PEQUENO INDICIONÁRIO DE NUTILIDADES – FASCÍCULO SEIS
Amanhojontem
Subst. saudoso
Havia um tempo antes de haver o tempo. E lá existiam o amanhojontem, o ontojemanhã, o ontamanhoje, o hojontemanhã, o hojamanhontem e o amanhontoje. Os seres e as coisas podiam ir para o que hoje chamamos de futuro e passado, viver novamente o que já tinham vivido ou experimentar logo o que ainda viria. E nada morria por chegar ao fim, já que nada chegava ao fim. Só se morria por escolha própria. Mas Deus ficou com inveja de suas criações, achando-as muito próximas de Si mesmo. Então criou o dia e a noite, o começo, o meio e o fim. E passou a reinar sozinho no Universo, trocando o risco da convivência pela dor segura da solidão.
Borbolenta
[Do lat. belbenllita]
Espécie de borboleta que fez seu habitat nos cemitérios das grandes cidades e se alimenta de micro-carniças. Possue o mais belo bailado do reino animal, pois ele acontece em câmera lenta. Na verdade, esse balé é uma doença rara que as borbolentas desenvolveram, segundo os cientistas, pelo tipo de alimentação a que se acostumaram. Mas um grupo de cientistas místicos defende a hipótese de que a real causa dessa doença é a estreita convivência das borbolentas com os mortos humanos. Num caso ou no outro, o fato é que as borbolentas viraram presa fácil para uma segunda espécie que também se aclimatou às nossas últimas moradas: as cotias-de-ossário, que à noite saem de suas tocas dentro dos corpos para devorar as borbolentas em pleno vôo. Mas estes belos insetos possuem em suas minúsculas glândulas salivares um veneno muito poderoso e, ao serem devoradas, levam as cotias-de-ossário a uma morte extremamente dolorosa. O estômago desses animais incha até que ele literalmente se rache ao meio e morra entre hemorragias e infecções. Ali, em meio ao pus, lentamente renascem as borbolentas e novamente saem voando em câmera lenta, até serem devoradas por outras cotias-de-ossário.
Fusco-Lusco
[Do Latim Melancólico fuscu-luscu]
Subst. sombrio
Espécie de cegueira em que cada olho enxerga uma realidade diferente, levando quase sempre sua vítima à loucura. O poeta grego Homero certa vez sonhou que entrava no Olimpo, onde nenhum ser humano podia entrar. Ele se esgueirava pela morada dos deuses, espreitando seus palácios e aposentos. Num desses ricos cômodos, Homero viu os deuses Apolo e Poseidon fazendo amor. Com medo do castigo que eles certamente poderiam lhe infligir, o poeta foge do Olimpo e consegue retornar são e salvo para sua casa. Mas, ao acordar de seu sonho, Homero descobriu-se vítima do fusco-lusco. E percebeu que os deuses haviam descoberto seu sonho. Para não enlouquecer, Homero cegou-se.
Hospedarias Do Vento
[Do lat. Ventu hospiteriae]
Lugar onde o vento faz a volta, pernoita e dorme. As hospedarias ficam na estrada que liga Codisburgo à Vila de Ávila, na altura do quilômetro Pi, do lado esquerdo de quem pensa que vai. Ali se localizam as regiões agro-atmosféricas, com suas plantações de aliseus, etésios e rosas dos ventos. Ali também nascem alguns dos ventos que sopram o planeta, como o Lugacho, que nos três últimos dias do outono varre o Altiplano peruano e leva as renas a se atirarem nos despenhadeiros. Ou o Luf, o menor vento do mundo, mas que ao ser aspirado por alguém causa mudez perpétua. Ou o Beratz, que leva a tristeza e a desolação aos planaltos da Anatólia e é conhecido como o Vento dos Enforcados e dos Suicidas. Ou ainda a Sandoguí, um vento noturno que se espalha pela floresta cambodjana, deixando todas as fêmeas no cio e levando as viúvas a se masturbarem até o desfalecimento e, em alguns casos, a morte, lembrando de seus maridos. No século 13, um chinês trazido como escravo por Marco Pólo, escondeu um sopro de Sandoguí dentro de uma garrafa e soltou-o nas ruas de Roma, causando uma série de orgias que fez o Papa Bonifácio VI matar na fogueira um terço das mulheres romanas, inclusive Beatriz, a famosa amada de Dante Alighieri. Para se vingar, o poeta colocou Bonifácio VI no Inferno, em sua obra A Divina Comédia.
Iguantônimo -
[Do grego aequytónymos]
Palavras ou locuções que só existem no mundo dos espelhos e seus reflexos e têm a aparência e a estrutura identicamente contrárias. Experiências com iguantônimos em reatores nucleares geraram o fenômeno conhecido na física quântica como contrários gêmeos, dos quais foram isolados e tiveram seu DNA reproduzido em laboratório o miado e a ferrugem, o isqueiro e o engolido, a metástase e o cadente.
Nadarias
S. aquoso
Um dos maiores oceanos interiores da Terra, as nadarias guardam as plantações de nonadas, despunhados, expirosos, exiguados, minguanteiros, neca-nicles, núncaras, lhufinhas, extirposos, neres, perecinhos, parcos, dizimosos e restolhados. As nadarias são impossíveis de serem vistas, já que se localizam sob o Salar de Yunes, na fronteira com o deserto de Atacama, englobando territórios da Bolívia, do Equador, do Peru e do Chile. Quando não gostam de algum ser humano ou animal que caminha sobre sua cobertura de sal as nadarias liquefazem este sal e o ser vivo se vê mergulhado para sempre nas suas águas amarelas. Ali se afoga, admirando a beleza de seus peixes translúcidos.
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