sábado, 13 de novembro de 2010

RARO EFEITO

INÉDITO DE CAMÕES

O crítico literário e pesquisador de fontes arcaicas português Pedro Velludo acaba de abalar o mundo literário com mais uma de suas descobertas. Em 2002 Velludo encontrou os documentos que comprovaram a improvável luta de box entre Kafka e Borges na Primeira Bienal do Livro do Rio de Janeiro no ano de 1923; agora ele descobriu em Moçambique, na cidade de Beira (antiga Sofala), três arcas com objetos e papéis que teriam pertencido ao poeta Luiz Vaz de Camões. O pesquisador ainda está estudando o material mas já trouxe a público uma carta encontrada em uma das arcas, que teria sido escrita por Camões para o governador de Moçambique, Pedro Barreto, em 1565, quando o poeta vivia em extrema penúria e tentava regressar a Portugal, o que só conseguiu quatro duros anos depois, em 1569. A carta revela um Camões dilacerado não só pela pobreza mas sobretudo pela perda de sua amada, a chinesa Dinamene, que teria morrido afogada no naufrágio em que o poeta consegue salvar os manuscritos dos Lusíadas. No texto, Camões se culpa, pensa que poderia ter abandonado seu poema e salvado a mulher. Assim, o documento comprova a até então duvidosa existência de Dinamene, revela um lado íntimo de Camões desconhecido e pode jogar uma nova luz sobre a lírica amorosa do poeta. Mas alguns estudiosos, principalmente o grupo construtivista ligado à Faculdade Letras da Universidade de Viana do Castelo, põe em dúvida a veracidade da carta e mesmo de toda a descoberta de Pedro Velludo.

Mas, verdadeira ou falsa, vamos a ela
.

“Sofala, 12 de setembro de 1565

Senhor meu mui amigo,

Já me põe a vida em tamanho espanto como descontentamento. É verdade que me encontro tão pobre que me alimento graças aos amigos e nem mais me lembro do gosto de um caril de caranguejo em ananás. Mas quisera fossem esses meus males. Se o que vejo em volta são águas claras, árvores altas, fontes que correm, aves que cantam, tudo no entanto me sabe a nada e tudo me enfada já. Ah, tivesse deixado em Ceuta toda a visão! Porque em verdade, Senhor, já nada me interessa ver, desde que não a vejo. Sabeis bem do que vos falo, mesmo tendo eu até hoje calado. E se vou aos solavancos nessa conversa é que tanto me custam as lembranças e tanto anseio me forrar de esquecimento antes de me ir. Mas, vos peço, não largai deste papel no qual vos dou conta de mim.

A lagarta sem piedade da morte não me roi de vez a vinha da vida, onde só o que faço é relembrar o naufrágio triste e miserando, de onde um pobre homem pensa que sobreviveu só porque trouxe ao regaço aqueles Cantos molhados. Mas naquele triste dia no Camboja, se com os braços alcancei os manuscritos do meu poema que ainda considero tão valeroso, vi escapar-me entre os dedos a cativa que me tem cativo. Por que não larguei o papelame e me embarafustei mais uma vez ao mar para buscá-la? Lembro ainda sentir seus cabelos a me roçarem os dedos. Ah dia, que de noite me cobriu a vida! Poderia tê-la salvado? Não saberei nunca. E poderei esquecer este fado? Isso sei que não. Pois que é este o mais certo costume da Fortuna: consentir que mais se deseje o que mais presto há-de-negar.

Senhor, depois que daquela terra parti, com minha obra já completa e a vida partida nas algibeiras, ando como quem o faz para o outro mundo, e joguei pelas traseiras da casa quantas esperanças dera de comer até então. Vejo que desenganei os pensamentos e que em mim não ficou pedra sobre pedra. E assim posto em estado que me não via senão por entre lusco e fusco, as derradeiras palavras que disse já em terra firme foram as que depois me entraram pelo poema - a dor que me ficou da mágoa, sem remédio, de perder-te. Ah! Fortuna cruel! Ah! Duros Fados!

Enfim, Senhor, sinto-me perdido pois não sei tão bem fugir a quantos laços nessa terra me armaram os acontecimentos e me conduziu a vida madrasta, nessa tormenta grande em que me vi e ainda me vejo. Sou já um fruto que antes que amadureça, se seca. Nem mesmo consigo chegar ao fim do soneto que vós me encomendaste pela morte de D. Antônio de Noronha. E mal a mal consigo manter a ocupação de escrever as tantas cartas para o Reino.

Eis, Senhor, a triste situação em que me encontro. Agora que sabeis que eu ando não de paz, vos peço: não vos esqueçais de me valer e de me escrever, porque ainda me fica o que dizer e o que fazer nesta hora em que tudo é contra o pobre de Camões.

(Modernização do texto: Miguel Outorga do Castello)

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