domingo, 4 de julho de 2010

A COZINHA DA COPA

GANHE ESTA VAGA NA FINAL DA COPA!

VOCÊ MORREU?
E DAÍ? A SELEÇÃO BRASILEIRA TAMBÉM!
ISSO NÃO É MOTIVO PRA DESANIMAR!

PAI ZIDANE DE OGUM
LEVA VOCÊ À AFRICA!

QUE TAL SER ENTERRADO
À BEIRA DO GRAMADO DO SOCCER CITY?

E VOCÊ AINDA ASSISTE À FINAL DA COPA
E AO FIM DA ERA DUNGA.

VOCÊ NÃO VAI PERDER ISSO, VAI?

UM CONTO, UM PONTO

Ponta esquerda do Madureira na década de 60, Baratinha devia o apelido à velocidade com que chegava à linha de fundo. Ou simplesmente à velocidade, que foi uma marca de sua vida. Encerrou a carreira de jogador precocemente, graças a lesões nos dois meniscos, rapidamente perdeu o que tinha, o que incluiu a mulher que se mandou com os dois filhos, se entregou ao alcoolismo, caiu no crime pra sustentar seus vícios e acabou na cadeia. Ali, por fim, com as grades à sua frente, teve que refrear a velocidade. E sem nenhum zagueiro para ser driblado,conseguiu olhar pra trás. Se lembrou do avô, que gostava de ler e gastava dinheiro comprando livros que trazia escondido para casa e mostrava ao neto. Nos melhores momentos, era considerado meio doido pela família. Nos piores, um egoísta-filho-da-puta. Baratinha resolveu ler e escrever, como fazia o avô. Mas a velocidade, mas uma vez. Um câncer fulminante no pulmão acabou com a sua vida.
Pelo menos foi isso que me contou seu filho mais velho, que reencontrou o pai pouco antes de sua morte, recolheu alguns de seus contos e me enviou. Nesses tempos tão heróicos de Copa do Mundo, aqui vai uma história sem grandes bravuras, sem taças e talvez sem vencedores, escrita por um derrotado. Um conto do escritor Baratinha, até então inédito.

A TAÇA DO MUNDO É NOSSA

Apa-manpan-hãpã tempem jopo-gopo dopo Brapra-silpil. É com a Tche-cos-lo-vá-quia. Putz, que nome legal. Até que eu podia ter nascido lá. Mas o pai falou que porra brasileiro torce é pelo Brasil. Mano implicou. Que só bobo enfia na cabeça de torcer pela Tche-cos-lo-vá-quia. Putocavaloburro. Eu bem queria. Vô mostrou no mapa onde é que fica. Com um nome desse, pensei que fosse um país tamanho dum bonde. Que o quê. De muito menor que o Brasil. E gozado, amarelo!

Perguntei pro Vô se dava pra gente ir morar lá. Mas é que na Tche-cos-lo-vá-quia falam outra língua. Mais enrolada ainda que o quesquissé da Madame Malpas do Cabelo Azul. Dizque demora um tempão de tempo pra aprender. Vai ver que lá só adulto é que pode falar também. Pior de tudo, não tem nenhuma serraria. Foi o que o Vô resmungou. Eu quis saber porque. Ele ficou olhando pra longe, com aquele jeito que anda agora. E não falou mais nem um tico de nada. Juro três vezes, tava era pensando na serraria dele. Que já nem é mais. Seu João-Vem-Caputo comprou e acabou até com meus banhos de rio. Por que vendeu o rio também, Vô? Já não me responde quase. Esqueceu dos selos. Não pede pra comprar cigarro escondido. Não perde no crapô pra eu ficar alegre. Nem me leva pra comer bolinho de bacalhau e me dá uns golinhos de chopp quando eu tiro nota boa. Ou quando tá sol, o Vasco vence. O chopp é amargo-amargo, eu fecho os olhos, engulo, a gente ri um pro outro, ele pisca o olho e é tão gostoso.

*

Não é que agorinha já bem de noitão Vô resolveu contar história? Montão de tempo não contava. Eu pedia, mãe vinha com aquela conversa de meu filhinho seu avô tá cansado fica pra outro dia... Dia do Nunca Chega é que é.

Chegou. No meio do não-dorme-dorme mãe foi lá no quarto. Mas eu vi logo que era coisa boa porque ela chamou baixinho. Todo mundo pro quarto do Vô. Até o pai e a Cléia, que não gostaram nunca de história. O Vô sentou na cama e se transformou no homem-cobra, com aquela cruzada de perna que ele dá desde que ficou magro, enroscando uma na outra. Num instante eu tava rindo, porque as histórias do homem-cobra são boas à beça. É diferente, sei lá. As do camaleão branco são engraçadas. As do monstro do milharal dão cada susto! Mas as do homem-cobra têm de tudo. Riso, fantasma, rei, mocinha bonita em perigo. Tanta coisa! O problema é que às vezes elas não terminam e no dia seguinte Vô não lembra mais. Será que essa tem final? Feliz?

*

Era uma vez um avô português deitado na cama. Dormindo dentro de um sonho. Daí ele acordou com barulho de passarada. Quando foi ver, era pássaro que nada! Uns homens de asas azuis azuis nadavam num brilho de luz. E eles chamavam o avô português pra uma viagem muito do longe. Chamavam com os olhos, os cabelos, o nariz. Menos com a boca.

Num instante eu perguntei se era pra Tche-cos-lo-vá-quia. O pai danou mandando calar a boca. Coitado do pai. Não entende nada de história. Porque o homem-cobra riu na hora, que o avô português esteve por lá sim senhor. No país amarelo de língua enrolada. E pediu prum moço da terra abrir uma serraria na beira de um rio mansinho com praia de areia rala e água gelada, boa de arrepio, que nem o meu rio Bengala. O tal do moço sorriu um sim. E jurou três vezes. Quando estiver tudo pra funcionar vem aqui em casa contar pra mim, me levar pra brincar no rio de lá.

Já comecei a adorar a história e acho mesmo que vou torcer pra Tchecoslováquia. Torcer pra dentro, igual quando eu penso besteira e não posso falar. Putamerdapiru. Bem capaz até do homem-cobra torcer junto. Ele contou que o avô português acordado dentro do sonho foi na Áustria-capital-Viena, na Inglaterra-capital-Londres e na Itália... Itália... capital-Roma, que é mesmo uma bota igualzinha à do meu quebra-cabeça. Na França-do-rio-Sena, pra cima e pra baixo por toda a Europa e até na China que nem tá na Copa mas tem a muralha, puxa!, na Islândia que eu não consigo lembrar a cor. Ia voando, sem fome, sem frio nem medo de tombo, ralar a perna. Como é que pode? Os homens de asas azuiz azuis ensinam pra gente, tão fácil voar que só um bobo mesmo não aprende.

Em todo lugar que o avô português chegava gente e mais gente vinha conversar. Pediam pra ele ensinar como é que se corta a madeira, pega na pua prum buraco certinho e se passa a plaina pra ficar bem liso, sem a danada da farpa espetar nossa mão. Ele sempre dizendo. Dizendo às pessoas pra usar parafuso, parafuso entendeu? Porque prego machuca a madeira de ela até perder a vontade de criar tanta coisa. A mesa onde a gente almoça com vinho e corta a manga com garfo e faca. A caixa com fecho de ponto de interrogação pra guardar selo e lembrar que a república magiar é a Hungria mesmo. A caixa de costura da vó que ela deixa aberta pra gente roubar botão escondido. Tem tanta caixa no mundo. A estante com o dicionário de palavras cruzadas e os cadernos com as histórias dos reis de Portugal na letra corre-corre que nem dá tempo da caneta-tinteiro fazer borrão. E cadeira e armário e tudo de tanto. Nem eu sabia que madeira serve pra assim de coisas. O homem-cobra não tinha me contado tudo isso.

Depois de tanto voamundo deu saudades e o avô português voltou pra casa. Eram muitos de muitos homens de asas azuis azuis. Um deles entregou um manto, que o homem-cobra me explicou que é uma capa. Ele entregou assim, com os olhos, os cabelos, o nariz, menos com a mão. E sorriu que o avô português era o santo padroeiro das serrarias do Brasil. Perguntei o que é que faz um santo padroeiro e se também tem retrato pra colar no caderno. Mas o homem-cobra não disse mais nada de nada. E então o Vô descruzou as pernas e dormiu. Mãe começou no quer-chorar que eu conheço bem direito. Nem adianta ela prender o beiço, ele treme todo. O pai levou mano e eu de volta pro quarto e deu um beijo em cada um pra gente dormir de uma vez. Eu ainda fiquei foi pensando: será que é mesmo tão fácil voar?

*

Hoje de manhã o Brasil ganhou. Não sei porque eles lá na Europa têm mania de jogar de manhã, aqui é sempre de tarde. Às vezes tem de noite mas aí é só pro pai, que não vai pra escola cedinho. Teve foguete e cantoria por todo lado. Menos do lado de dentro. Em casa ninguém ficou contente. Mesmo o mano pedindo, pai nem terminou de escutar o jogo. Parecia que a gente era a Tche-cos-lo-vá-quia. A mãe engoliu o beiço e levou eu e mano pra almoçar na casa de Tia Aída. Mas hoje não tinha biscoito e suco e pirulito e picolé até sair um premiado. E a tia até esqueceu de mandar todo mundo tirar o sapato e pisar nas flanelinhas que ela espalha pelo chão.

Noite de volta pra casa tinha uma porção de gente que eu nem conhecia tudo. Não vi o Vô. Mesmo sem eu e o mano brigar o pai mandou a gente ficar no quarto. Eu dei de cismar que queria fazer xixi. Do banheiro corri pra cozinha e perguntei a mãe cadê o Vô. Ela me fez um carinho e como tinha engolido o beiço resolveu falar assim com os olhos, os cabelos e o nariz, que eu nem nunca tinha visto que ela também sabia. Vô foi pro céu e tem por lá uma serraria bem grande só pra ele, não é que São Pedro tá precisando de um armário e de uma cadeiras? Claro, claro, ele foi voando. Mas neca, seu Nelson não vai levar carregamento de madeira pro Vô no céu não. Que tem delas de todo tipo lá em cima, mesmo não dando pra gente ver daqui, até de binóculo. E parece que nem pode entrar carreta. Vô deixou os selos, os cadernos e mais um monte de coisa. Pra eu tomar conta direitinho. Pra quê? Pra eu lembrar dele porque não se volta do céu não. É assim mesmo. E é bom. Eu vou entender quando eu for grande.

Mas aí Vô nunca mais vai me contar história. Nem mesmo quando eu já for granpan-depê.

UM CASO CRÔNICO

GOLEIROS

Todo homem é inocente até prova em contrário. Menos o goleiro. O goleiro é culpado, mesmo que haja prova em contrário. O goleiro mete a mão aonde não foi chamado.

Enquanto todos viajam no campo, esquadrinhando seus quatro cantos, o goleiro vive trancado na grande área. Como um cão. Ou um prisioneiro. E ai dele que tente fugir! Será vaiado pela sua torcida, escorraçado por seus próprios companheiros de time. Mas ele não sai dali. Só olha para longe quando bate o tiro de meta. E jamais seus olhos buscam o outro goleiro. Não existe outro. O goleiro é único.

A palavra goleiro vem de gol, mas o goleiro de carne e osso vive para evitar o gol e renegar sua origem. E segue carregando o gol em seu próprio nome como uma maldição, uma doença que não se cura nunca.

Sim, ele pode tocar com a mão na bola. E só ele pode. Mas não mostra superioridade, não. Na verdade, ele teme que todos em campo o odeiem por isso. E realmente todos em campo o odeiam por isso. É por esse motivo que ele veste luvas. Não para segurar melhor a bola, mas para não sentir a pele dela em sua pele. Para fugir do pecado original. Mas não adianta. A bola é sua maçã e ele a perseguirá, condenado, através dos tempos.

Tem muitos nomes o goleiro. Arqueiro, guarda-meta, guarda-rede, guarda-valas, guardião, golquíper, quíper, vigia. Mas ninguém o chama. Quando muito o xingam.

O desejo de todo goleiro é sonhar com suas grandes defesas. Eles as relembram antes de dormir, mas assim que pegam no sono o que surge é outra matéria. É o pelotão de fuzilamento do pênalti. É a vergonha e a humilhação do frango. É o olhar de superioridade do artilheiro, que acaba de vencê-lo. É o choro que ele provocou em seu zagueiro. Por isso acordam sempre suados e sobressaltados os goleiros. Por isso disfarçam as olheiras.

Não existe goleiro violento nem raçudo. O goleiro é cálculo. Régua. Equação. Pensa em teoremas todo o tempo. Até o segundo em que faz a defesa, se levanta e olha em torno. Então, antes de repor a bola em jogo, ele se dá conta de que, enquanto ela está em suas mãos, não há jogo. Ele percebe que é o anti-jogo, é o antônimo. É a perda onde tudo busca.

Mas o que é preciso afinal para ser um goleiro? Saber sair do gol? Manter o sangue frio? Como se treina um goleiro? Pra que serve um goleiro num mundo de artilheiros? Por que usar as mãos se a habilidade está nos pés? Do que ele precisa? Aumentar a elasticidade? Treinar até o fim da noite? Dormir abraçado com a bola? Sair do gol, espalmar, botar pra escanteio, bater roupa, dar golpe de vista? Ou aprender que a bola, razão do jogo e de sua vida, só se ocupa em fugir dele?

O estádio já está deserto. E adormecido, como dizia o locutor. Na madrugada quente ouvem-se apenas e levemente, em seu gramado, os passos do goleiro. É Pompéia, o Constellation, voando acima das traves. É Manga segurando a bola com apenas uma das mãos e amargando a tarde em que chutou-a na nuca de um russo e ela, de vingança, se atirou contra seu gol. É Gordon Banks tentando até hoje descobrir o que o fez saltar e defender a cabeçada de Pelé. É Marcos Carneiro de Mendonça e sua fita roxa, defendendo pênaltis e fazendo versos para a amada. São as acrobacias de Chilavert, montando um circo na pequena área. É Yachin, o Aranha Negra, que fumava para se acalmar e tomava vodka antes do jogo para ficar em forma. É Carrizo confessando que se lembra muito mais dos gols que fizeram nele do que dos chutes que defendeu. É a camisa amarela de Raul tirando a pontaria dos artilheiros. É a leiteria de Castilho, que cortou um dedo para voltar a jogar mais rápido. É Valdir, que não resistiu e fez um gol contra, talvez tentando entender a alegria dos goleadores. É a frieza de Gilmar e a tragédia de Barbosa, que passou o resto da vida tentando evitar o que já fora. É Rogerio Ceni fazendo gols como quem se encontra às escondidas com a amante. É Andrada ainda esmurrando o gramado e sendo o único ser humano a amaldiçoar o milésimo gol de Pelé.

Uma legião de goleiros, caminhando ao fundo das redes e trazendo de volta a bola.

OUTDOR - po+es+ia +v+is+ual



MEDIOCRIDADE DO OURO


(Homenagem póstuma à Segunda Era Dunga)

BARATA VOA - vale tudo, menos porrada –


O PAI DOS BURROS
GUIA IMPRATICÁVEL DA LÍNGUA PORTUGUESA
CAPÍTULO 10

Adorados boçais, queridos energúmenos! É chegada a hora do adeus! Vosso humilde servo se despede. Mas, oh! nada de lágrimas. Havia de ser assim. O destino, inexoravelmente, cumpriu seu ciclo. A vós (não confundir com avós) que sugeristes meu nome para a Academia Brasileira de Letras, meu muito obrigado. Aos que me mandaram a outros lugares, espero ardentemente que vocês e suas famílias cheguem lá primeiro! A História me julgará. E, se Deus assim desejar, até lá eu estarei rico para subornar os juízes. Alea jacta est! Um abraço para esta torcida que tanto me prestigiou. Obrigado, papai, obrigado, mamãe, a quem eu devo, não nego, e pago quando puder...

V
VACÂNCIA - Ausência de vacas.
VACILADA - Armadilha que não funciona.
VARSÓVIA - Fábrica de varsol localizada na Polônia.
VATICÍNIO - Campanha de vacinação no Vaticano.
VERMELHÃO - Verme rubro, de grandes proporções.
VERMUTE - Espécie de mamute alcoólatra.
VULGARIZAR - Tornar o gari conhecido.

X
X - Primeira letra do alfabeto dos censores.
XEQUE - Chefe de tribo árabe, no mais das vezes sem fundos.
XIQUE-XIQUE - Par de nordestinos elegantes.
XUXU - Forma errônea de grafar o vocábulo chuchu, ou melhor, forma correta de escrever errado a palavra chuxu, isto é, forma exata é xuchu, ou ... ah, que se dane, eu detesto esse troço!

Z
ZANZIBAR - Ilha africana habitada por donos de botecos.
ZELANDÊS - Holandês que atende pela alcunha de Zé e trabalha como zelador.
ZIGUEZAGUEAR - Diz-se do zagueiro que corre de um lado para o outro.
ZONEAMENTO - Demarcação de puteiros.
ZOOFILIA - Ato de levar os filhos ao zoológico.
ZUNZUNZUN - Na fórmula um, momento em que o espectador percebe que os três líderes da prova acabaram de passar à sua frente.

“NÚNCARAS” – po+es+ia





Morreu neste sábado em São Paulo o poeta Roberto Piva, aos 72 anos. Autor de Paranóia, recentemente relançado pelo Instituto Moreira Salles, Piva teve toda a sua obra publicada em três volumes pela Editora Globo. E agora, um pouco do muito: sua poesia.

Praça da República dos meus sonhos
A estátua de Álvares de Azevedo é devorada com paciência pela paisagem
de morfina
a praça leva pontes aplicadas no centro de seu corpo e crianças brincando
na tarde de esterco
Praça da República dos meus sonhos
onde tudo se faz febre e pombas crucificadas
onde beatificados vêm agitar as massas
onde Garcia Lorca espera seu dentista
onde conquistamos a imensa desolação dos dias mais doces
os meninos tiveram seus testículos espetados pela multidão
lábios coagulam sem estardalhaço
os mictórios tomam um lugar na luz
e os coqueiros se fixam onde o vento desarruma os cabelos
Delirium Tremens diante do Paraíso bundas glabras sexos de papel
anjos deitados nos canteiros cobertos de cal água fumegante nas
privadas cérebros sulcados de acenos
os veterinários passam lentos lendo Dom Casmurro
há jovens pederastas embebidos em lilás
e putas com a noite passeando em torno de suas unhas
há uma gota de chuva na cabeleira abandonada
enquanto o sangue faz naufragar as corolas
Oh minhas visões lembranças de Rimbaud praça da República dos meus
Sonhos última sabedoria debruçada numa porta santa


Os anjos de sodoma

Eu vi os anjos de Sodoma escalando
um monte até o céu
E suas asas destruídas pelo fogo
abanavam o ar da tarde
Eu vi os anjos de Sodoma semeando
prodígios para a criação não
perder o ritmo de harpas
Eu vi os anjos de Sodoma lambendo
as feridas dos que morreram sem
alarde, dos suplicantes, dos suicidas
e dos jovens mortos
Eu vi os anjos de Sodoma crescendo
com o fogo e de suas bocas saltavam
medusas cegas
Eu vi os anjos de Sodoma desgrenhados e
violentos aniquilando os mercadores,
roubando o sono das virgens,
criando palavras turbulentas
Eu vi os anjos de Sodoma inventando a
loucura e o arrependimento de Deus

(Quer mais Roberto Piva? Vá ao Germina: http://www.germinaliteratura.com.br/literatura_out05_robertopiva.htm )

AVISO AOS NAUFRAGANTES

A LITERATURA BRASILEIRA VAI À ESCOLA

O que será que pensam sobre a Escola escritores tão díspares na obra e no tempo como o Padre Antonio Vieira, João Antonio, Machado de Assis, Olavo Bilac. Gregório de Matos e Luiz Vilela? O que terá em comum sobre o tema a família Veríssimo – o pai, Érico, e o filho, Luís Fernando? E mais: Castro Alves, Drummond, Oswald e Mário de Andrade, João Ubaldo, Aluísio Azevedo... E a lista segue, ela é grande na quantidade mas principalmente na qualidade. Trata-se do livro A Escola e a Letra, que a Editora Boitempo lançou. É um belo livro tanto pelos textos que reúne quanto por seu visual, e foi organizado pelo escritor e jornalista Flávio Aguiar e pelo geógrafo e escritor Og Dória e tem projeto gráfico do artista e professor Ricardo Othake. Vale a pena. E numa pesquisa rápida que eu fiz na internet está custando 39 reais. É de graça! É o melhor investimento do mercado, não tem Bolsa de valores do mundo que chegue aos pés. Vambora, cambada, vamos comprar logo de uma vez. Um pra ter em casa e outro pra dar de presente.

MASSAO OHNO,
QUE TRANSFORMAVA A POESIA EM REALIDADES DELICADAS

Poucas pessoas se interessam em ler poesia. Mas praticamente ninguém quer saber de editá-las. Pois foi o que fez durante quase a vida inteira Massao Ohno. Em livros com grande cuidado gráfico e visual, ele publicou dezenas de autores, como Roberto Piva, Hilda Hilst, Jorge Mautner, Orides Fontela, Claudio Willer, Olga Savary e tantos outros, com o selo Massao Ohno Editora. Em junho ele se foi. Beatriz Amaral, uma de suas editadas, declarou no site Germina: “Com a elegância de um mestre zen, Massao Ohno sempre iluminou a vida de nossos poemas, dando a eles edições plenas de beleza, geradas pelo olhar terno e incandescente de seu oceano estético. […] A partir dos anos 60, e durante cinco décadas, esse ourives livre criou e recriou a perfeição no espaço sempre aberto de seu ateliê, que, nos anos 1989, situava-se à Rua da Consolação, nº 3676. Dando a nossas obras o melhor de sua alma e de seu tempo: a competência de um artista gráfico de rara sensibilidade. Sua trajetória de editor é única, plúrima e plurissignificante na história da poesia brasileira. Pulsa luzes nas palavras. Encanta e reencanta, sempre, o melhor de nossas frases.”

(Sobre Massao Ohno: http://www.germinaliteratura.com.br/2010/especial_massaoohno_jun10.htm )

PATAVINinha’s

MANU,ELA

Ela era Manuela.
Isso que era ela.
Só isso, não.
Tinha sido Manu, quando pequena como um grão.
Que se o nome é selo caro, o apelido é carinhoso,
de um gostar bem gostoso.
Chi, mas como ela implicava.
Manu, ela não gostava.
Logo brigava com quem assim a chamava.
Falava pelos cotovelos.
Xingava pelos tornozelos.
De tanto bater o pé, sabe como é que é,
além de Manu, virou Nué.
E mesmo que você não acredite,
se tornou Manuela-Bronquite.
Sei que soa esquisito.
Mas espere que eu explico.
Enquanto a turma com apelidos brincava,
ela bronqueava tanto que tossia e se engasgava.
E cada vez mais danada
da sua vida mal humorada.
Um dia, Benedito, o Bené,
a chamou de Manuscrito, até.
Só que agora Manuela
não é só o que era.
Virou Manuela Aurês
- Professora de português.
Tome título e sobrenome.
Mas, como antes, Dona Manuela Aurês,
vejam bem aí vocês,
continua implicante.
Não deixa ninguém ir ao banheiro.
Chegando na classe, pega o giz e logo diz:
“Desde agora quem falar vai dando o fora”.
Todo aluno anda mudo.
Manuela é quem sabe tudo.
Tudo tudo tudo tudo.
Escolhe a uva do Ivo.
E pra quem vai ler,
o nome do livro...

Até que no último feriado,
a turma bolou um plano.
Eu, que sou discreto, não conto.
Foi um plano secreto.
Mas digo que todo o tempo
a turma passou catando bagulho.
Botão, barbante, algodão.
Papel, tinta e pincel.
Caixa, caixinha, caixote.
Pra cima e pra baixo, cada um com seu pacote.
Meninos e meninas batiam,cortavam, cosiam.
Colavam, refaziam, remendavam...
Ao entrart na sala na volta à aula,
Manuela Aurês esfregou os olhos
e cobriu as mãos com o rosto.
Em vez do bom-dia de sempre,
o que ela ouviu foram zurros.
Em vez das caras de sempre,
viu trinta caras de burro.
Burros de cartolina.
Com olhos azuis de confete.
Topetes de serpentina.
Sobrancelhas de purpurina.
Burros de papel crepom.
Com crinas de couro marrom.
Burros de isopor.
Com belas orelhas de flor.
Burros de brim.
Com dentes de cetim.
E vê se pode:
havia até um cor-de-burro-quando-foge.
Manuela, enfezada,
foi fazer a chamada.
Mas não é que a cada nome que dizia
era um zurro a resposta que ouvia?
Até que perdeu a calma
e suspendeu a aula.
Esperneando pelo corredor
foi chamar o diretor.
Falando pelos cotovelos.
Xingando pelos tornozelos.
Fez tamanha barulheira
que voltou com a escola inteira.
Aluno, professor, inspetor e servente.
Olhando as caras de burro.
E as trinta caras de burro
olhando pra toda gente.

PLEASE MISTER POSTMAN


Meu e mail: cesarcar@uninet.com.br

©Cesar Cardoso, 2010. Todos os direitos e esquerdos reservados.
Que os piolhos infectados de 18 mil camelos
infestem as partes pudendas de quem publicar algum texto daqui
sem avisar nem dar meu crédito.

THAT’S ALL, FOLKS!