sexta-feira, 30 de outubro de 2009

CAIU NA REDE É PIXEL





DESLOCAMENT
O

1 + 1
NUNCA
CHEGA
A
2
TODO
ANTES
SE
QUER
AGORA
MAS
É
DEPOIS

ACHADOS DE ASSIS


Um halloween literário para o Bruxo do Cosme Velho. Dizem que esses textos foram psicografados na tenda espírita de Pai Silviano Santiago de Ogum. E que ele traz sua personagem amada em três dias.


a quadrilha de mata-cavalos

bentinho amava capitu que amava escobar
que amava iaiá garcia que amava brás cubas que amava carolina
que não amava ninguém.
bentinho foi pra o engenho novo, capitu para a suíça,
escobar morreu afogado, iaiá garcia acabou na tv,
brás cubas foi o primeiro defunto-autor
e carolina casou-se com joaquim maria machado de assis
que sempre quis entrar para a história.


DOM CASMURRO – NOVOS SEGREDOS, NOVAS DÚVIDAS

FILHO DO HOMEM

Cara leitora, um mistério de mais de um século parece ter sido por fim desvendado. Falo da disputa antiga entre Dom Casmurro e Capitu, sua ex-mulher, se é que tal título cabe em tal paixão. Cabe e não cabe, certamente bradarão uns e outros, e essa arenga renderia muitas palavras. Mas deixemos de lado esses pormenores. A verdade é que, graças a uma dessas modernidades de que agora dispomos, um teste de DNA, pôde ser comprovado que Ezequiel é realmente filho de Dom Casmurro e que, por consequência óbvia, o falecido amigo Escobar não é o pai do filho de Capitu. Isso sem nenhuma possibilidade de erro, coisa tão desses tempos!

A notícia, que tenta atar umas pontas da vida, era o principal assunto da rua do Ouvidor na manhã chuvosa de ontem. Procurado pelos jornais, Dom Casmurro – ou deveríamos chamá-lo Bento? – limitou-se a assoar-se, sem responder, mas o coração parecendo querer sair-lhe pela boca fora. O motivo, leitora? Ora, diz-se na cidade que o teste só teria sido possível graças a uns fios de cabelo de... bem, fiquemos com a casmurrice que afinal resultou em sua marca maior. Como dizia, uns fios de cabelo de Dom Casmurro, obtidos por Capitu em pessoa com o suborno do barbeiro de seu ex-marido, ou ex-paixão ou atual sabe-se lá o que, no Largo do Machado. O mesmo barbeiro que tocara rabeca para acalmar o coração agoniado do ainda Bento, na noite em que voltava do enterro do ainda amigo Escobar. Assim talvez se explique porque Dom Casmurro negou-se a falar com quem quer que fosse e meteu-se em casa, mais uma vez com o olhar ao longe e a velha frase de volta: - acabemos com isto.

Mas não adiantemos muito os fatos, para não estragar as surpresas que eles nos reservam. É o que vais entender, lendo. Afinal, és a leitora, também uma outra ponta, senão da vida, pelo menos dessas linhas.


DÚVIDAS SOBRE DÚVIDAS

Se foi grande foi a estupefação de Dom Casmurro não foi menor a indignação que lhe sucedeu. Após a surpresa com o resultado do tal teste moderno, do qual não fora avisado nem sequer consultado, ele desistiu mais uma vez do veneno que poderia destruir-lhe as entranhas e dar fim a tudo. Se por ventura tinha perdido o gosto à vida, mais ainda perdera o gosto à morte e, na manhã de hoje, estava decidido a seguir outro impulso. Tanto que, logo cedo, meteu-se num bonde para o centro da cidade, procurou os jornalistas e foi tomar café com eles na Colombo. Começou a conversa com certo ânimo, aceitando a paternidade de Ezequiel e pondo um fim a essa polêmica que julgávamos tão longa quanto desenredável. Porém, após alguns instantes, deixou cair a cabeça e começou a sussurrar alguma coisa que os jornalistas e demais presentes entre pães e cafés não entenderam logo. Mesmo respirando a custo, repetiu em tom já mais firme que, tanto quanto era certa a sua paternidade, a mesma certeza garantia que Capitu o havia traído com Escobar. Houve um tumulto de vozes, interrompido por ele. E depois de beber um gole de café, pousou a xícara e, como prova do que afirmava, tirou do bolso um papel e pôs-se a ler. Era uma carta de Capitu dirigida ao amante, onde ela narrava um encontro entre os dois e jurava ansiar por revê-lo e novamente beijá-lo. Mesmo com Dom Casmurro saltando trechos, aquelas palavras causaram um escândalo. Talvez a omissão tenha incendiado ainda mais a imaginação dos presentes. É o que ela costuma fazer. Mas o que seria pior, a omissão ou a leitura completa? Qual o maior incêndio? Problema difícil. Deixemo-lo sem solução e voltemos à Colombo. Indagado sobre como conseguira a missiva, Dom Casmurro limitou-se a dizer: “por meios tão oblíquos quanto os que aquela senhora usou para conseguir meus cabelos.” E garantiu em seguida, com a mesma brevidade e sequidão: “Oblíquos porém legais.” Um jornalista pediu licença para levar o manuscrito e imprimi-lo mas Dom Casmurro negou o obséquio e levantou-se para deixar a confeitaria. À sua passagem alguém ainda comentou: “se as pessoas valem a afeição da gente, também valem o nosso ódio”. Mas Dom Casmurro apenas seguiu para a rua, sem olhar para trás.

Procurada pelos repórteres, Capitu se mostrou muito surpresa. “Surpresa mas não decepcionada”, conseguiu dizer a senhora, não sem antes respirar fundo por umas três vezes, para só depois afirmar: “tais cartas fazem parte de mais uma trama deste senhor para destruir minha reputação e o que pode me restar de vida. Eis o verdadeiro caso da fruta dentro da casca”. Em seguida, jurando a falsidade da missiva, declarou ter instruído seus advogados a pedirem um exame grafológico. Já se apurou no entanto que Dom Casmurro não pretende ceder a carta, “parte tão íntima de minha desgraça”.

Aguardemos pois, cara leitora, as próximas escaramuças dessa história tão sem fim e que agora já envolve a literatura epistolar e a própria Justiça. E, enquanto isso, sigamos com a dúvida a nos tirar o sono. Capitu teria ou não traído? Eis aqui mais um mistério a se juntar aos tantos desse mundo, tão dissimulado quanto aqueles olhos de cigana oblíqua.

OUTDOR – poemas visuais –


CHIPS – o prazer da batata & o poder do circuito –


HAICONTOS

Com o cansaço antecipado do que não acharei, fui para o meio de Lisboa acompanhar o início das filmagens de Haicontos, média-metragem do cineasta português Fernando Gente, baseado em 15 contos meus. O roteiro foi premiado e conseguiu financiamento da Faculdade de Cinema da Victoria University of Wellington, da Nova Zelândia, e mesmo que ninguém entenda porque a Nova Zelândia resolve financiar cinema em português, deve ficar pronto em meados de 2010 ou Deus sabe quando. Seguem três dos haicontos, que no filme vão se misturando, formando aquela terceira cor que alguém chamou de aurora. Tomara que o filme não fique como ervas, sem ser arrancado.

Alice Barreira

PRETÉRITO DO FUTURO

Uma chuva fina começava a cair e eu apertei o passo para atravessar a praça e chegar logo ao teatro. De repente o velho surgiu quase à minha frente, como se tivesse se materializado do nada. Vinha num arremedo de corrida, com uns passinhos miúdos e desencontrados, e de súbito estacou, sacudiu os braços e deu meia volta.

Vai embora o velho doido, eu pensei. Mas ele deu outra meia volta e recomeçou seu estranho balé de passinhos desengonçados, tentando uma rapidez que não alcançava e vindo novamente em minha direção. Então foi minha vez de parar e olhar fixamente para ele, tentando algum contato ou pelo menos entendimento. Mas o velho seguiu absorto em sua dança, ritual ou mal de Parkinson.

Se estendesse o braço poderia tocá-lo. Súbito, ele partiu pra cima de mim, cabeça baixa, cheguei a levantar as mãos em sua direção para evitar uma trombada. Então ele deu uma guinada de corpo para a esquerda. Tive a certeza que ia cair. Mas não. Seus pezinhos gingaram e o levaram a passar por mim. Em seguida esticou a perna e novamente se pôs a sacudir os braços, dizendo algo incompreensível. O que dizia o velho? Que língua era aquela? Ou melhor, que monossílabo era aquele, repetido já quase ao lado do meu ouvido?

Gol. Era isso. O velho repetia gol, gol, gol. E me encarava com seu grito quase mudo. Gol. Olhei fixamente seu rosto, a boca, o nariz torto, os olhos, o olhar, aquele olhar, naquela praça.

Sim, o velho era eu.


PROFISSÃO

Uma haste dos óculos presa com esparadrapo. A dentadura frouxa por causa da boca torta. A boca torta devido ao derrame. As costas com uma dor constante do abaixar para as guimbas. Os dedos amarelados pelas guimbas. O peito atravessado pela alça da bolsa. O zíper quebrado. Os retratos amassados dentro da bolsa. Os tios, a mulher, o casal de filhos, às vezes na memória. As pernas sobre o cobertor. O cachorro por entre as pernas, latindo para os garotos que jogam futebol bem em frente e gritavam gol, gol, gol.

A memória por entre a boca. As pernas frouxas. As costas presas com esparadrapo. Os tios, a mulher, sobre o cobertor. Uma haste dos óculos dentro da bolsa. O peito atravessado por uma dor constante, bem em frente. A dentadura quebrada. As guimbas tortas na boca. Os dedos tortos do abaixar por causa do cachorro. Os retratos amarelados dos garotos no futebol. As pernas devido ao derrame. O casal de filhos amassados pelas guimbas, pela alça da bolsa, pelo zíper. Às vezes latindo.

Bem em frente, a placa, na calçada: aluga-se.


FINADOS


Os helicópteros seguem cruzando o céu e despejando bombas, ao som de Waldick Soriano, enquanto as crianças interrompem o futebol para que a kombi do ferro-velho passe lentamente, quase se desconjuntando, com o velho ao microfone, compro minas, compro aerrequinzes, compro máquinas de lavar. Ninguém o escuta no meio da algazarra de mulheres disputando a unhadas e empurrões as ofertas dos camelôs. Do outro lado do campo de terra batida os gigolôs tentam eles mesmos satisfazer os clientes depois que todas as putas foram internadas com a epidemia.

Apenas uma pessoa atravessa em passos lentos essas pequenas multidões e se aproxima do que restou do pequeno cemitério. Ele entra, dobra à esquerda e logo se ajoelha. É Deus. Ajoelhado, ele deposita uma tábua no túmulo da esperança.

“NÚNCARAS” – po+es+ia

breviário da conjugação de verbos

eu riobaldo
tu macunaímas
ele macabéia
nós matragamos
vós capitus
eles policarpam

HOJE É DIA DE VISITA


PESCARIA

Como se fosse possível pescar estrelas com tarrafa, ele joga a rede ao céu toda noite. Menos quando o tempo nubla.

(“Não consigo enxergá-las”, explica.)

Que não perguntem porque cata estrelas, nem digam que explodiram e são só brilho esparso, quimera, tapeação.

Pescar nada tem a ver com pegar peixes.


Esse curto conto faz parte do livro Somos Todos Iguais Nessa Noite (Editora Rocco), onde o autor, Marcelo Moutinho, intercala textos curtos e longos, flashes poéticos e cenas de dor, tristeza, amor, vividos nos cantos de uma cidade grande. O cara é danado, escreve bem pra caramba. E ainda por cima, tem ótimas idéias para livros. Ele é o organizador do livro Contos Sobre Tela, onde cada história parte de uma gravura, pintura ou escultura. Marcelo mesmo escreve um conto inspirado num quadro do grande Iberê Camargo. Mas tem muito mais por lá. E Marcelo também organizou, junto com o editor português Jorge Reis-Sá, o Dicionário Amoroso da Língua Portuguesa (Casa da Palavra). São 35 autor de cinco países de língua portuguesa. Cada um escolheu sua palavra favorita e escreveu um texto sobre ela. O Marcelo escolheu “Água”. A Tatiana Salem Levy, “Deserto”. O angolano Ondjaki, “Sandália”. Não faltou a tão falada “Saudade, escolhida de Antonio Torres. E tem muito mais. E que que você está esperando pra conferir?


NÃO FECHE SEUS OLHOS ESSA NOITE

Esse é o título do livro de Maira Parula, lançado pela Rocco. É poesia? São contos curtos? Não sei. Acho que são curtos circuitos, deixando a gente em choque, sem fôlego, entre um riso nervoso e outro. Senão vejamos:

Minha alma deu para me perseguir. Fica dizendo que é a rainha Vitória, que eu devia liberá-la, que não gostou do meu cabelo tingido, que meu corpo não combina com seu jeito, que ando trabalhando demais e dormindo de menos (na certa quer dar um passeio na minha ausência).

Propus-lhe então uma troca de almas. Que achasse outra mais apropriada ao meu temperamento. Impossível. Somos indissolúveis. Além do que eu estava invadindo a seara dela quando falava em temperamento. Pois bem. Que se dane. Uma de nós vai ter que desistir primeiro. Com certeza não serei eu. Papai sempre disse que mulheres bonitas não deviam ter alma.

“Um livro em trânsito, a meio caminho entre o susto e a coragem”, afirmou o crítico José Castello. E Maira está preparando outro, para 2010. O título ela ainda guarda em segredo. Mas tudo bem, já temos promessa de boa literatura pro ano que vem.

PS: pra quem quiser conhecer mais via internet, lá vão os endereços eletrônicos desses dois:
www.marcelomoutinho.com.br e http://prosacaotica.blogspot.com/ (blog da Maira).

RIO DE VERSOS


Os poetas já fizeram e continuam fazendo a sua parte: um Rio de Versos. Quando é que os cariocas vão tomar vergonha na cara e encher essa cidade com os poemas dedicados a ela?


No Pão de Açúcar
De Cada Dia
Dai-nos Senhor
A Poesia
De Cada Dia

Oswald de Andrade

CAROS AMIGOS


Eis aí a minha crônica mensal da revista Caros Amigos, que já se encontra nas boas bancas do ramo. Nesse número: a polícia tem licença pra matar? Por que continuam as capitanias hereditarias? (Em defesa do MST). A periferia de Sampa também vai explodir. Aposentadoria: a esmola nossa de cada dia. E muito mais.


EI, VOCÊ VIU DEUS POR AÍ?


Está provado: Deus existe.

E não foi preciso discussão mística nem prova científica, nada. Um belo dia o céu se cobriu de nuvens escuras e quando todos pensavam que mais um temporal ia parar São Paulo, um monte de anjos com espadas de fogo e outros apetrechos bíblicos desceu do céu, interrompeu o William Bonner e anunciou: - ó, Deus vem aí falar com vocês.

E Ele veio. E falou pras tevês do mundo todo, pra não dizerem que estava privilegiando essa ou aquela emissora. E recordou os seis dias em que criou o universo. Ô semaninha agitada! E se lembrou das conversas com Adão e Eva (evitem coisas com M: maçã, maconha...). E rememorou sua fase minimalista, quando escreveu os mandamentos. E ainda os conselhos que deu a Jesus (se beber na ceia, não dirija!), a Santa Inquisição... Não, esse pedaço Ele pulou. E foi logo pro motivo de sua vinda.

E Deus disse com todas as letras que está de saco cheio da humanidade. Já enviara dicas, indiretas, sinais, mas nem com o tsunami que mandou há cinco anos a gente se tocou. Agora, ou tomamos jeito ou Ele vai levar todas as formas de vida pra Marte e recomeçar por lá, sem a gente por perto pra atrapalhar.

Nem a morte de Jesus repercutiu tão fundo na humanidade. Todos querem se converter. Deus gostou, mas surgiu um problema: para qual religião? E os líderes religiosos correram pra falar pessoalmente com Ele. Mas na porta do Hilton onde Deus e sua comitiva se hospedaram, já estavam políticos de todo o planeta fazendo fila pra tirar foto com o Todo-Poderoso. E corria o boato que na suíte divina representantes da Disney, da Microsoft, da Coca-Cola e da Nokia apresentavam suas ofertas para patrocinar Deus.

Mas um anjo que saía pelos fundos do hotel teria dito ao William Bonner que Deus não está mais entre nós e foi visto se reunindo com castores, golfinhos e outros animais e mandando eles construírem uma arca.

PATAVINinha’s


o playground do patavina’s - menos tênis e mais poesia!


UM ELEFANTE ELEGANTE

Elias, o elefante
gosta de andar elegante.
No inverno veste terno.
No verão, um bermudão.

O alfaiate Alfredo
é quem costura sua roupa.
Tem que acordar bem cedo
que a tarefa não é pouca.

Fez um casaco listrado
e um colete estampado.
Duas calças de flanela
e uma cueca amarela.
Com a sobra da fazenda
fez quatro meias de renda
e uma blusa sem gola.

Mas que azar...
Na hora de experimentar
o rabo ficou de fora!

PLEASE MISTER POSTMAN


MEU E MAIL

cesarcar@uninet.com.br

©Cesar Cardoso, 2009. Todos os direitos reservados. E os esquerdos também. Que as pulgas infectadas de 6000 camelos infestem a cama de quem publicar algum texto daqui sem avisar nem dar meu crédito.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

BARATA VOA - vale tudo, menos porrada –


A escritora Alice Barreira lembra dos velhos carnavais e de outras dores da infância. Afinal, o que cantava aquela marchinha: saudade é coisa que dá e passa ou que dá e pesa?

BIGORRILHO

Lá em casa também tinha um bigorrilho. Bigorilho fazia o quê? Acordava sempre muito tarde e ia fazer as entregas do açougue da esquina. Lá pelas quatro tinha terminado e então sentava-se num banco no quintal, tendo à frente uma mesa improvisada e bamba que ele mesmo fizera. Ali colocava a garrafa de cachaça e o copo e começava a beber. Quando passávamos por ele fazia sempre algum comentário sobre o tempo e conforme anoitecia entendíamos cada vez menos o que dizia.
Minha mãe dizia que bigorrilho era nosso tio. Mas ele não era seu irmão e no retrato de meu pai ainda jovem havia alguns outros rapazes que poderiam ser seus irmãos mas nenhum deles era o bigorrilho. Ele e minha mãe conversavam coisas que a gente não conseguia escutar.
Aos poucos bigorrilho foi acordando mais tarde e voltando mais cedo das entregas, até que parou de fazê-las e começou a sentar-se no banco do quintal logo depois do almoço. No final da tarde nós já não compreendíamos suas frases sobre chuva, sol ou nuvens. Ele também passou a pedir dinheiro à minha mãe.
Até que uma noite bigorrilho invadiu nosso quarto. Nessa época já passáramos todos a dormir no quarto de minha mãe. Mais uma vez não entendemos o que ele disse. Tenho quase certeza que queria mais dinheiro. Mas ele não repetiu a frase, como sempre fazia. Em vez disso começou a bater em minha mãe.
Hoje bigorrilho continua morando conosco e bebendo sua cachaça. Minha mãe lhe dá o dinheiro. Ela perdeu dois dentes e um pouco da visão do olho esquerdo. Eu não confio mais nela, nem em ninguém. Bigorrilho foi quem me ensinou.

ALICE BARREIRA

- LHUFAS - coisa com coisa nenhuma –


Aqui vai a homenagem do Patavina’s: aos mestres com carrinho (e o desejo de que passem a ganhar o suficiente para cada um comprar o seu)!


DIA DO PROFESSOR

Está bem próximo o dia em que não haverá mais professores e todas as escolas estarão fechadas. É a marcha do progresso e alguém aí é contra o progresso? Há quem seja, há quem seja, mas como o progresso está progredindo cada vez mais, em breve ele mesmo se encarregará de acabar com essa praga.

Sim, é um grupo inútil, o dos professores. E caro, ainda por cima. As mensalidades das chamadas boas escolas custam mais do que um tênis importado. E um tênis importado, todos sabem, dura mais do que qualquer frase escrita num quadro-negro.

Sem dúvida, um grupo inútil e que não se entende entre si. A maioria se limita a reproduzir um saber que já se sabe há séculos. São papagaios. E, como os papagaios, entrarão em extinção. E há um outro grupo, pequeno e ativo, que vive questionando os valores mais banais da sociedade. São os criadores de desajustados. E quem precisa de criadores de desajustados?

Já estão quase extintos os professores de geografia. Óbvio, ninguém quer saber onde ficam outros povos e países. A menos que por lá haja empregos ou que seja um lugar cheio de riquezas e valha a pena invadir. Mas para esses objetivos há cadernos de classificados e exércitos, não é preciso professores numa sala de aula fazendo chamada. Você pode argumentar que há sempre um pequeno grupo de curiosos. Você gosta de argumentar, não é? Você deve ser professor. Muito bem, mas eu lhe digo que, no mundo de hoje, para ser curioso é preciso ter dinheiro, muito dinheiro. Quem luta desesperadamente pela sobrevivência não tem tempo bem disposição para ter curiosidade. E quem tem dinheiro mata sua curiosidade geográfica fazendo turismo, que é muito mais interessante do que assistir aulas.

Também não há mais necessidade de professores de línguas. Primeiro pela absoluta inutilidade de se falar francês, alemão, espanhol, vietnamita, quarenta dialetos do interior da China ou qualquer outra língua que não seja o inglês. Você vai perguntar porque, eu vou ter certeza que você é um professor e nem vou lhe responder. Com licença, onde eu estava mesmo? Ah, no inglês! Para aprender inglês, basta torná-lo língua oficial. Do nosso país ou mesmo do planeta todo. É o Mundo Livre, livre inclusive de um amontoado de dialetos que vêm sempre acompanhados de reivindicações de liberdade e autonomia ou até de algum grupo terrorista jogando bombas. E sendo o inglês língua oficial, será falado em todos os lares e não haverá necessidade de nenhum professor para ensiná-lo.

Também não precisaremos de professores de matemática, ciências, filosofia ou até educação física. Ouço alguém perguntando porquê. É você de novo, não é, meu caro professor? É típico! Professores adoram perguntar. A humanidade tem pilhas de séculos de perguntas feitas por vocês. Mas agora, meu caro e inútil amigo, nós precisamos é de respostas. Simples, práticas, diretas. Aquelas respostas que vocês, professores, não sabem dar ou não querem, não gostam, não foram treinados para isso ou uma outra explicação que você certamente tem e quer me dar, levantando seu dedinho aflito para pedir a palavra. Sinto muito, mas pode abaixar o dedo, seu tempo acabou, o sinal tocou, pode ir pra casa e não precisa voltar. Mas antes, escute mais um pouco.

O mundo hoje é prático e lucrativo. Enquanto vocês defendem o ensino público e gratuito, o mundo deseja tudo privado e o mais caro possível, com belas embalagens e anúncios na tv. Bilhões de pessoas lutam por isso com unhas e dentes. Você não vê diariamente essa gente toda na rua, se matando? Acha que estão se matando por quê? Para encontrar as respostas às suas perguntas?

Nós, aqui, no terceiro mundo, por exemplo. Somos invadidos e escravizados? Sim, é claro. Mas também podemos invadir e escravizar países menores, que também encontrarão outros, minúsculos, e os invadirão. Sempre há alguém mais fraco. Essa é a nova democracia. Sem filosofias nem histórias. Filosofias levam muito tempo e não chegam a lugar nenhum, chegam apenas a palavras. Dignidade, justiça. Isso não vende. História? Quem fica olhando o passado não constrói o futuro. Pirâmides? Nunca ouvi falar! Vejo apenas umas pilhas de pedras, que podem ser bombardeadas ou transformadas em um bom muro para evitar invasões.

Você se calou? Ora, não fique triste, as profissões terminam um dia. Ânimo, até a vida humana vai terminar um dia! Lembra dos escribas da Idade Média, que copiavam os livros gregos e romanos e detinham todo o saber do Ocidente? Gutemberg criou a imprensa e acabou com eles. Com vocês está acontecendo algo parecido. Criamos tanta tecnologia que não precisamos mais de pensamento. Precisamos de dedos, para apertar botões nas fábricas e escritórios e contar dinheiro nos bancos. E botões não precisam de professor. Portanto você pode ir pra casa contar sua história para seus netos. Eles vão rir um bocado do avô doido que têm.

PATAVINA’S NEWS


De Nova York, nosso correspondente, franco e atirador, Jean Prévert.

Meu caro Cesar,

Para nós, meros ocidentais, desde pelo menos os gregos que a poesia e a lubricidade andam de mãos dadas. Mas convém não perder de vista que a poesia é uma representação da vida, da morte ou do ato de fazer vida, mas sempre representação, não substituindo o ato, seja ele qual for. Por isso a poesia erótica tem tanta função quanto qualquer poesia – ou seja nenhuma a não ser se estabelecer como arte.
Penso nisso e dedilho essas ideias mais uma vez sentado aqui na Grand Central Station de NY, com meu lap top ao colo e ouvindo chegarem e partirem os trens de hoje e dos ontens. E leio um poeta praticamente xará do teu blog: Patavina do Alcaçuz. Ele nasceu em 1939 na cidade de Alcaçuz, no sertão do Inhamuns, Ceará. E isso é bem perto de Assaré, a cidade natal de Patativa, de quem ele parece parodiar o nome, embora me negasse essa versão, em conversa que tivemos. Me garantiu sim que conheceu Patativa e até mesmo Zé Limeira. Mas negou conhecer João Cabral. Disse ainda que trabalhou na Marinha Mercante e assim teria rodado quase o mundo todo. Sua poesia vai se buscar e fazer na herança satírica que os romanos criaram e tantos portugueses deram continuidade (não foi, Bocage?). Estou organizando uma compilação de sua obra e fazendo um estudo dela e do poeta. Que tal você me arranjar um editor por aí? Enquanto isso, aí vai para você e seu Patavina’s em primeira mão a poesia fescenina de Patavina do Alcaçuz.

Abracadabraço do

Jean Prévert


O Poeta Patavina do Alcaçuz
Se Apresenta Ao Despeitável Público

o meu nome é patavina
não tenho outro de pica
como tem muito sacana
que gosta de uma futrica
deram de me chamar
de corno puto e marica
vagabundo e cachaceiro
pra me deixar titirica
mas o que essa gente diz
pra mim é tudo titica

sou vagabundo de fé
não vim ao mundo a trabalho
encho os córneos de pinga
e nunca que me embaralho
trepo com deus e o mundo
meu negócio é ser bandalho
pode ser homem ou mulher
eu me divirto e não falho
e se vierem os dois
aí mesmo é que eu me espalho

uma vez em petrolina
participei de uma orgia
começou de manhãzinha
e durou mais de dez dias
tinham oito freiras peladas
todas chamadas maria
três governador de estado
que baixaram enfermaria
e mais os rolling stones
animando a putaria

começamos a fudelança
lá pras bandas de minas
paramos em pirapora
pra enrabar dez albinas
no meio do são francisco
acabou-se a vaselina
mas chegamos a juazeiro
metendo por baixo e por cima
se a barca tivesse força
eu fudia até a china

CAIU NA REDE É PIXEL


PINÇO, LOGO EXISTO
o homem é o único animal que pensa
o homem é o único animal que pinça
o homem é o único animal que acredita no Descartes
o homem é o único animal

IMPRESSÕES DIGITAIS


Vamos começar a falar do mundo digital. Afinal, é onde a gente está , não é?


ATENÇÃO!
(AS LEIS DO E-MAIL)

Esta mensagem foi enviada para uso exclusivo do(s) destinatário(s). Sua retenção é terminantemente proibida, assim como sua distribuição, cópia, comentário, memorização ou lembrança em locais públicos ou de âmbito privado ou familiar, tais como estádios de futebol, lanchonetes, óticas e apartamentos de quarto e sala.

Esta mensagem é contra-indicada em pacientes com conhecida hipersensibilidade a qualquer componente da fórmula e seu sigilo é protegido por lei. Caso você a tenha recebido por engano por favor apague-a de seu sistema. Caso você tenha lido, esqueça. Caso você não consiga esquecer, comunique-se com a Secretaria de Estado de Segurança Pública que lhe indicará o hospital conveniado de sua preferência para proceder ao tratamento adequado.

As opiniões contidas nesta mensagem não refletem o seu ponto de vista ou de quaisquer pessoas, incluindo o próprio remetente. Seu taxímetro será acionado somente após a chegada ao local. Ela deve ficar com este lado para cima e ser consumida no prazo máximo de três meses, após o que se autodestruirá. Sua promoção é válida somente para o rodízio.

Ao ler esta mensagem, não ultrapasse a faixa amarela e sorria, você está sendo microfilmado. Lembramos que é proibido conversar com o motorista a respeito desta mensagem e que os jovens, ao completarem 18 anos, devem alistar-se no batalhão mais próximo de seu domicílio de posse dela. Para a sua leitura completa, use o cinto de segurança e não dê comida aos animais. Mantenha essa mensagem afastada de portas pantográficas e de crianças e dirija-se ao guichê ao lado.

Amar é jamais ter que pedir perdão através desta mensagem. Não saia de casa sem ela. Para o escoamento de seus usuários o portão permanecerá aberto até as 18 horas. Desculpe o transtorno, estamos trabalhando para melhor servir esta mensagem a você. Não se esqueça que ela é pagável em qualquer agência bancária. Lembramos ainda que tudo nesta mensagem é força mas só Deus é poder e que a gorjeta não é obrigatória.

AVISO AOS NAUFRAGANTES


ANIVERSÁRIO LITERÁRIO

A EDEM – Escola Dinâmica do Ensino Moderno – está comemorando 40 anos e, nas comemorações, realiza uma festa literária, a Livro Aberto, nos dias 22, 23 e 24 de outubro. Dentre outras atividades, dia 23 tem mesa redonda com Laura Sandroni e roda de leitura com Susana Vargas lendo Machado. Dia 24 tem papo com Marcos Magalhães, diretor do Anima Mundi. E dia 24 tem conversa sobre ilustração com a ilustradora Graça Lima e bate-papo sobre literatura e internet, com os escritores Marcelo Moutinho, Flávio Izhaki, Henrique Rodrigues e este locutor que vos fala, com mediação de Miguel Conde, editor assistente do Prosa e Verso, do Globo.
E EDEM fica na Rua Gago Coutinho, 14, pertinho do largo do Machado. E se você quiser ver a programação completa da Livro Aberto pode ir em
www.edem.g12.br.


CONFRARIA

Depois de quatro anos de existência virtual, com mais de cinco milhões de acessos, a revista literária Confraria se lança em forma de papel nas bancas e livrarias do Brasil e de Portugal. Auto-denominada “revista de pensamento, literatura e arte sem fronteiras”, ela traz um time de primeira. Entrevista com Nei Lopes. Poemas de Arnaldo Antunes. Ensaios do mexicano Octavio Paz e do poeta português E. M. de Melo e Castro. Artigo de Raimundo Carrero. Colunas de Luiz Costa Lima, Carlos Felipe Moisés e Gonçalo M. Tavares. E muito mais. A revista – bimensal – é um lançamento da Confraria do Vento Editora. O endereço on line é
www.revistaconfraria.com. Para colaborações: www.confrariadovento.com/envio.


INVERDADES, DESMENTIRAS, RECASCATAS ETC

Antes de serem condecorados pela Rainha da Inglaterra, os quatro Beatles conversam e fumam um no banheiro do Palácio. Marylin Monroe aos 75 anos pensa na vida, na época em que era atriz e não a presidenta dos Estados Unidos. No balcão de um pub londrino, um bêbado se diverte e puxa assunto com os indianos. É George Bush, que abandonou a política, a família e o AA.
Essas são algumas das histórias que você vai encontrar em Inverdades, livro de contos que André Sant’Anna acaba de lançar pela Editora 7Letras. Além do alto grau de criatividade das idéias do cara, ele também escreve bem pra cacete. Vale a pena.
(Aliás, ele escreve bem, o pai dele é o Sergio Sant’Anna, um dos maiores escritores da literatura brasileira contemporânea, e o tio é o Ivan Sant’Anna, outro puta escritor. Onde estão as Forças de Paz da ONU que não intervêm nessa família, pô?)

“NÚNCARAS” – po+es+ia

rua da aurora
infância onde não pintei
os sete sonhos de valsa
setenta namoradas namorandando por lá

chicletes mascavam dentes
sorvetes de bicicleta beabavam professoras
& carlitos ia ao cinema

os pés de romã subiam por mim
inda me lembro como se fosse amanhã


meus oito ½

o hino ingênuo
o manto azulado
a sombra debaixo
o perfume dos pés

colher tirar
que braços que sonhos
beiras ligeiras
carícias bordadas

respira correndo
atrás azuis
doces delícias
descalços nus

ave marias!
não trazem mais

TODO PROSA


Desde 2016 antes de Cristo já se sabe que o importante é competir. É tão importante que vale até subornar o juiz e pisar na carótida do adversário só para competir por aquela medalhinha dourada.

OS JOGOS

1.
Lembrem-se do inimigo. E lembrem-se que não há inimigos. Sim, porque o motivo da competição é mostrar que somos todos irmãos, humanos. Temos a honra de representar nossa pátria. A mesma honra que todos aqui têm, cada qual com sua pátria. Por isso eu gostaria de parabenizar a todos. Ainda não começamos nossa missão e já vencemos. Porque estarmos aqui, imbuídos desse espírito, é a maior vitória que podemos alcançar.

4.
Lembrem-se das cores de nossa bandeira. Sim, porque ali está a nossa pátria, que vamos defender mais uma vez. E que sacrifício nós, qualquer um de nós, não é capaz de fazer para defender o nome da pátria? Sim, vamos competir. Mas que prazer não teremos em ver o nome de nossa pátria brilhar o mais alto possível nas competições? Que honra não teremos em trazer alguma medalha, uma que seja, para nosso país?

8.
Lembrem-se que os últimos não serão os primeiros. Sim, o importante, sem dúvida, é competir. Esta é nossa meta, nosso fim, nosso destino. Mas ninguém gosta de chegar em último. As pessoas até se conformam que essas coisas aconteçam uma vez, mas certamente se revoltam quando isso se torna rotina. Por isso, desta vez, nos empenhamos tanto na preparação. Portanto, pedimos encarecidamente não questionem nossos métodos. Acreditem! Tomem as pílulas e as injeções. Elas são complementos indispensáveis para o nosso desempenho. E dessa vez, o nosso desempenho engrandecerá as cores de nossa pátria! E as medalhas virão!

12.
Lembrem-se que nossos patrocinadores esperam que cada um cumpra com o seu dever. Sim, porque eles já cumpriram o deles. Investiram uma fortuna em vocês. E esperam retorno. Parem com essa mania de injeção e pílulas, apenas apliquem os chips subcutâneos, mais nada além disso, por favor. Qualquer outra coisa será responsabilidade de cada um, e nós da delegação não nos envolveremos em nenhuma questão legal daí resultante. Às medalhas, minha gente!


16.
Lembrem-se. Vocês são a vergonha do país. Sim, a vergonha, a escória, a ralé. É assim que partimos para mais essa competição. Se vocês querem voltar e ter novamente uma vida normal, ao lado de seus familiares, façam por merecer. Ganhem! Vençam! Derrotem! Usem de todos os expedientes para isso. Da mesma maneira que nós já usamos durante a preparação. Trapaceiem, enganem, fraudem! Vale tudo para competir. E triunfar!

20.
Lembrem-se que o esporte é a continuação da guerra. Sim, foi por isso que fizemos essa tregua nas batalhas e vamos mais uma vez participar dos jogos. Mas dessa vez não basta competir, temos que superar e subjugar os nossos competidores. Lembrem-se que eles também são atletas e que todo atleta adversário é um inimigo e deve ser massacrado da mesma maneira que temos massacrado nossos inimigos no campo de batalha. Que vença o mais forte. E nós já provamos que somos os mais fortes.

24.
Esqueçam o passado. O importante é que vocês estarão defendendo as cores da pátria. Sim, foi para isso que todos vocês foram contratados e naturalizados. Gostaria de desejar sorte, gostaria de agradecer o empenho de cada um e desde já, gostaria de parabenizar a todos. Com vocês, unidos entre si e a nossos patrocinadores, não há a menor possibilidade de não ganharmos todas as medalhas. E, para terminar, gostaria de lembrar mais uma vez: as cores da pátria são verde, amarelo e vermelho! É fácil, são as mesmas de nossos patrocinadores.

HOJE É DIA DE VISITA


Por causas e contas olímpicas, muito se tem falado do Rio e mais ainda planejado para ele. Os poetas também falam das cidades. Não imaginam o traçado do novo transporte nem calculam o quanto de cimento e faturamento se terá. Manuel Bandeira morou de cara pro Santos Dumont e disse: “todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir”. Já Drummond permanece na cidade, seja no bronze sentado em banco de praia, seja etéreo, sobrevoando um Rio de versos.

CANÇÃO DA PARADA DO LUCAS

Manuel Bandeira


Parada do Lucas
- O trem não parou.

Ah, se o trem parasse
Minha alma incendida
Pediria à Noite
Dois seios intactos.

Parada do Lucas
- O trem não parou.

Ah, se o trem parasse
Eu iria aos mangues
Dormir na escureza
Das águas defuntas.

Parada do Lucas
- O trem não parou.

Nada aconteceu
Senão a lembrança
Do crime espantoso
Que o tempo engoliu.


CORAÇÃO NUMEROSO

Carlos Drummond de Andrade

Foi no Rio.
Eu passava na Avenida, quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.
Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.

Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.

Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas
autos abertos correndo caminho do mar
voluptuosidade errante do calor
mil presentes da vida aos homens indiferentes,
que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor.

PATAVINinha’s


- o playground do patavina’s –

E já que é dia das Crianças, menos tênis e mais poesia pra elas.


UM ELEFANTE ELEGANTE


Elias, o elefante
gosta de andar elegante.
No inverno veste terno.
No verão, um bermudão.

O alfaiate Alfredo
é quem costura sua roupa.
Tem que acordar bem cedo
que a tarefa não é pouca.

Fez um casaco listrado
e um colete estampado.
Duas calças de flanela
e uma cueca amarela.
Com a sobra da fazenda
fez quatro meias de renda
e uma blusa sem gola.

Mas que azar...
Na hora de experimentar
o rabo ficou de fora!

PLEASE MISTER POSTMAN


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cesarcar@uninet.com.br


©Cesar Cardoso, 2009. Todos os direitos reservados. E os esquerdos também. Que as pulgas infectadas de 6000 camelos infestem a cama de quem publicar algum texto daqui sem avisar nem dar meu crédito.