segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

CAIU NA REDE É PIXEL

nascer

O ovo é o câncer da galinha. A galinha é o passado da canja. A canja é o efeito colateral da gripe. A gripe é o escritório do termômetro. O termômetro é o símbolo fálico do suvaco. O suvaco é uma axila que não tem erudição. A erudição é um cachorro sem mato. O mato é o cabelo da terra. A terra é o apartamento da minhoca. A minhoca é o desejo do peixe. O peixe é o homem da água. A água é uma invenção da sede. A sede é uma fome em forma de líquido. O líquido às vezes é uma forma de liquidação. A liquidação é a literatura do extermínio. O extermínio é o gozo do poder. O poder é o sorriso da mordida. A mordida é o sexo do dente. O dente é o nocaute do vampiro. O vampiro é a porção voadora da masturbação. A masturbação é o consumo do sonho. O sonho é a Marilyn Monroe do sono. O sono é o provisório do eterno. O eterno é a desculpa esfarrapada de deus. Deus é o almoxarifado do medo. O medo é o garfo e a faca da coragem. A coragem é o sexto mandamento do cinema. O cinema é o pânico da pipoca. A pipoca é a borboleta do milho. O milho é uma civilização. A civilização é um parto partido ao meio. O meio nunca é igual a seu irmão. O irmão é a diferença da repetição. A repetição é o aprendizado e sua morte. E a morte é o fim botando um ovo.


AVISO AOS NAUFRAGANTES


ESCRITORAS SUICIDAS E DEDO DE MOÇA

Minha querida irmãzinha Alice Barreira, colaboradora assídua desse blog, está participando da antologia Dedo de Moça, do site Escritoras Suicidas. Olhem só o timaço das garotas:

Adelaide do Julinho, Alice Barreira, Assionara Souza, Cida Pedrosa, Dominique Lotte, Dona Cecy, Eugênia Fernandes, Florbela de Itamambuca, Jane Sprenger Bodnar, Julya Vasconcelos, Jussara Salazar, Lia Beltrão, Líria Porto, Lucélia Majistral, Márcia Maia, Mariza Lourenço, Nina Rizzi, Patty Flag, Roberta Silva, Ro Druhens, Romina Conti, Santa Maria, Silvana Guimarães, Simone Santana, Suzana Bandeira, Tatiana Alves, Tati Skor, Valéria Tarelho, Verônica Couto e Virna Teixeira.

O livro – que teve organização de Silvana Guimarães e Florbela de Itamambuca – vai ser lançado no sábado, dia 19 de dezembro, na livraria Martins Fontes da avenida Paulista 509 (em Sampa, é claro!). Ah, vai das 15:30 às 18:30. Happy hour, moçada! Vamos lá! Vejam aí o que diz sobre o livro e o blogue Silvana Guimarães, uma das organizadoras da antologia:

Dedo de Moça comemora um projeto que dura (e nos diverte!) há 4 anos. Em outubro de 2005, quando o site Escritoras Suicidas foi lançado na internet, não sabiamos no que ia dar. Hoje o que se sabe é que brincar com estereótipos — ainda que a intenção não seja necessariamente essa — é um jeito gostoso de se quebrar paradigmas.
O livro, com apresentação do músico, compositor e escritor Guttemberg Guarabyra, texto de orelhas do escritor Nelson de Oliveira, e ilustrações de Eliége Jachini, reúne contos e poemas de 30 autoras brasileiras. Bem, nem todas são mulheres. Mas com exceção de Dominique Lotte e Romina Conti, pseudônimos, respectivamente, dos escritores Iosif Landau e Rodrigo de Souza Leão, falecidos em 2009, nenhum outro autor nessa antologia revela sua identidade masculina ou o que existe sob as suas vestes femininas. Vale tentar adivinhar.

“NÚNCARAS” – po+es+ia

Com o poema “Agenda” eu fiquei em segundo lugar no Concurso de Poesia Carlos Drummond de Andrade, do SESC de Brasília. E estive lá na capital da República, recebendo o prêmio. O poema, junto com outros de mais vinte autores também classificados no concurso, fará parte de uma antologia a ser publicada em 2010.

AGENDA
1.
não peça
tome
assalte

onde há luz
leve
o blecaute

no poema
só se vence
por nocaute

2.
pode parar de prever
pra morte não tem
plano B

3.
o que fica
foi
tudo
que não
fiz
esta vida
por um quase
este quase
por um triz

4.
tudo que vibra
nada que tinge

nunca que sangra
sempre que fere

pra ficar nu
só depois de arrancar
a pele

5.
não anote
mais nada
na agenda

o importante
ninguém
desvenda

não registre
a hora ou o dia

anoiteça
você mesmo
sua agonia

IMPRESSÕES DIGITAIS


Meu conto “Caro Poeta Arnaldo Antunes” foi menção honrosa no Concurso de contos Newton Sampaio, da secretaria de cultura do Paraná e vai fazer parte da antologia que será publicada em 2010. Segundo me informou a secretaria, estavam na comissão julgadora do prêmio Marina Colasanti, Miguel Sanches Neto e Flor de Maria Silva Duarte. E eles analisaram 2111 contos. E agora em primeira mão para vocês...

CARO POETA ARNALDO ANTUNES,


Eu resisti muito antes de te escrever essa carta. Juro que resisti. Mas não teve jeito. Eu preciso da tua ajuda. Pelo amor de Deus, Arnaldo, me ajuda.
Mas eu falando assim você até se assusta, pensa que eu sou um louco, é capaz de jogar essa carta fora na primeira lata de lixo. Não faça isso, por favor. Me dá uma chance de explicar tudo, tintim por tintim.
Bom, eu sou casado. E é daí que vem a história toda, do meu casamento. Porque tem a minha mulher, mas eu acho que é melhor eu te contar uma outra coisa primeiro, antes do meu casamento. Se bem que você já sabe que eu sou casado. Isso é bom. Isso faz parte do meu problema e da ajuda que eu vou te pedir. Mas antes eu tenho que contar o problema que eu tenho com você.
Arnaldo, eu roubei um poema teu. Eu sei que a essa altura você está puto comigo, desculpe o puto, eu quis dizer muito aborrecido, mas me dá uma chance porque estou desesperado. Desesperado mesmo. Eu acho que é um caso de vida ou morte. Mas calma, não é vida ou morte sua nem da minha mulher que eu não sou assassino nem nada. É vida ou morte minha mesmo. Por isso eu te peço, continua lendo, Arnaldo.
Eu nunca roubei nada na minha vida. Uma vez uns amigos pegaram a chave da casa de um sujeito mas eu juro que nem entrei lá. Quer dizer, entrei mas não mexi em nada e saí logo. Nós éramos uma turma de crianças, eu, o Caveira, o Bicudo e o Marcelo, e tudo era farra. Roubar mesmo? Nunca! Se roubei um poema teu foi por paixão. Não é por você não, que eu não sou viado nem nada dessas coisas. Também não tenho nada contra não, cada um sabe de si, não é mesmo? Eu explico a minha paixão, Arnaldo, continua aí que eu explico.
Eu tô casado com a Adélia há 3 anos. Eu te contei que a minha mulher se chama Adélia? Bom, eu li tudo que escrevi antes, vi que não tinha contado que ela se chama Adélia, então agora tá contado.
Mas antes da gente casar, eu já conhecia a Adélia. A gente sempre morou na mesma rua e sempre teve um grupo de amigos, desde pequeno e desde pequeno que eu sou apaixonado por ela, desde os cinco anos de idade, pelo menos.
Você teve alguma menina assim, que você foi apaixonado um tempão? Deve ter tido, não é? Eu acho isso super normal. Aliás, eu queria te falar que não foi só um poema que eu peguei. A verdade é que foram vários, sabe, Arnaldo? Eu precisava te dizer logo isso. Mas não perde a paciência comigo, continua lendo aí, por favor.
Eu tava falando de paixão, não é? Da minha paixão desde os cinco anos. É normal. Os meus pais é que tinham essa mania de dizer que isso era maluquice minha, que eu não regulava bem da bola, mas eu não ligava, nunca liguei nem ligo agora, agora que eu e Adélia estamos casados e que eles, meus pais, continuam dizendo que é uma maluquice minha. Eu não ouço mas sei que eles continuam dizendo. Os meus pais são complicados, Arnaldo. Mas deixa isso pra lá. Você deve estar se perguntando onde é que entram os seus poemas nessa história toda. Você pode até estar achando essa história meio maluca, não tá não? Tudo bem, Arnaldo, essa história é meio maluca mesmo.
Eu acho que quando a gente conta as histórias lá de dentro da gente, todas elas são meio malucas. Mas são importantes, Arnaldo. Como os seus poemas. Eles também são meio malucos, não é não? Mas também são importantes. Devem até ser importantes na história da literatura do Brasil, eu acho, não tenho certeza que eu não tenho tanto conhecimento assim. Agora, com certeza são importantíssimos na minha história, Arnaldo. Sabe por quê?
Bom, o problema é que antes de eu e a Adélia sermos casados, antes mesmo da gente namorar, eu já queria namorar com ela, mas não era só eu. É. Tinha um outro cara da rua, o Osório, que também queria namorar a Adélia. Agora, o que você não sabe é que o Osório era considerado o cara mais bonito da rua. E o que você também não sabe é que a Adélia era doida por doce. Era não, ainda é. Mas e daí?, você deve estar se perguntando.
Pois eu respondo. Antes eu queria te dizer que a verdade mesmo é que eu roubei muitos poemas seus, Arnaldo. Mas eu não tive escolha, você vai ver e vai até me dar razão, mesmo ficando puto comigo. Desculpe o puto de novo, mas é só você se segurar aí que eu explico, tá?
Bom, eu tava falando que você devia estar se perguntando. Lá dos doces da Adélia, lembra que eu falei, quer dizer, que eu escrevi mas e daí? E daí que o pai do Osório, o seu Osório, é o dono da melhor loja de doces do bairro.
É um bairro pobre, o nosso. A gente diz que é classe média baixa, mas os outros chamam a gente de pobre mesmo e, dependendo da hora, até de favelado. Bom, você veja então as vantagens que o Osório tinha pra conseguir namorar a Adélia. O mais bonito, o mais paquerado pelas meninas e com todos os doces do mundo pra dar pra qualquer uma delas, principalmente pra Adélia, que ele já tava de olho e que ela adorava doce.
Eu também tentava agradar a Adélia. Sempre juntava dinheiro pra comprar flor pra ela. Até que um dia descobri que ela tinha alergia e não podia ter flor em casa. Ela sempre jogava fora as flores que eu comprava. Você veja que azar, Arnaldo!
Além disso, eu pedia ajuda aos meus pais. Mas eles só diziam para eu parar com essa mania, se a família dela descobrisse eu ainda acabava preso como tarado, louco, essas coisas, e meu pai ainda gritava vai é trabalhar, seu vagabundo. Bem alto, pra vizinhança toda escutar. E eu ainda não te falei, mas a Adélia e a família dela eram nossos vizinhos. O meu pai é muito complicado, sabe, Arnaldo. Mas deixa isso pra lá.
Daí teve o baile que a gente foi, no clube lá perto de casa. Tocou Titãs a noite toda. Disseram até que vocês iam aparecer, mas vocês não apareceram não. Deve ter sido mentira do pessoal. Todo mundo aqui no bairro mente muito, Arnaldo. Parece uma epidemia. E o engraçado é que as mentiras são sempre pra aumentar as coisas. Eu acho que a turma aqui é meio complexada pela pobreza, daí tentam esconder, mas isso já é outro assunto.
Bom, onde eu estava? Ah, já vi, no baile. A Adélia dançou comigo e com o Osório também. O problema é que o Osório dançava muito melhor que eu. Eu acho que é por causa da minha perna, eu tive um desastre de bonde quando eu tinha sete anos, sabe? E fiquei com esse problema. Mas isso não vem ao caso.
Problema mesmo era o Osório sempre melhor que eu. Foi quando eu tive a idéia de escrever uma carta pra Adélia, contando todo o meu problema, quer dizer, problema não, contando todo o meu amor por ela. O problema era não ter o amor dela por mim, mas eu não podia escrever uma carta de amor reclamando e exigindo o amor dela, não é não? Foi o que eu pensei depois de escrever umas vinte cartas.
Eu menti. Não foram umas vinte cartas. Foram mais de cem. E nenhuma prestava, Arnaldo, te juro que nenhuma prestava. Me deu um desespero. Eu não fazia outra coisa a não ser escrever carta, dia e noite e não adiantava nada, eu ia perder a mulher da minha vida. Sabe lá o que é isso? Ainda por cima com seu pai e sua mãe em cima, dizendo que você tá doido de vez, não tem mais saída? Sabe como que isso dói dentro de um sujeito?
Mas eu conto, conto e não te conto, não é, Arnaldo? Tá vendo como eu não sei escrever?
Bom, eu não sei escrever mas eu gosto de ler. Eu leio sempre. E eu gosto de ler poesia, sabe? Meus pais, pra variar, são contra, perda de tempo!, esquisitice! É o que eles sempre gritaram. Eles gritam muito, sabe? Mas eu gosto. Quer dizer, não gosto dos gritos, gosto de poesia. Foi uma professora que lia pra gente em sala, em vez de dar aula. Muito boa essa idéia dela, porque aquelas rimas, aqueles sons, aquilo tudo entrou na minha cabeça e nunca mais saiu e nunca teve nada melhor que entrasse na minha cabeça e se eu pudesse eu seria mesmo é poeta, eu daria tudo para ser poeta, tudo. Menos o amor de Adélia, é claro. Aliás o caso aqui foi bem ao contrário. Eu dei o poeta em troca do amor dela.
E o poeta era você, Arnaldo. Foi, sim. No desespero, eu tive uma idéia. Eu tinha uns livros teus, o Palavra Desordem, o As Coisas e mais uns. Na verdade eu acho que tenho todos os seus livros. Você podia autografar eles pra mim. Mas isso já é outra conversa. Você vê, numa carta dessas eu tenho a maior dificuldade de manter o fio da meada e ir no assunto certo, como é que eu ia ser poeta? Se bem que poeta não mantém muito o fio. Mas olha eu indo embora de novo.
Bom, eu peguei teus textos, copiei com a minha letra e comecei a mandar pra Adélia, como se fossem poemas meus pra ela. Foi isso que eu fiz.
Fiz mal? Fiz, é verdade, os poemas são teus, você que queimou a mufa criando aquilo tudo. Mas o que a gente não faz por amor? Tudo, tudo, tudo! Eu já falei, não é? Quer dizer, crime eu também já falei que não faço, mas o resto? Qualquer coisa, Arnaldo! Bom, viadagem também não, mas eu já falei disso. Daí que eu fiz essa loucura.
E deu certo, ela ficou doida por mim! O sonho dela era namorar um poeta. Ou passou a ser. E eu nem sabia disso! Tava escrito, não tava não? Eu gosto dessa mulher desde os cinco anos! E acertei na mosca, Arnaldo! Ela me escolheu! Ela não quis mais nada com o Osório!
Olha só, adivinha qual foi o primeiro poema teu que eu mandei? Pensou aí? Vê se você acertou, foi aquele que começa assim ó: estamos sob o mesmo teto / secreto / (tem que botar esse tracinho quando escreve verso seguido assim, não tem, Arnaldo?) onde o sol indesejável é barrado / eu e você / sob o mesmo nós / dois, sóis / sob o mesmo pôr / (o enigma do amor).
Esse enigma do amor ela vive repetindo até hoje. E ela nem sabia o que que queria dizer enigma. O pior é que ela me perguntou e eu também não sabia. Daí eu embromei, é uma coisa, assim, misteriosa, eu chutei. E não é que era mesmo, que depois eu olhei no dicionário?
Daí eu segui mandando os teus poemas. Caramba, não dava pra parar, Arnaldo. o seu / olhar melhora / o meu. Eu ainda imitava o jeito que você fazia pra botar o poema na página. Você é craque nisso, hein? Isso é que é o tal do poema visual, não é? E te digo mais, tinha uns poemas que dava pra dividir em três ou quatro partes, viravam três ou quatro poemas, porque eram grandes e eu aproveitava.
Tem aquele, porque eu te olhava e você era o meu cinema, a minha Scarlet O’Hara, a minha Excalibur, a minha Salambô, a minha Nastassia Filípovna, a minha Brigite Bardot... e vai por aí afora. Esse eu dividi em várias partes. Tinha umas mulheres que eu nunca ouvi falar, daí eu inventei que elas eram estrelas de cinema ou heroínas, sei lá, da revolução russa e da francesa, que eram as revoluções que eu lembrava.
E aí eu tenho que te contar mais uma coisa chata. Que começou nesse poema aí. É que eu me empolguei e chegou uma hora em que ele ia acabar. Daí eu comecei a inventar eu mesmo mais um monte de nomes pro poema render mais. Eu não fiz por mal, nem por falta de respeito, Arnaldo. É que aquilo tudo era um sucesso. Eu tinha conseguido o que mais queria na vida, o amor de Adélia. Eu tinha descoberto que o sucesso é a felicidade, Arnaldo.
E eu fui: porque eu te olhava e você era a minha praia, a minha miss Suéter, o meu éter, o meu halteres, o meu conhaque, a minha Rita Cadillac... E por aí afora. Eu virei teu parceiro.
Desculpa. Eu não sei te explicar, quer dizer, eu expliquei o que eu consigo. Como eu te falei, o meu amor por Adélia. E como você falou, nem todas as respostas cabem num adulto.
Mas o que aconteceu foi que eu e Adélia viramos namorados, viramos noivos e viramos marido e mulher. Mesmo com os meus pais dando contra. Você acredita que eles não foram no meu casamento? E quando eu perguntei o que que a Adélia tinha de errado pra entrar na nossa família, sabe o que eles me disseram? Que o que estava errado era eu entrar na família dela.
Bom, eu cortei relações com os meus pais. E eu e Adélia fomos morar numa casa quase na esquina da nossa rua. Daí foi tudo bem, sabe? A gente se ama, nossa vida de casado é ótima, a gente nunca briga, a gente trabalha pra caramba e agora a Adélia tá grávida. Cinco meses. Até minha mãe apareceu por aqui, quer dizer, rondando aqui pela porta da casa, de olho comprido.
Você não deve estar entendendo. Se tá tudo essa maravilha pra que que esse idiota tá me escrevendo pra dizer que roubou meus poemas? Pra eu ir na delegacia e botar ele na cadeia? Você deve estar se perguntando bem assim, não é? Mas eu te peço pra não dar queixa de mim não, nem me botar na cadeia. E eu explico. Vem tragédia aí, Arnaldo, te prepara porque vem tragédia.
É por isso que eu te escrevo. Quer dizer, por causa da tragédia que eu vou contar agora. Arnaldo, você já pensou em fazer um poema sobre a Confeitaria Colombo? É que lá do lado do meu trabalho tinha uma Confeitaria Colombo linda. Mas agora eles fecharam a confeitaria e abriram uma agência de automóveis no lugar. Você acha isso certo? Isso não dá um poema?
Mas agora eu não quero falar de poesia. Depois a gente conversa disso. O negócio foi o seguinte. Um dia eu chego em casa e a Adélia tava com um livro seu numa mão e todas as minhas cartas-poemas na outra. E o livro era logo o Palavra Desordem, que eu tinha feito um monte de cartazes com umas letras iguais as que você pôs. E eu pegava as tuas palavras desordem, não é isso?, não é esse o nome?, e ia juntando umas com as outras, inventando umas continuações, fazendo o diabo, viu, Arnaldo? Me desculpe, aliás, não é?
Mas o negócio é que a Adélia descobriu que os meus poemas não eram meus. Agora, como? Os teus livros, eu deixo no trabalho, exatamente pra que nunca tivesse o risco dela pegar por acaso, tirando o pó, porque ela não gosta de ler. E isso me dava certeza que eu nunca ia ser pego.
Mas agora é isso. O meu casamento está, como se diz?, em cheque, lascado, em crise, desculpe o termo mas fudido mesmo, porque a Adélia descobriu que o poeta por quem ela se apaixonou nunca existiu. Era só um ladrão de versos. E não adianta eu falar de tudo que a gente construiu, da nossa felicidade, da nossa filha que vem aí (é uma menina!), e sei lá eu mais do quê, já me virei a falar de tudo, até um outro poema teu eu pensei em usar mas depois achei melhor não.
Ela quer ir embora, Arnaldo, levando nossa filha e levando a ela própria, que é tudo que eu tenho na minha vida, que nem é lá essas coisas, mas que ficou tão boa, tão maravilhosa desde que a gente está junto.
Eu vou te falar com sinceridade, eu não queria nenhuma outra vida, eu não trocava a minha nem pra ser rico, milionário, político, jogador de futebol, artista de novela. No duro, eu não queria ser nem o poeta Arnaldo Antunes que eu admiro tanto, viu?
É, eu sei que é esquisito o que eu falei aí em cima. Se eu não queria ser você por que que roubei teus poemas, né? Desculpe.
Mas eu preciso te contar a verdade. Eu não tô te escrevendo pra pedir desculpa. Não. Pelo menos não só por isso. Eu te peço desculpas, sim, mas eu tô te escrevendo principalmente porque eu preciso muito da tua ajuda. E eu nem sei o que que eu te peço. Acho que eu vou precisar pedir a tua ajuda até nisso, você vai ter que me ajudar a saber como você vai me ajudar, Arnaldo.
Eu sei que é confuso, eu nunca fui uma pessoa muito clara. As professoras sempre escreviam isso nas minhas provas, mas eu não consegui mudar. O máximo que eu consegui foi passar de ano até completar o segundo grau. Agora, como foi que a Adélia descobriu tudo isso, dos livros e tal? Pra mim, alguém me dedurou. Daí sabe o que eu pensei? Será que você escrevia uma carta pra ela, dizendo que eu sou seu parceiro mas nunca quis aparecer? O que que você acha disso, Arnaldo?
Se bem que uma outra carta tua ela pode achar que fui eu que fiz de novo. Desculpe, idéia não é o meu forte.
Ah, já sei! E se você desse um pulo aqui em casa e dissesse isso pra ela? Você podia vir bem de noite, quando a rua já estivesse vazia, o pessoal aqui dorme cedo que todo mundo também acorda cedo pra ir trabalhar. Assim ninguém te perturbava. Quem sabe eu trazia os teus livros que eu guardo no trabalho e você até autografava eles.
Mas essa idéia também não é boa. Vai te dar uma trabalheira danada. E logo com quem? Com um cara que roubou os seus poemas. Agora, isso continua martelando aqui dentro de mim, alguém contou essa história pra Adélia.
É bem capaz de ter sido coisa dos meus pais. Quando eu comecei a escrever os poemas, quer dizer, copiar teus poemas pra Adélia eu ainda morava com eles. E minha mãe sempre bisbilhotou minhas coisas. Ela pode muito bem ter encontrado e os dois guardaram esse troço, esse segredo, pra usar na melhor hora. E qual a melhor hora pra uns pais que detestam o filho que têm? Ora, quando a mulher dele está grávida, é ou não é? Que assim acaba o casamento e ainda afasta a filha do cara, olha só, não faz sentido? Faz sentido sim!
E se você dissesse pra ela que foi ao contrário? Que você que roubou os meus poemas? Mas espera aí, e se foi o sacana do Osório que descobriu tudo e contou pra Adélia? Como que ele descobriu eu não sei, mas pode ter sido, não pode?
Ou então você diz que você compra as coisas que eu escrevo. Faziam isso no samba, não é? Eu soube que o Moreira da Silva, o cara do samba de breque, comprou samba à beça. E mesmo assim todo mundo respeita ele, o Moreira morreu sendo considerado um grande cantor. E você também já é um grande cantor. Ninguém vai te desconsiderar por isso, não vai mesmo, eu garanto. Quer dizer, garantir mesmo, eu não posso não, Arnaldo.
Eu não sei mais o que dizer. Sei lá. Você quer ser amante da minha mulher? Ela é linda. E eu me conformo. Pra não perder Adélia, eu me conformo.
Eu não quis te ofender nem nada. É que eu estou perdido. Se você me ajudar, o que que eu posso te dar em troca? Te chamo pra padrinho da minha filha. Se bem que ser padrinho de filha de pobre não é homenagem, é trabalho, encrenca. Posso batizar ela de Arnalda, em tua consideração.
O que mais? Posso te prometer que nunca mais eu roubo os teus poemas, nunca mais. Isso já está prometido desde já. Mas eu continuo precisando da tua ajuda, Arnaldo. Por favor. Olha, “Parecem longe mas são pequenos. Parecem mortos mas estão quietos. Parecem terra mas estão vivos. Parecem letras nos livros.”, Arnaldo.

UM CASO CRÔNICO


Eis aí a minha crônica mensal da revista Caros Amigos, que já está nas boas bancas do ramo de todo o país. No número de dezembro: Agrotóxicos envenenam a comida do brasileiro; entrevistas com Carlos Nelson Coutinho e com o ministro dos direitos humanos Paulo Vannuchi: “vamos abrir os arquivos da ditadura”. E o timaço da Caros Amigos, com Frei Betto, Ana Miranda, Emir Sader e muito mais.

SHAZAM!

E chega o fim do ano. Mas quem ainda precisa de calendários, Papai Noel, décimo-terceiro? Nós é que não. Estamos a um passo da perfeição. Mais do que um novo ano, uma nova era se inicia no planeta. Na noite de Natal, vamos todos assistir ao especial apresentado por William Obama e Fatimadona Bernardes. O Rio foi escolhido cidade-sede do evento. Mais de três milhões de pessoas vão lotar a praia de Copacabana para ver Deus em pessoa passar às mãos de Cristiano Ronaldo, o representante da humanidade e da Nike, não uma tábua, mas um kindle, com o novo e único mandamento que substitui os outros dez e diz: “Não Errarás”. E no site www.novomandamento.com as pessoas poderão votar e escolher o casal que vai passar três meses no paraíso, vivendo do mesmo jeito que Adão e Eva. E mais: Deus e Alá também vão estar lá, ao alcance das câmeras, e concorrendo ao título de melhor divindade.

Mas enquanto o Big Father não começa, Deus chama seu filho e Jesus apresenta à humanidade as novas hóstias que serão distribuídas a todos nas igrejas e farmácias. São feitas de prozac e viagra e dispensam receita médica. Quem toma se arrepende de seus erros? Muito melhor: quem toma não erra nunca mais. E ainda há o modelo infantil, de farinha orgânica e ritalina.

Seremos finalmente uma sociedade de super-heróis. Que venham os apagões, nós enxergaremos no escuro. Que venham as blitzes no trânsito. Nós gritaremos shazam e voaremos bêbados pelos céus da cidade. Que venham as doenças, as guerras e as mortes. Cada ser humano estará dopado o suficiente para não perceber nada.

E eliminaremos para sempre o medo do goleiro diante do erro.

- LHUFAS - coisa com coisa nenhuma –


É NATAL:
SÃO TRÊS DIAS DE FOLIA E BRINCADEIRA!



Bimbalham os sinos! Chegou o Natal, tempo de amor, fraternidade e especial do Roberto Carlos! Mas muitos estão descrentes e desesperançados com os caminhos da humanidade. Gente, pensamento positivo: a humanidade que se foda, nós temos é que resgatar o espírito do Natal, além de impedir que o filho da puta do seu cunhado te dê outro par de meia de amigo oculto. Por isso sequestramos Papai Noel e exigimos como resgate o fim das hostilidades no Afeganistão e o a interrupção imediata das emissões de gás carbônico em todo o planeta. Mas, se em vez disso quiserem mandar a Juliana Paes peladona pra passar o Ano Novo aqui em casa também tem jogo. Enquanto a gente resolve essa paradinha, a socióloga anglo-britânica Mary Christmas destrincha qual um peru as entranhas dessa festa. Bote seu sapatinho na janela e prepare o seu coração pras coisas que ela vai contar!


O NATAL ATRAVÉS DOS TEMPOS QUE FORAM PASSANDO E A GENTE NEM REPAROU, PUTA MERDA! ESQUECI O PERU NO FORNO!

A primeira nação a comemorar algo parecido com o Natal foi a Índia. Os indianos associavam o Natal às Vacâncias, festas em homenagem à vaca, seu animal sagrado. Eles tentaram até crucificar a vaca, pra ela ficar mais parecida com Jesus, mas não tinha Cristo que conseguisse levantar aquele monte de bife até à cruz. Então a vaca foi encarregada de levar presentes de casa em casa. Mas ela arrastava a presentada toda pro mato e ninguém podia chiar, já que o bicho é sagrado. Dava a maior trabalheira enfiar a bovina dentro de casa outra vez. E antes que alguém desembrulhasse o primeiro presente ela já tinha soltado um barro no meio da sala. A essa altura ninguém mais tinha apetite pra comer a ceia. Agora, foda mesmo era enfiar a vaca naquela roupinha vermelha.

Da Índia o Natal migrou para o Império Romano. Roma era uma espécie de Salvador sem azeite de dendê: tinha festa o ano inteiro. Eles comemoravam desde a fertilidade do solo e as boas colheitas até a extração de unhas encravadas. Certa vez notaram que entre as Saturnais do início de dezembro e as Surubais que abriam o Ano Novo não rolava nada. Daí resolveram fazer uma festa infantil. Na noite de 24 para 25 de dezembro um velho nu sairia correndo atrás das crianças. Mas já havia algo parecido, uma noite em que as crianças nuas corriam atrás dos velhos. Por fim, ficou acertado que um velhinho vestido de vermelho traria presentes para a garotada enquanto os pais nus besuntavam os vizinhos com geléia de alecrim.

Hoje em dia muitos povos ainda mantém formas tradicionais de comemoração. Na Calábria, terra da Máfia, na hora do amigo oculto todo mundo ganha capanga. E em Cuba há muita camaradagem, com destaque para as canções típicas de natal como “Papai Noel Dá Vivas ao Companheiro Fidel”.


O SIMBOLISMO DOS SÍMBOLOS SIMBÓLICOS

A ÁRVORE – foi introduzida em Israel para a criançada não alcançar os brinquedos, que acabavam sempre guardados para o próximo ano.

O PERU E A RABANADA – primeiro tentaram introduzir o peru no próprio Papai Noel mas o Bom Velhinho virou bicho e saiu quebrando tudo. Depois, Átila, o Huno, quis comemorar o Natal com todos os povos sob seu domínio, para dar uma prova de que era um homem de paz. Ele entrou com o peru e a turma com a rabanada. Mas a Igreja católica achou aquilo tudo uma putaria e criou o exame pré-natal, revistando todo mundo que chegava pra ceia.

PAPAI NOEL – a imagem do Bom Velhinho dando presentes é tão antiga quanto a do Jader Barbalho fazendo sacanagem em Belém. Mas nem sempre foi assim. Já houve mamães noéis também. Testes de carbono 14 indicaram que Tônia Carrero e Hebe Camargo trabalharam como Mamãe Noel no início de suas carreiras, no Coliseu, em Roma.

O COMÉRCIO – quem começou a comercializar o Natal foi a própria igreja católica. O Evangelho de São Maicon afirma que quando os Reis Magos chegaram com seus presentes, José já teria chiado: “Pronto! Começaram a mimar o garoto!” E durante a Idade Média, época sem dúvida medieval, a Igreja aproveitou pra faturar: quem quisesse participar do Natal era obrigado a pagar a taxa de natalidade em qualquer agência Bradesco da Europa.


É NATAL NAS TELAS

Você é um zé mané e a sua família nem te convida pra ceia? Calma! O famoso crítico de cinema Also Starring indica aqui três grandes clássicos do cinema para despertar o seu espírito natalício.

Perdidos na Noite de Natal – Noite feliz no Aeroporto Internacional do Galeão. Os três reis magos desembarcam e declaram na Alfândega: viemos trazer o incenso, o ouro e a mirra. A Polícia Federal leva o trio em cana.

Rena Marcada Para Morrer – Na Baixada Fluminense todos aguardam a chegada do Bom Velhinho. Mal ele aterrisa o trenó, a turma cai matando em cima das renas pra fazer um churrascão na laje.

Adivinhe Quem Vem Para Cear – Meia noite do dia 24 em Brasília. José Genoíno e Zé Dirceu tomaram todas, estão apertados pra mijar e não tem mais nada aberto. Eles resolvem dar uma passadinha no Palácio do Planalto, pra ir ao banheiro, matar as saudades e levar uma lembrancinha. Tocam o interfone, mas Lula manda dona Marisa desligar a luz e fingir que não tem ninguém em casa.

HOJE A FESTA É NOSSA NINGUÉM TASCA EU VI PRIMEIRO!

Pra você parar de falar merda de improviso na festinha de Natal da empresa, aqui vai um discurso prontinho. Agora você já pode falar merda sem ser de improviso, seu bosta!

“Meus amigos,

A nossa família sempre foi uma empresa. Não, não é bem isso. Pensando bem é exatamente o contrário. Vocês sabem. O espírito de fraternidade e liberdade que comanda essa festa é o mesmo que reina na empresa durante cada dia do ano. Ou alguém vai dizer que não? Aqui todo mundo é igual, porra! E quando Jesus morreu na cruz ele estava querendo nos dizer algo. Ah, tava! Dou meu rabo se ele não tava! Vocês acham que alguém é maluco de ficar pregado assim, sem mais nem menos? Nem por um caralho! E hoje nós estamos aqui para meditar sobre essa mensagem jesuítica. Olha essa serpentina no meu uísque, ô filho da puta! É por isso que eu digo: sigam o exemplo de Jesus! Sim, porque pro ano nós temos que fazer um milagre senão essa bosta aqui vai pro buraco e adeus emprego! É isso aí, pessoal. Feliz Páscoa!”

PLEASE MISTER POSTMAN

(Foto de Walter Firmo)

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©Cesar Cardoso, 2009. Todos os direitos reservados. E os esquerdos também. Que as pulgas infectadas de 6000 camelos infestem a cama de quem publicar algum texto daqui sem avisar nem dar meu crédito.