ATO LITERÁRIO Nº 5
O Presidente Do Conselho de Segurança Nacional de Invenção Literária,
Considerando que a Literatura Brasileira tem fundamentos e propósitos que visam dar ao país um regime de autêntica imaginação democrática, baseada no respeito à dignidade da personagem e no combate às ideologias contrárias às tradições de nossas obras em prosa e verso,
E de maneira a poder enfrentar os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem artística de nossa pátria
Resolve editar o seguinte ATO LITERÁRIO
Art. 1º - Estão proibidas em todo território nacional as caçadas de Pedrinho, as reinações de Narizinho, as viagens ao céu e as histórias do mundo para crianças.
Art. 2º - Serão investigadas todas as contas da aritmética da Emília. Para tal, o Tribunal de Contas da União indicará especialistas de renome nacional.
Art. 3º - Estão suspensos temporariamente os Doze Trabalhos de Hércules, até que se prove que nenhum deles envolve trabalho escravo.
§ 1º - Quem souber do paradeiro do Sr. Hércules deve informar às autoridades literárias constituídas.
Art. 4º - Serão alvo de investigação todas as fronteiras estabelecidas pela geografia de Dona Benta, sendo providenciadas pelos órgãos responsáveis as necessárias remarcações daí advindas.
Art. 5º - Está decretado o estado de sítio do Picapau Amarelo e estão proibidas quaisquer reuniões com o objetivo de contar histórias em todo o seu território.
Art. 6º - Fica proibida a partir dessa data a fabricação, bem como a distribuição, a venda e o consumo, do pó de pirlimpimpim.
Art. 7º - Estão suspensos por tempo indeterminado os direitos literários dos personagens Dona Benta, Pedrinho, Narizinho, Emília, Tia Nastácia, Visconde de Sabugosa, Quindim e Rabicó.
Art. 8º - O presente Ato Literário entra em vigor nesta data, revogadas as criações em contrário.
Pasárgada, 12 de novembro de 2010.
TIA ANASTÁCIA PROCESSA DONA BENTA
Os advogados de Anastácia Dória, 78, conhecida como Tia Nastácia, entraram ontem com processo na 13ª Vara de Trabalho de Taubaté contra dona Benta Encerrabodes de Oliveira. Anastácia alega ter trabalhado para Dona Benta por 45 anos no Sítio do Picapau Amarelo, exercendo as funções de empregada doméstica, babá, governanta e agricultora, sem receber nenhum salário. E há três anos teria sido despedida e despejada de sua moradia, um barraco nos fundos da casa da fazenda, sem nenhuma indenização. Já os advogados de dona Benta afirmaram em juízo que Anastácia e Benta eram simples amigas e moravam juntas no sítio, nunca tendo havido nenhum vínculo empregatício entre elas. Segundo eles, Benta e Anastácia faziam várias atividades juntas e em comum acordo, como cozinhar, lavar, passar, varrer, cuidar da horta e das crianças. Os sobrinhos de dona Benta, Pedro Encerrabodes de Oliveira e Lucia Encerrabodes Cambará, conhecida como Narizinho, confirmaram em juízo as declarações da tia. E embora não tenha sido levado em consideração pelo juiz, causou frisson no tribunal o depoimento do travesti conhecido como Boneca Emília, que afirmou que Nastácia e Benta eram mais do que amigas, eram amigadas.
Um item apresentado como prova de trabalho pela acusação - o “Livro de Receitas de Dona Benta”- acabou sendo motivo de grande tumulto no tribunal pois nesse momento Tia Nastácia levantou-se e, bastante nervosa, acusou dona Benta de ter roubado dela todas as receitas publicadas na obra. O julgamento teve que ser interrompido até que a Anastácia fosse acalmada por seus advogados. Aguarda-se para amanhã o depoimento-chave do escritor Monteiro Lobato.