, Ricardo Beliel, Regina Lustosa, Ronaldo Macedo, Samaral, Solange Padilha,Vânia de Magalhães e Xico Chaves.
No seu projeto gráfico, URBANA nos apresenta uma proposta visual extremamente inovadora. Seu tamanho é de 29 x 44 cm, totalmente azul, com manchas marrom na capa e na contracapa. As interferências presentes entre as fotos, ilustrações e poemas revelam a proposta estética da revista. As páginas centrais foram dedicadas à poesia africana, reunindo diversos autores de diversos países africanos. A última página presta homenagem ao poeta e militante do CNA, Benjamim Moloise, enforcado no dia 18 de Outubro de 1985, na África do Sul. Com apenas 12 páginas esta publicação é umas das mais arrojadas experiências poéticas desse período.
O segundo número da Urbana foi mais radical na proposta de socializar a divulgação de trabalhos poéticos, reunindo aproximadamente trabalhos de 94 artistas brasileiros e de outros países, num caleidoscópio de estilos e temas. Autores de quase todos os estados brasileiros tiveram seus trabalhos publicados. A tiragem foi de 2.500 exemplares, 14 páginas e contou com o apoio da FUNARTE e da Associação Brasileira de Artistas Plásticos Profissionais.
Apesar do impacto dos seus excepcionais números, o projeto Edições URBANA ficou parado, mas latente nas cabeças dos seus primeiros organizadores. Em Agosto de 1987, dando continuidade ao projeto, foi lançado o URBANA Mural 1, Se Angra Explode quem se fode?, mais uma experiência poética inusitada, com o tamanho de 44 x 61 cm. A proposta era lançar um Mural temático de dois em dois anos.
Depois do segundo número, a revista teve uma parada de 3 anos e 5 meses. Em maio de 1990, com o lema Cobra que não anda não engole sapo, a URBANA ressurge, em seu terceiro número, com quatro páginas apenas, em papel jornal, no tamanho 29 x 36 cm. As dificuldades financeiras eram muitas, era preciso manter acesa a chama da utopia e partir para o ataque. Mais uma vez o espírito cooperativo predominou, os amigos contribuíram com poemas e afetividade: Álvaro Marins, Fred Maia, que cedeu camisetas para serem vendidas e assim ajudar na produção, João de Abreu Borges, Mano Melo, Márcia Freitas fazendo a revisão, Margareth Castanheiro, Vanda Freitas ilustrando e Zeca de Magalhães, Kzé. Zeca ficou com a responsa de também fazer a distribuição. A editoração teve o apoio de um amigo trotskista, Erick, que estava montando uma produtora de editoração computadorizada chamada Cinesoft. A tiragem foi de 5 mil exemplares. Zeca e Paco vendiam na Barca Rio-Niterói, fazendo lançamentos e falando poemas relâmpagos no trajeto da barca às 23h, quando os estudantes voltavam da UFF, e assim a URBANA seguiu adiante. Depois deste número ela nunca mais parou, só o fazendo quando o seu timoneiro faleceu. Vários foram seus co-editores e passageiros.
Até o décimo terceiro número, a URBANA, tinha como subtítulo Jornal Poema Fanzine, era editada em papel jornal, formato 29 x 36 cm, e sua tiragem variava entre 2 mil e 5 mil exemplares. Nos números 14º e 15º o subtítulo passou a ser Poema Fanzine, sendo retirado o nome “jornal”. Mas foi a partir do número 16, inverno de 1993, que a URBANA passou a ser editada como revista, no formato 17 x 28 cm, que ainda sofreria modificação. Os números 16 em diante seriam no formato 14,5x 27 cm e assim foi até o seu último número, o 22, como edição homenagem a Samaral que havia falecido em 17 de março de 1998. Essa edição especial de 15 anos de existência foi lançada em 2001, com tiragem de 5.000 exemplares, organizada pela Vidarte Urbana Edições e editada pelo poeta Dirval. Diagramação e arte-final de João de Abreu Borges e assessoria visual de Wladimir Dias-Pino. 144 autores participaram com textos, incluindo poetas que foram referência para Samaral, como Maiakovski e uma página dedicada a Che Guevara.
Além de publicar aproximadamente 400 poetas brasileiros, URBANA foi um pólo catalisador, divulgando eventos e publicações que circularam no período de 1985 a 1998, no Rio de Janeiro. Seus lançamentos mantinham acessa a centelha dos anos 70, eram acontecimentos onde diversos artistas se apresentavam em suas mais diversas formas, um happening, ou como na gíria da rapaziada, um apronto.

Paco Cac

 
“A poesia de Samaral tem aquela capacidade rara de sintetizar a influência da contracultura dos anos 60 e 70, com seu desbunde, improviso, liberdade criativa e escrita automática com o experimento plástico de pesquisa dos limites da poesia visual, da concreta e do poema-processo. Seus poemas visuais transitam assim numa confluência de linhas em que a crítica ao sistema consumista, à mídia e à coisificação se apresentam estruturados num espaço cujo limite é para além da liberdade absoluta e sem limites, o reencontro com a ordem, não mais agora a ordem da tradição ou da norma gratuita, mas o rigor transcendente do universo multidimensional. Associado ao fato de que boa parte da produção poética de Samaral se dá num momento pré-internet e ante-pc-pessoal, em que a produção do poema ainda se via dominada pelo âmbito dos recurso físicos de uma pequena gráfica: off-set, xerox, mimeógrafo, máquina de escrever e quando não, tesoura, revistas velhas e papel, seguindo de perto a receita de um Tristan Tzara mais por recondicionamento das condições sociais, do que por filiação dadaísta; os poemas de Samaral têm uma atmosfera envolvente de desarranjo aparente, de névoa de pub londrino com gafieira carioca, que marca um momento da jovem poesia marginal brasileira da década de 70 para 80 que poucos críticos têm prestado atenção, mas que essa poesia fez por enriquecer a dinâmica e o imaginário poético da cultura brasileira de uma forma que chegamos hoje a compreender muito do que aplaudimos em um Caetano Veloso, Waly Salomão e Jorge Mautner - para citar os mais velhos - e num Skank, Legião Urbana, Arnaldo Antunes - para citar os mais novos, devido às ousadias pioneiras de poetas como Samaral e sua luta pela poesia marginal no Rio de Janeiro.”

Jayro Luna


Para realizar essa matéria sobre Samaral, contei com a enorme ajuda do poeta Paco Cac e peguei materiais no blogs de Aimerê Cesar, Luiz Trimano e Jairo Luna (Orfeu Spam 14).

FLAFLUS DA LITERATURA

Chego na porta da livraria. Será aqui? Entro e vejo a grande fila que atravessa o salão. Lá estão Bram Stoker, Vincent Price, Anne Rice, Zé do Caixão, Bela Lugosi, Murnau, Peter Cushing, Nosferatu, Christopher Lee e muitos outros. Não resta dúvida. É aqui o lançamento do novo livro do vampiro de Curitiba.

MARCADO

Sonho que acordo assustado no meio da noite. Um ladrão força a janela do quarto.
Corro para fechá-la, é tarde. O tipo repelente já enfia a cabeça e o peito adentro. Me fixa com ódio que mata.
- Desta vez, Edu, você não escapa.
- Por quê?
Roído de eterna culpa.
- O que fiz de errado?
- Você não me conhece. Mas eu sei de tudo.
Sim, pode ser. Eu confesso. Antes mesmo dele falar.
- Sei quem você é.
- ?
- Sei o canalha que você é.
E a sentença final.
- Tá marcado, cara.
Gaguejo, em pânico.
- Não pode ser. Não fui eu.
A culpa não é minha. Mas, do que, meu Deus? Afinal de que me acusam?
Ele, com desprezo e nojo.
- Já morto...
- Eu juro por tudo...
- ...e enterrado. Só que ainda não sabe.
Um grito de terror e desperto, agora sim, na minha cama – salvo!

Até quando?

(Em “O Anão e a Ninfeta”, de Dalton Trevisan, pg 77, Editora Record. O livro ganhou em outubro o prêmio Jabuti 2011 na categoria contos e crônicas.)

IMPRESSÕES DIGITAIS


Editora Oito e Meio lança antologia
de novos contistas sobre o Amor


Com organização de Flávia Iriarte e Daniel Russell Ribas, a antologia “A Polêmica Vida do Amor” reúne contos de 20 jovens autores sobre as relações amorosas. E eu, editor deste blog, sou um desses autores.

Começando um novo projeto que busca elaborar os significados do Amor, a Editora Oito e Meio lança no próximo dia 24 de novembro a antologia “A Polêmica Vida do Amor”. São 20 textos de 20 autores, cada um com sua forma e seu estilo, abordando as relações imaginadas, as meramente sexuais, as que terminam em tragédia e aquelas que vivem em segredo.
Organizado pela editora Flávia Iriarte e o jornalista Daniel Russell Ribas, o livro conta com prefácio do autor Luis Biajoni (Elvis e Madona) e orelha do escritor e agitador cultural Marcelino Freire (Contos Negreiros).
Com este projeto, a Editora Oito e Meio almeja revelar ao público novos talentos da literatura contemporânea brasileira. “A Polêmica Vida do Amor” também pretende alcançar os mais diversos leitores com textos que exprimem, em estilos únicos e histórias fortes, porque o Amor é um dos tópicos mais controversos da existência. Porque ele é vivo e forte e não aceita definições pré-determinadas. Os 20 autores da antologia provam isso. O Amor é polêmico, porque respira e sempre muda.
O lançamento será dia 24 de novembro, uma quinta feira, a partir das 20h, na Travessa dos Tamoios, 32 C, Flamengo, Rio de Janeiro.

“A Polêmica Vida do Amor”
Editora Oito e Meio
Organização: Flávia Iriarte e Daniel Russell Ribas
Autores: Antônio LaCarne, Joana Souza, Anna Beatriz Mattos, Cesar Cardoso, João Lima, Paula Cajaty, Roberto Pedretti, Roberto Robalinho, Rodrigo Vrech, Thiago Poggio Pádua, Valentina Silva Ferreira, Viviane Roux, Luciano Prado da Silva, Rafael Rodrigues, Aline Miranda, Jonas Arrabal, Paulo Vitor Grossi, Beatriz Castanheira, Marcelo Asth, Sidiney Breguêdo.


REVISTA EMÍLIA:
A LITERATURA INFANTO-JUVENIL ON LINE


Chegou à rede uma revista sobre literatura infanto-juvenil, com o nome da mais famosa, ousada e criativa personagem de Monteiro Lobato: Emília.
Emília se propõe a “promover a integração das diferentes experiências, estudos e pesquisas de caráter multidisciplinar em torno da leitura e da literatura para crianças e jovens” e ser ponto de encontro de especialistas de diversas nacionalidades do setor. Além de ser uma revista on line quer também organizar seminários, encontros e jornadas sobre seu tema. E ainda pretende lançar os Cadernos Emília, em 2012.
Quem for até lá encontrará notícias sobre eventos, lançamentos e cursos, entrevistas, críticas literárias e resenhas, artigos como Preconceito e intolerância em Caçadas de Pedrinho, de Marisa Lajolo, perfis de vários autores, ilustradores, livreiros e bibliotecários, reflexões sobre a formação de leitores e sobre o mercado editorial, relatos sobre as leituras que marcaram a formação de muitos profissionais da área, quadrinhos e muito mais. Além, é claro, de literatura infanto-juvenil, como textos de Fernando Pessoa e de Machado de Assis, que já estão lá para a garotada.
Bem-vinda, Emília. Que você seja tão atrevida quanto à boneca!


NOVEMBRO:
É TEMPO DE PRIMAVERA DOS LIVROS

Está chegando a 11ª edição da Primavera dos Livros. Vai ser de 24 a 27 de novembro, nos jardins do Museu da República (Rua do Catete, 153 — em frente à estação do Metrô), no Rio de Janeiro, com a participação somente de pequenas e médias editoras como a Cosak Naify, a Biruta e a 7Letras, entre outras.
Estarão por lá cerca de 100 editoras, com mais de 10 mil títulos veja a relação completa de editoras e livros aqui). Haverá palestras, debates, encontro com autores, lançamento de livros e apresentações artísticas. E uma ótima notícia pra leitorada mirim e pras carteiras de seus pais): os livros terão descontos de até 40% para o público visitante e de 50% para professores.
É simplesmente imperdível!


THAT’S ALL, FOLKS!

Segue o trecho final de Bartleby, o Escrivão, pequena narrativa do autor de Moby Dick, Herman Melville, que passou quase desapercebida quando lançada, lá pelos idos de 1850, mas que acabou influenciando o espanhol Enrique Vila-Matas, que escreveu o premiado romance Bartleby & Companhia. Vale a pena ler essa história, principalmente na edição primorosa que a Cosak Naify preparou, com tradução de Modesto Carone. O livro é um objeto-quase-puzzle e seu projeto gráfico realizado por Elaine Ramos foi premiado.

Não haveria necessidade de continuar esta história. A imaginação poderia suprir com facilidade o relato inadequado do enterro do pobre Bartleby. Mas, antes de me despedir do leitor, desejo dizer que se esta narrativa curta interessou-lhe a ponto de despertar sua curiosidade para saber quem era Bartleby, e que tipo de vida levava antes de conhecer o narrador, posso apenas assegurar que sinto a mesma curiosidade, mas sou incapaz de satisfazê-la. Não sei se devo contar um boato que me chegou aos ouvidos, alguns meses depois da morte do escrivão. Não posso dar garantias sobre sua origem e nem de quão verdadeiro é. Mas já que este relato obscuro teve algum interesse para mim, embora triste, pode ser que o mesmo aconteça aos outros; por isso menciono-o brevemente. O relato é o seguinte: Bartleby havia sido funcionário da Repartição de Cartas Mortas, em Washington, da qual fora afastado de súbito devido a uma mudança na administração. Quando penso sobre esse boato, mal posso exprimir as minhas emoções. Cartas mortas! Não se parece com homens mortos? Pense num homem que, por natureza e infortúnio, era propenso ao desamparo; poderia haver um trabalho mais adequado para aguçar o seu desamparo do que lidar o tempo todo com cartas mortas, separando-as para jogá-las ao fogo? Pois elas são queimadas todos os anos, aos montes. Por vezes, entre os papéis dobrados, o funcionário lívido encontrava um anel - o dedo ao qual estava destinado talvez estivesse apodrecendo na sepultura -; algum dinheiro, enviado por caridade – aquele que teria sido ajudado talvez já não estivesse sentindo fome; um perdão para os que morreram em desespero; esperança para os que morreram sem nada esperar; notícias boas para os que morreram sufocados por calamidades insuportáveis. Com recados de vida, essas cartas aceleram a morte.

Ah, Bartleby! Ah, humanidade!

 
                                                      Meu e mail: cesarcar@uninet.com.br

©Cesar Cardoso, 2010. Todos os direitos e esquerdos reservados. Que os piolhos infectados de 18 mil camelos infestem as partes pudendas de quem publicar algum texto daqui sem avisar nem dar meu crédito.