sexta-feira, 26 de junho de 2009

CHIPS – o prazer da batata & o poder do circuito –

DE VOLTA AO SÍTIO

A casa branca, de cômodos espaçosos, restou semi-abandonada. A menina largou a boneca num dos quartos e se masturbava toda noite com o sabugo de milho. Até descobrir que com o primo era muito mais divertido e engravidar dele. A velha empregada anda pelos cantos com muita dificuldade e com medo de tudo, contando as estrepolias do menino que pita o dia inteiro um fumo que eu nunca vi e que faz ele ficar com uns olhos vermelhos e rindo à toa que só pode ser coisa do demo, sabe sinhá? Mas a sinhá não sabe mais nada e apenas ri, olhando para aquela mulher que ela não faz a menor idéia de quem seja.

“NÚNCARAS”

clic

ontem te vi na tevê
no meio de cores & caras
triscateiros vendendo sagüitarras
naturânios babaquários
bostentavam descrediários
cremes & massacrários
falsérios rififando garimpérios
urbelas nosferas maninfetas
fiofóruns frutas trutas & mamutretas
tremilicos bocalculavam
glamores dó-ré-mi-fatais
margente como o quê
o erre o esse & o tê
ontem te vi na tevê
o enterro tava um luxo
& o defunto era você

Poema publicado no Caderno Ideias do Jornal do Brasil, em 1986 e incluído no livro A Nossa Moranguíssima Paixão, publicado pela Editora da UERJ em 1994. O livro está esgotado. E o autor também.

MEUS CAROS AMIGOS

Desde 2005 sou colunista da revista Caros Amigos. Aqui republico algumas das crônicas publicadas lá.

Basta de injustiça, chega de exploração:
MAMÃE, EU QUERO MAMAR!


Minha amiga, me faça um favor, ligue a tv, bote em qualquer canal e assista a uns três ou quatro anúncios, a umas duas ou três notícias. Pode ir que eu espero.

Foi? Agora me diga se eu estou errado. Nos anúncios as crianças agem como adultos e os adultos como crianças? Você viu um senador da república roubando descaradamente e defendendo até às lágrimas seu direito de roubar descaradamente? Viu um ministro lá do judiciário ganhando uns 20 mil, se aposentando com os 20 mil limpinhos e reclamando que não tem aumento? Viu milhões de pessoas vivendo numa favela, sem esgoto, hospital e escola, com tiroteio diário e todo mundo saindo de casa pra trabalhar em vez de sair pra tocar fogo na cidade inteira?

Bem, você e o resto da turma eu não sei, minha amiga, mas eu, diante disso tudo, eu pergunto: esses poderosos todos acham que vão me tratar feito criança e eu não vou fazer nada? Pois estão muito enganados! Eu vou fazer birra, vou fazer manha, vou fazer beicinho, vou deitar no chão e espernear! E não vou ficar calado não. Vou chorar bem alto: uééééé! E se você está estranhando, eu explico, minha amiga. É simples: está mais do que provado, está mais do que na cara que eu tenho a idade mental de um bebê. Que outra explicação pode haver para esse mundo ser esse mundo e eu não sair por aí incendiando tudo, como um descendente de Nero, ou cometendo uns três ou quatro genocídios, tal qual uma reencarnação de Átila, de algum papa ou do Stálin?

E já que eu não fiz nada disso, a partir de hoje eu exijo ser tratado como um recém-nascido, um lobotomizado. É, minha amiga, essa aqui é a Declaração Universal dos Direitos de um Zero à Esquerda. E o zero à esquerda sou eu, muito prazer. Chega de ser inocente útil. Eu quero ser um inocente inútil, improdutivo, imprestável e não ter mais responsabilidade nenhuma. Eu não quero saber de restaurante de um real nem de ticket-refeição: eu quero o governador em pessoa aqui em casa na hora do almoço fazendo “olha o aviãozinho” com a colher cheia de feijão. Eu não quero transporte público, eu quero que me levem no colo. Neném gosta é de colinho! É isso mesmo, o Brasil pode tratar de se apertar porque chegou mais um pra ficar deitado eternamente em berço esplêndido: eu! Podem me prender e até me torturar. Minhas únicas declarações serão: papá, mamã, dadi-dudi-dódó!

Mas não se assuste, minha amiga, porque eu também não sou nenhum revoltado inconsequente. De jeito nenhum! Tanto que prometo bater palminha pra todas as declarações dos poderosos. Podem mentir à vontade, podem até cair na gargalhada no meio de seus importantes pronunciamentos. Eu vou também vou rir. Nós, os bebês, somos assim: sempre que a gente vê um adulto rindo a gente ri junto.

E nunca mais vou recitar emocionado: Ah, que saudades que eu tenho da minha infância querida. Sabem por quê? Porque a minha infância querida só vai acabar quando eu morrer bem velhinho. E ainda estarei andando de carrinho e tomando mamadeira. Não quero decidir mais nada, o máximo que eu posso fazer é comprar e comprar e chorar quando escangalhar. Só uma última proposta: em vez de deputados e senadores, a gente devia eleger babás para ocupar o Congresso e a ONU e decidir os destinos da nação e do mundo.

E você é bem capaz de me perguntar: mas quem vai tomar conta dessa criançada? Quem vai gerir o mundo e a humanidade? Ah, sei lá, eu sou pequenininho, não me preocupo com isso não. Não quero mais saber de governantes. Aceito no máximo uma governanta. De preferência uma alemã peituda e mandona. Eu sou que nem o Peter Pan. E quero comer a Sininho. Escrever esse texto foi a última iniciativa que eu tomei na vida. Depois do ponto final eu não tenho mais opinião, só tenho vontade: eu quero! Eu quero! Eu quero! E pronto! Quero liberdade total, vou fazer cocô nas calças e ainda vou esfregar na parede! Não quero bolsa-família, não quero bolsa-escola, não quero cidadania. Tenho uma única reivindicação final, minha amiga: dá a chupeta pro bebê não chorar!

BARATA VOA - vale tudo, menos porrada –

JORNAL LITERÁRIO: ISSO EXISTE?

Existe sim! É o Rascunho, jornal mensal editado em Curitiba. São 4 cadernos com cerca de 16 páginas discutindo e publicando literatura do Brasil e do mundo. Polêmica à vontade, sempre o depoimento de um escritor sobre seu trabalho e sua trajetória , um visual bem transado e muita prosa, poesia e ensaio, com 8 anos de existência e resistência. Entre a turma que costuma estar todo mês lá, Flávio Carneiro, José Castello, Milton Hatoum e Nelson de Oliveira. Quem quiser pode ler e assinar, quem quiser pode mandar colaboração. Eles aceitam e publicam, dentro dos critérios editoriais.

Pra conhecer mais (e vale e pena!):
www.rascunho.com.br

A CENA MUDA

Este curioso nome batiza uma banca de jornais que fica na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, Rio de Janeiro, na Visconde de Pirajá quase esquina com a Maria Quitéria. . A dona – Adda di Guimarães – bota à disposição de quem quiser revistas de qualquer época do século 20. Você encontra por lá Manchete, O Cruzeiro, Grande Hotel, quadrinhos, revistas sobre cinema, teatro, moda e TV, como a TV Guia, lembram? Há também os almanaques, como o Capivarol, fotos de cinema, propagandas antigas, cartões postais e muito mais... É um prazer reencontrar todos os gibis que a gente leu na infância. E A Cena Muda ainda reedita as famosas revistinhas de sacanagem de Carlos Zéfiro, que – assim como os times do Botafogo e do Santos - tantas alegrias deram à garotada da década de 60!


ESCRITORAS SUICIDAS CONVIDAM

Calma! Não é pra se jogar da Ponte Rio-Niterói. É pra conhecer este “site de mulheres e homens que fingem de”, como ele mesmo se apresenta. São mais de 30 autoras, sempre em edições temáticas. A atual, edição 34, tem três temas: farpas, o outro lado e retrato. Eu recomendo a leitura de Alice Barreira, que vem a ser minha meia-irmã e que é a segunda melhor escritora da família. Alice nasceu em Barura, no Amapá, em 1968 e trabalha como enfermeira. Publicou por conta própria Pequena enciclopédia de inutilidades (contos, 1987) e vem colaborando com alguns sites como o coralsemvozes e o vivernavespera. Ela está lá com os contos “Chororô” e “Mariiinha”.

Ah, o endereço das suicidantes é
www.escritorassuicidas.com.br

HOJE É DIA DE VISITA

Maira Parula e Oswaldo Martins.

Ela me ligou de Montevidéu para dizer que havia se casado. Eu estava no último parágrafo e de repente não sabia mais o que fazer. Eu não conheço Montevidéu. Ou por que tudo acabou dando lá. Puxei meus óculos do rosto e mergulhei num silêncio pesado e sufocante. Pendurada na linha, ela ficou esperando uma palavra que fosse. Não me lembrou de que já estava morta desde o primeiro capítulo.


Eis aí a prosa poética de Maira Parula. Quer mais? É só ler seu livro "Não Feche Seus Olhos Esta Noite" (ed. Rocco, 2006), onde este texto mora.

4
lições oswaldianas

as professoras dariam nuas as de história
por sua vez alunas e alunos também nus
assimilariam o que a história nos roubou

a celebração do corpo e do espírito assim
recolocados permitiriam a nossos jovens
a experiência dos ferozes tupinambá

Eis aí a poesia de Oswaldo Martins, em sua “arte da deseducação”. Quer o livro todo? Chama-se “Cosmologia do Impreciso” (7Letras, 2008) e traz, além da instigante poesia de Oswaldo, cinco belas ilustrações de Elvira Vigna.

LHUFAS - coisa com coisa nenhuma

A PORNOGRAFIA BATE À SUA PORTA!

Aula inaugural da professora Sílvia Sintagma
na Universidade da Polícia Federal do Rio de Janeiro

Caros alunos,

Mesmo as mulheres afegãs mais recatadas e cobertas por burkas estão desavergonhadamente despidas, nuas, inteiramente nuas por debaixo daqueles panos todos. Esta é apenas uma das provas de que a pornografia tomou conta da humanidade.

E não pensem que essa licenciosidade está longe de nós. Não! A devassidão se encontra no seio de nossos lares, isso sem falar em outras partes menos amamentícias. E para provar minha tese, hoje tomo como exemplo os inocentes versos do cancioneiro popular:

Batatinha quando nasce
Se esparrama pelo chão.

Tão singelo, não? É o que vocês pensam! Isso é safadeza da grossa! Libertinagem! E eu vou provar.

Tomemos a primeira palavra do poema: BATATINHA. Porque “batatinha” e não batata, simplesmente? Ora, o diminutivo é mais carinhoso, mais íntimo. Mas que intimidades são essas, pergunto eu. Da intimidade pra pouca vergonha é um pulo, um passo, um dedo! Imoralidade, isso sim! Mas vamos adiante, porque a coisa só piora, meus amigos, só piora.

QUANDO. O que significa isso? Todos sabem que “quando” pode ser a qualquer hora, até depois das 22, que já é hora de gente de bem estar em casa e de criança estar dormindo. O que andam fazendo por aí depois das 22 horas eu não tenho coragem de mencionar em público. Mas vocês sabem muito bem do que eu estou falando. Não se façam de engraçadinhos comigo. E agora todo cuidado é pouco. Chegamos ao primeiro verbo dessa devassidão em forma de versos.

NASCE. A forma verbal “nasce” não foi feita para andar por aí de boca em boca. Por acaso alguém nasce em local público? No meio da rua? Nos parques da cidade? Claro que não. É na maternidade, em quarto separado, com tudo esterilizado e médico de lenço na cara para prevenir certos contatos e possíveis doenças infecto-contagiosas cujo nome nem é bom lembrar. Embora todos aqui estejam carecas de saber ao que eu estou me referindo. Ou vão ficar aí se fazendo de desentendidos? Hã? Pois preparem-se porque a pornografia só aumenta nessa bandalheira que ainda ousa se denominar “poesia”.

ESPARRAMA, Deus meu, “esparrama”! A pessoa ou ser vivo que... (desculpem a repetição do termo chulo mas é necessário) se “esparrama” é completamente desprovida de bons modos, não traz de berço nenhum sinal de educação e não tem as mínimas condições para o convívio em sociedade. Deviam era “esparramar” um canalha como esse numa penitenciária de segurança máxima, em defesa da moral e dos bons costumes. Pois vocês pensam que terminou? Segurem-se nas cadeiras! O pior ainda está por vir.

PELO. Eis aí um vocábulo cheio de duplos sentidos. Só em pensar em certos “pelos” em sinto náuseas, minha pressão cai, a sudorese toma conta de mim. Além disso, esse é um poema supostamente feito para entreter as crianças. E desde a Grécia Clássica que o conhecimento humano já comprova serem as crianças indivíduos praticamente desprovidos de “pelos”. Sócrates falou sobre isso em seus discursos. E se não falou devia ter falado, aquele libertino. Qual então o intuito do autor destes versos? Fazer com que nossos filhos convivam com... “pelos”? Ora, pelo amor de Deus, não é à toa que este sujeitinho pervertido não assinou tais versos, preferindo se manter no mais covarde anonimato. É assim que agem os que querem destruir nossa civilização. Mas vamos logo até o fim desse descalabro.

CHÃO. Ora, caros alunos, francamente! Quem em sã consciência deseja ficar ao nível do “chão”? O “chão” está sempre sujo, ainda mais com as empregadinhas que andam por aí. No “chão” se cospe e os cachorros fazem coisas que nem convém citar numa instituição de ensino como essa, que é de nível superior, estando portanto bem acima do chão.

Aí está, estudantes. O que parecia um simples dístico popular se revela um amontoado de impropérios. E daí pro sexo desenfreado, selvagem, num quarto escuro, com muita gente besuntada de mel e com chicotes e velas e algemas é um pulo. Se esse “poema” foi divulgado de geração em geração pela boca do nosso povo isso prova que nosso povo devia era ficar de boca fechada pra não falar besteira.

Na próxima aula estudaremos os desvios sexuais nas equações de segundo grau.


Sílvia Sintagma é doutora em Letras Maiúsculas pela Universidade de Tahihoo, em Rexona do Sul. Colabora com o blog Patavina’s porque Cesar Cardoso possui fotos comprometedoras dela e ameaça colocar na rede.

UM CASO CRÔNICO

NICOTINA, MON AMOUR

A beleza de Greta Garbo e o charme de Humphrey Bogart começavam no cigarro. O que era o primeiro sutiã comparado à primeira tragada? Nunca vou me esquecer daquela tonteira, um outro tipo de orgasmo. Meu primo se escondeu no canto da sala e acabou tacando fogo na franja da manta que recobria o sofá.

Agora eu era o herói e o meu Hollywood era sem filtro. Ah, o prazer da primeira droga. Ou melhor, da segunda. A primeira é o oxigênio, quando saímos do útero e deixamos de ser peixes. E só nos livramos dessa dependência com a morte. Mas pra que nos alertam? Cuidado: o cigarro mata! Ora, o trabalho mata muito mais e ninguém proíbe. Até o América mata, quando diz em seu hino – o mais bonito: hei de torcer, torcer, torcer, hei de torcer até morrer... A única coisa que não mata é a vida eterna. Mas esta está reservada pra deus e o diabo. Nós somos meros mortais na terra do sol, na vila do vício.

Quando vão inventar um cigarro que não seja católico, que venha só com o prazer mas sem o pecado e sua condenação? Já notaram que tudo que termina em ina vicia e dá prazer? Nicotina, cocaína, vagina, cada uma com seu gozo. Cigarro, haxixe, charuto, maconha, cachimbo, crack, folha de taioba, skank, cigarrilha, cigarro de palha... Você já fumou no escuro e ficou brincando de fazer um oito com a brasa? Já passou algum tempo fazendo as bolinhas de fumaça atravessarem um raio de sol? É, onde há fumaça, há fogo; onde há fogo, há paixão. E, certamente, queimaduras.

Eu parei de fumar quando apareceu uma lesão na língua. A biópsia indicou que era benigna, mas se eu continuasse fumando o médico me garantiu outra lesão e aí sim, a doença, o nome que ninguém dizia – lembram? Ele mesmo, o câncer. Como conversar, cantar samba e fazer sexo oral ainda me dão mais prazer do que fumar, salvei a língua e larguei o cigarro. Ah,mas que separação! Nem Romeu e Julieta sofreram tanto. Nem os personagens de Nelson Rodrigues se desesperaram assim. Virei letra de bolero, pisando saudades nas guimbas das calçadas, amargando insônias à luz do abajur e jurando que um dia volto pra ti, nicotina, mon amour!


Cesar Cardoso é viciado em escrever.