sábado, 10 de abril de 2010

CAIU NA REDE É PIXEL








NOVAS AQUISIÇÕES
DA COLEÇÃO FILÉ CHATEAUBRIAND–MAM
(MUSEU DE ARTE NO MURO)

CHIPS – o prazer da batata & o poder do circuito –

Novos haicontos de Alice Barreira

O ARTILHEIRO

Logo cedo, após o café da manhã, sou levado para a sala completamente às escuras. Me conduzem até a posição em que devo ficar, alguns passos antes da bola. Não muitos, para não correr o risco de perder a direção dela. Ao ouvir o apito, eu devo cobrar o pênalti imediatamente, sem usar o tempo para tentar enganar o goleiro que, eles me garantem, está lá à minha frente, sobre a linha do gol, tentando defender minhas cobranças. O apito, alto e prolongado, é a única coisa que nós dois conseguimos escutar enquanto eu chuto e ele tenta defender. Alguém, ou algum mecanismo que nem eu nem ele conseguimos ver, logo repõe uma bola na marca do pênalti, eu torno a ouvir o apito e me movimento para uma nova cobrança. E assim passo meus dias, com uma breve interrupção para o almoço, que deve acontecer por volta das duas da tarde, segundo meus cálculos. Quanto gols terei feito? Quantos perdi? Não sei, mas sigo tentando me aperfeiçoar.

BANDIDOS REAGEM À PRISÃO
E MORREM EM QUEDA

Durante uma operação na madrugada de ontem, dois homens foram surpreendidos por policiais da 28ª DP em atitude suspeita numa casa velha no Alto da Mooca। Segundo o Sargento Oliveira, comandante da operação, o local, com cerca de dez metros de frente e dez de fundos, é um conhecido abrigo de vagabundos que não têm onde dormir. Os policiais cumpriam um mandato de despejo e uma ordem judicial para demolição quando foram atacados a tiros por dois marginais, conhecidos apenas como Joca e Mato Grosso. Na tentativa de fuga que se seguiu parte do piso da maloca desabou, carregando com ele os dois homens. Eles ainda foram levados com vida ao Hospital das Clínicas mas não resistiram aos ferimentos. Com os marginais a polícia apreendeu dois revólveres calibre 38, meio quilo de maconha e um pacote de torresmo à milanesa. Um homem que se identificou como João Saracura e se disse fiscal da prefeitura, garantiu no entanto que a maloca na verdade é um palacete assobradado, estava legalizada e ninguém podia demolir. Saracura foi detido para averiguações.

O ENGANO

Eu falei, insisti, briguei, me aborreci. Adiantou? Aquele idiota não me deu ouvidos. Por que ele seria escolhido? Um vaidoso, isso sim. Sempre se achou melhor do que os vizinhos, do que nós, do que todo mundo. Quantos meses gastamos nesse projeto maluco? Podíamos ter fugido pra bem longe, como tanta gente fez. Não, aqui trabalhando feito escravos por este sonho doente. E esses animais, pra quê? Pra quê? Se nem podemos matá-los pra nos alimentar. Quando o céu começou a escurecer, ele virou o tal. Não falei? Não falei? – repetia feito um corvo. Trancou a nós todos aqui, junto com esses bichos barulhentos e imundos. E a chuva? E o aguaceiro prometido, você viu? Pois sim, quarenta dias caindo terra e mais terra do céu. Nunca vi nada assim. Dormir ficou impossível. E afinal, o que aconteceu? O que é isso, um deboche? Agora estamos aqui, soterrados nesta desgraça que tinha que ser tão segura. Presos nesta escuridão, com o ar cada vez mais pesado e as feras rondando cada vez mais perto, cada vez mais perto.

UM CONTO, UM PONTO - 1

VOCÊ JÁ LEU SEU TREVISAN HOJE?

83.
Guido Viaro, uma rua barulhenta de Curitiba. Mestre Poty, uma praça Tiradentes às cinco da tarde, florida de mocinha, maníaco sexual, pombo branco em revoada. E eu, mal de mim, esse perdido beco sem saída atrás da Catedral.

22.
- Teu seio mais lindo – já viu dois gatinhos brancos bebendo leite no pires?

80.
Do último verão, no tronco da árvore, a casca vazia de uma cigarra: ouça o canto.

(Do livro 111 Ais, de Dalton Trevisan. L&PM Pocket.)

OUTDOR – poemas visuais –

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UM CONTO, UM PONTO - 2

VOCÊ JÁ LEU SEU TREVISAN HOJE?

1
O amor é uma corruíra no jardim – de repente ela canta e muda toda a paisagem.

18.
Assustada, a velha pula da cadeira, se debruça na cama:
- João. Fale comigo, João.
Geme lá no fundo, abre o olhinho vazio:
- Bruuuxa... diaaaba...
- Ai, que alívio. Graças a Deus.

111.
Amor – esse mesmo dedo amputado que se ergue e te aponta.

(Do livro 111 Ais, de Dalton Trevisan. L&PM Pocket.)

“NÚNCARAS” – po+es+ia


promissória

sete promessas
de levar adiante
pro marido morno
pra armada amante
pro reino dos céus
pro inferno de dante
pro incendiário
pro fogo de palha
pro bombeiro hidrófobo
q engoliu o hidrante

seis promessas
preto no branco
pro psicopato
q te cura o cancro
pro charuto do Freud
cego surdo &manco
pro cheque sem fundo
pro dono do banco
pro ingmar bergman
pro j. b. tanko

cinco promessas
q não deem na vista
pro grande democrata
q já foi nazista
pra todas as cabrochas
q passeiam na pista
pro broto brocha
q virou corista
pro fiscal da alfândega
pro contrabaixo do contrabandista

quatro promessas
com fé & confete
pro pivô do creme da tia odete
pra tiete do pivete
q sofre o diabo com diabete
pra parada de sucesso do dia sete
pro doce de leite
de caldas aulete

três promessas
a serem cumpridas
pro suicida
q abriu o vidro
& se mandou da vida
pra barata tonta
pro inseticida

duas promessas
de não se jogar fora
pra bala perdida
do drops dulcora
pra quem não chegou
mas já foi embora

& por fim
uma promessa
pro leitor
entrar nessa

BARATA VOA - vale tudo, menos porrada –

O PAI DOS BURROS
GUIA IMPRATICÁVEL DA LÍNGUA PORTUGUESA
CAPITULO 5

Compatriotas! As forças do obscurantismo desencadeiam tormentas contra a luz divinal de nosso idioma. Vileza! Ignomínia!! Nefertite!!! A gíria solerte solapa e solavanca o diálogo. Não vos deixeis cair em tentação. Oh não! Querem espicaçar a comunicação! Querem destruir a fala! Querem acabar comigo! (Obrigado, Roberto.) Mas, qual! Lutarei até a última das letras do alfabeto. E, se mais letras houvesse, mais lutaria!!!

(P.S.: Agradeço ao ponto de exclamação, sem o qual este discurso não faria sentido. E registro a contribuição do filólogo sino-norueguês Ălvaгō Ŗẫmǿs que também dá sua regadinha na última Flor do Lácio e nos envia o vocábulo “Excelente - artefato óptico de muito boa qualidade”.)


G
GABÃO - País do continente africano, extremamente convencido.
GAFANHOTO - Inseto da ordem dos ortópteros que fala pelo nariz.
GALALAU - Ladrão enorme; aumentativo de pivete.
GENERALIZAR - Ato de alisar o general.
GENITÁLIA - Órgão reprodutor dos italianos.
GERINCONÇA - Onça mal acabada.
GLÓBULO - Suplemento medicinal do Globo.
GRAMÁTICO - Espécie animal que se alimenta exclusivamente de grama.
H
HABEMUS PAPA - Expressão latina, encontradiça no Vaticano, equivalente à “Hora da Bóia”.
HANS STADEN - Escritor alemão que foi extremamente apreciado por nossos povos indígenas.
HAMBURGO - Cidade alemã feita de carne moída.
HAXIXE - Dança estupefaciente do nordeste brasileiro.
HEBREU - Interjeição utilizada para exprimir escuridão profunda.
HEMATOMA - Ato de insistir com a Ema para ela tomar.
HERBÍVORO - Diz-se daquele que gosta de comer o Herbert.
HERRERA - Família de nobres espanhóis que fazia tudo errado.
HIBERNAR - Fazer sonoterapia em Berna.
HIC - Soluço latino.
HISPÂNICO - Pavor de espanhol.
HUMILHAR - Sacanear alguém pela extensão de uma milha.
HUAI - Uai, em chinês.

I
IDEALIZADOR - Henê para idéias enroladas.
IGNARA - Diz-se da pessoa que ignora a Nara.
IMORAL - Que não tem onde morar.
IMPOSTOR - Representante do governo encarregado de coletar os impostos.
IMPREVIDENTE - Aquele que confia na previdência, divina ou social.
IMPUTAR - Trazer o puto para dentro.
INCAUTO - Indivíduo do povo inca, que confiou nos espanhóis.
INCREMENTO - Nome científico do cocô daqueles que sofrem de prisão de ventre.
INTEGRALISTA - Nazista vegetariano.

E não perca o quinto e nauseabundo capítulo do Pai dos Burros, com as sensacionais e maiúsculas letras J, K e L! Você vai concorrer a milhões em prêmios que não serão pagos!

IMPRESSÕES DIGITAIS

(Gravura de Pedro Sanchez em Laranjeiras.)

ALÔ DONA APARECIDA: OLHA A VOLTA DAS SUICIDAS!
Já está em todas as bancas da Internet a nova edição das Escritoras Suicidas! Os temas dos poemas e contos suicidários desta vez são Recomeço, Platonismo e Chuva. Tem as estréias de Adriana Versiani, Ana Próspera, Carla Luma, Carolina Caetano, Marilena Soares e Priscila Lira. E as convidadas especiais deste número são Greta Benitez, Lílian Maial, Lucia Helena Corrêa, Milena de Almeida e Monika Woolf. E, é claro, lá está também minha maninha Alice Barreira, com o conto “Carta a uma Jovem Escritora”. O endereço você já sabe... mas não custa repetir: www.escritorassuicidas.com.br

VOCÊS QUEREM DICAS BLOGUEIRAS?

GRAVADOR AMADOR é um portfólio virtual com trabalhos recentes do artista plástico Pedro Sanchez। Ele mostra desenhos, gravuras, pinturas e trabalhos de rua (como o que está reproduzido aqui e pode ser visto nas ruas de Laranjeiras). Eu pessoalmente adoro a série das botas. Mas não vou adiantar nada aqui. Vão lá ver, bando de preguiças! O endereço é http://gravadoramador.carbonmade.com/ .
E quem quiser ver outras obras de Pedro ao vivo, ele está na exposição coletiva
] entre [ - que comemora os 50 anos da Galeria de Arte do IBEU (Av. Copacabana 690, 2° andar). A mostra vai até 14 de maio, sempre de segunda a sexta, das 13 às 19 hs.

HÉLIO JESUÍNO & CIA. LTDA. Esse o nome do blogue onde o artista plástico Hélio Jesuíno mostra uma boa parte de sua produção. Boa, não: ótima. Ali a gente encontra as várias linguagens onde Hélio transita – desenhos, gravuras, gravuras digitais, novos caminhos pesquisados, como a suas Fotomaquias, o registro de algumas exposições de Hélio e seu constante diálogo com a literatura, desde a série Bestiário, onde ele recria visualmente uma fauna mitológica criada por Umberto Eco até conversas de criação com Garcia Lorca, Vinícius, João Antonio, Borges, Alexei Bueno e muitos outros escritores. Eu e Hélio fizemos juntos uma HQ com Chapeuzinho Vermelho, que pode ser visitada lá (e eu reproduzirei na próxima edição do PATAVINA’S). O endereço é http://heliojesuino.wordpress.com/

NOTA DE RODAPÉ é o blogue editado pelo jornalista Thiago Domenici. Lá a gente encontra essa coisa cada vez mais rara que pode ser chamada de jornalismo pensante. Tem informação, tem uma visão crítica da nossa grande mídia, tem cultura e tem sobretudo uma forma de olhar para o mundo e refletir sobre o que vê. O endereço? http://www.notaderodape.com.br/

E agora, como dizia o Velho Guerreiro: roda, roda, roda e avisa!

PATAVINA’S NEWS


Cesar, meu cumpadre,

Eu hoje me acordei meio bíblico, mas nem um pouco pedófilo. Daí desabei a lembrar do tempo em que vivi em Sodoma e retasquei um tico dessa história no papel pra você e seus leitores tomarem conhecimento. Você tem sabença de que eu não vi o Dilúvio mas pisei na lama. Recorda aquele velhinho que o desabotinado do Raul Seixas apresentou ao mundo e que dizia “eu nasci há dez mil anos atrás”? O traste era meu bisneto. De formas que o que não me faltam são histórias pra rimar e contar. Alinhás, é só o que eu faço e refaço aqui nessas bandas e bundas de Alcaçuz, minha cidade. (Minha é o cacete, que eu não doneio nem as calças que visto, né?) Você precisa largar de ser frouxo e aparecer por aqui pra mode a gente sair esmerdeando até amanhecer, num cachaçol sem fim, home!

Um beijo na pituitária,

Do Alcaçuz.


O Poeta Patavina do Alcaçuz
Se Apresenta Ao Despeitável Público
E O Convida à Sodoma

o meu nome é patavina
tenho boca vou a roma
eu vim ao mundo a passeio
e não sou de cagar goma
pode roubar no peso
que eu me garanto na soma
pra rimar a minha história
não preciso de diploma
e vou contar pra vocês
tudo que houve em sodoma

chegaste a sodoma, estranho
fizeste boa viagem?
pois pode ficar pelado
cair na libidinagem
boca, xota, cu e pica
essa é nossa paisagem
fuder com tudo e com todos
eis aí nossa mensagem
se viemos a esse mundo
foi pra fazer sacanagem

só que deus se emputeceu
com a nossa putaria
tratou de mandar dois arcanjos
pra acabar com a alegria
os merdas chegaram aqui
que nem que fossem o messias
mandando logo rezar
quinhentas ave-marias
mas tiveram que fugir
senão a gente comia

comemorando esse feito
fizemos um fudevu
pra entrar na nossa festa
tinha logo que estar nu
fuderam os peixes no mar
e no céu os urubus
a turma não dispensou
nem o rabo do tatu
aqui tudo que foi pica
fez trato com todo cu

o randevu já rolava
a pouco mais de um mês
até que um puta estrondo
a nossa farra desfez
no meio da fumaceira
e com muita rapidez
surgiu um cara de branco
dizendo: “eu quero vocês!”
e um doidão lá atrás falou:
“quem é esse japonês?”

aí a coisa fedeu:
era o todo-poderoso!
“vim acabar com sodoma
aqui só tem vicioso”
mas a turma encachaçada
foi logo fazendo gozo:
“solta logo esse brioco”
“é, deixa de ser dengoso”
e deus ficou tão possesso
que parecia o tinhoso

tacou fogo na cidade
ficamos de cu vermelho
fez uma chuva de enxofre
que nos queimou os pentelhos
quem tentou fugir correndo
ele desceu logo o relho
o velho ainda berrava
“não quero mais destrambelho
e ai daquele que não
quiser ouvir meu conselho!”

gritou e subiu pro céu
numa nuvem de fumaça
e o povo todo chorava
bem no meio da praça
lembrando as divinas falas
em nossas mentes devassas
e a gente de sodoma
agora em estado de graça
cunhou um novo ditado:
“vamos fuder que isso passa!”

- LHUFAS - coisa com coisa nenhuma –


PEQUENO INDICIONÁRIO DE NUTILIDADES – FASCÍCULO SEIS

Amanhojontem
Subst. saudoso
Havia um tempo antes de haver o tempo. E lá existiam o amanhojontem, o ontojemanhã, o ontamanhoje, o hojontemanhã, o hojamanhontem e o amanhontoje. Os seres e as coisas podiam ir para o que hoje chamamos de futuro e passado, viver novamente o que já tinham vivido ou experimentar logo o que ainda viria. E nada morria por chegar ao fim, já que nada chegava ao fim. Só se morria por escolha própria. Mas Deus ficou com inveja de suas criações, achando-as muito próximas de Si mesmo. Então criou o dia e a noite, o começo, o meio e o fim. E passou a reinar sozinho no Universo, trocando o risco da convivência pela dor segura da solidão.

Borbolenta
[Do lat. belbenllita]
Espécie de borboleta que fez seu habitat nos cemitérios das grandes cidades e se alimenta de micro-carniças. Possue o mais belo bailado do reino animal, pois ele acontece em câmera lenta. Na verdade, esse balé é uma doença rara que as borbolentas desenvolveram, segundo os cientistas, pelo tipo de alimentação a que se acostumaram. Mas um grupo de cientistas místicos defende a hipótese de que a real causa dessa doença é a estreita convivência das borbolentas com os mortos humanos. Num caso ou no outro, o fato é que as borbolentas viraram presa fácil para uma segunda espécie que também se aclimatou às nossas últimas moradas: as cotias-de-ossário, que à noite saem de suas tocas dentro dos corpos para devorar as borbolentas em pleno vôo. Mas estes belos insetos possuem em suas minúsculas glândulas salivares um veneno muito poderoso e, ao serem devoradas, levam as cotias-de-ossário a uma morte extremamente dolorosa. O estômago desses animais incha até que ele literalmente se rache ao meio e morra entre hemorragias e infecções. Ali, em meio ao pus, lentamente renascem as borbolentas e novamente saem voando em câmera lenta, até serem devoradas por outras cotias-de-ossário.

Fusco-Lusco
[Do Latim Melancólico fuscu-luscu]
Subst. sombrio

Espécie de cegueira em que cada olho enxerga uma realidade diferente, levando quase sempre sua vítima à loucura. O poeta grego Homero certa vez sonhou que entrava no Olimpo, onde nenhum ser humano podia entrar. Ele se esgueirava pela morada dos deuses, espreitando seus palácios e aposentos. Num desses ricos cômodos, Homero viu os deuses Apolo e Poseidon fazendo amor. Com medo do castigo que eles certamente poderiam lhe infligir, o poeta foge do Olimpo e consegue retornar são e salvo para sua casa. Mas, ao acordar de seu sonho, Homero descobriu-se vítima do fusco-lusco. E percebeu que os deuses haviam descoberto seu sonho. Para não enlouquecer, Homero cegou-se.

Hospedarias Do Vento
[Do lat. Ventu hospiteriae]
Lugar onde o vento faz a volta, pernoita e dorme. As hospedarias ficam na estrada que liga Codisburgo à Vila de Ávila, na altura do quilômetro Pi, do lado esquerdo de quem pensa que vai. Ali se localizam as regiões agro-atmosféricas, com suas plantações de aliseus, etésios e rosas dos ventos. Ali também nascem alguns dos ventos que sopram o planeta, como o Lugacho, que nos três últimos dias do outono varre o Altiplano peruano e leva as renas a se atirarem nos despenhadeiros. Ou o Luf, o menor vento do mundo, mas que ao ser aspirado por alguém causa mudez perpétua. Ou o Beratz, que leva a tristeza e a desolação aos planaltos da Anatólia e é conhecido como o Vento dos Enforcados e dos Suicidas. Ou ainda a Sandoguí, um vento noturno que se espalha pela floresta cambodjana, deixando todas as fêmeas no cio e levando as viúvas a se masturbarem até o desfalecimento e, em alguns casos, a morte, lembrando de seus maridos. No século 13, um chinês trazido como escravo por Marco Pólo, escondeu um sopro de Sandoguí dentro de uma garrafa e soltou-o nas ruas de Roma, causando uma série de orgias que fez o Papa Bonifácio VI matar na fogueira um terço das mulheres romanas, inclusive Beatriz, a famosa amada de Dante Alighieri. Para se vingar, o poeta colocou Bonifácio VI no Inferno, em sua obra A Divina Comédia.

Iguantônimo -
[Do grego aequytónymos]
Palavras ou locuções que só existem no mundo dos espelhos e seus reflexos e têm a aparência e a estrutura identicamente contrárias. Experiências com iguantônimos em reatores nucleares geraram o fenômeno conhecido na física quântica como contrários gêmeos, dos quais foram isolados e tiveram seu DNA reproduzido em laboratório o miado e a ferrugem, o isqueiro e o engolido, a metástase e o cadente.

Nadarias
S. aquoso
Um dos maiores oceanos interiores da Terra, as nadarias guardam as plantações de nonadas, despunhados, expirosos, exiguados, minguanteiros, neca-nicles, núncaras, lhufinhas, extirposos, neres, perecinhos, parcos, dizimosos e restolhados. As nadarias são impossíveis de serem vistas, já que se localizam sob o Salar de Yunes, na fronteira com o deserto de Atacama, englobando territórios da Bolívia, do Equador, do Peru e do Chile. Quando não gostam de algum ser humano ou animal que caminha sobre sua cobertura de sal as nadarias liquefazem este sal e o ser vivo se vê mergulhado para sempre nas suas águas amarelas. Ali se afoga, admirando a beleza de seus peixes translúcidos.

UM CASO CRÔNICO

ELES & ELAS & ELAS & ELES

(Eles fazem gols com a ajuda de Deus, eles peidam silenciosamente no sofá domingo à noite, eles pedem mais um chopp e riem, eles reformam a porta do banheiro, eles investem em fundos arrojados, eles choram segundas pelo ano inteiro, eles se emocionam com o trabalho de fim de ano dos filhos na escola, eles gostam do índice nasdak, eles aproveitam o almoço para contar aquela grande piada, eles investigam as palpitações, eles deixam um recado na caixa postal pedindo “calma, mamãe”, eles sentem saudades do pré-molar, eles acham o país uma grande piada, eles param de fumar, eles dão graças a Deus.)


(Elas levam o cachorro para passear, elas nunca dizem não, elas têm questões importantes para colocar na reunião de condomínio, elas recomendam o sal para a carne e o silvo para a bandeja de prata que pertenceu à avó, elas compram ração pro cachorro, elas alugam os olhos pras novelas, elas levam os filhos para fazer tatuagem, elas aprendem a ginástica para sorrir com todos os seus dentes, elas nunca dizem sim, elas acompanham atentas os avanços da ciência domingo à noite, elas acreditam na importância do air bag, elas combatem a prisão de ventre, elas limpam as patinhas do cachorro ao voltar para casa.)

(Eles se dividem entre São Paulo e Rio, elas controlam a osteoporose, eles querem saber que poça é essa no elevador, elas não sabem onde colocaram os óculos, eles selecionam com critério o que vão deixar nas mãos de Deus, elas checam os e mails, eles se opõem firmemente, elas nunca mais na vida irão à Serra Gaúcha, eles usam a manhã de sábado para analisar os novos modelos de celular, elas quebram as unhas com tanta facilidade, eles pensam em frango com cenoura, elas talvez troquem de hobby, eles querem parar de fuder com a mulher do amigo, elas lutam pelo desentupimento da pia, eles já sabem, elas evitam, eles gostariam de escolher as meias, elas examinam a pele do cachorro, eles cheiram a marca de baba no travesseiro dela, elas não sabem onde anotaram a senha da mala de viagem, eles julgam que o melhor tempo para o sleep da televisão é noventa minutos, elas aproveitam as tardes de quinta para se masturbarem, eles levitam, elas burkam, eles quase nunca esquecem o remédio, elas deixam tudo encaminhado, eles tingem, elas se dirigem à, eles só não gostam da decolagem, elas analisam os sintomas, eles se ajoelham, elas pensam em batizar o cachorro.)

(Sugestão ao leitor: substitua ela por ele e ele por ela. Releia.)