sexta-feira, 6 de maio de 2011

CHIPS – o prazer da batata & o poder do circuito –

Maninho,

Já que você insiste em manter esse blog, lá vão alguns contitos para teu desjejum. Soube que arrancaste um dente. Já não me morderás mais?

Beijos nos córneos

Alice

A INSISTÊNCIA

Diante da porta, confiro o endereço e toco a campainha. Uma mulher de uns 50 anos, cabelos bem cuidados, sorriso solícito, entreabre a porta e pergunta:
– Cadê a autorização?
Surpreso, digo que não tenho e ela imediatamente começa a fechar a porta. Tento me explicar, afinal ninguém me disse que era, mas a porta já vai se fechar e eu me calo, estico o braço e consigo evitar que ela bata a porta na minha cara. Entre cordial e aflito, pergunto:
– Por favor, senhora, como eu consigo uma autorização?
A mulher volta a estampar o sorriso e, apontando lá para dentro, me informa:
- O senhor tem que ir até o final desse corredor e entrar na terceira sala à direita.
– Muito obrigado, senhora – eu respondo, aliviado, enquanto faço menção de entrar. Mas, num movimento brusco, a mulher recomeça a fechar a porta, enquanto pergunta:
– Cadê a autorização?

A VISITA

Como faço todo fim de tarde, tomei meu banho, botei um vestido bem leve, me maquiei, passei perfume, ajeitei os cabelos com gel, chamei um táxi, peguei o elevador, cumprimentei o porteiro, entrei no taxi, dei a volta no quarteirão, saltei, tornei a cumprimentar o porteiro e a pegar o elevador, parei em frente à porta e toquei a campainha.

Ninguém abriu.

Insisti. Uma, duas, três, quatro vezes. Nada. Não adianta. Não estou. Nunca estou. E fico aqui parada, diante da porta: deixo um bilhete para mim?

YEAH, YEAH, YEAH

Como sempre não há quase nenhum movimento na rua. Os quatro rapazes chegam na esquina, com suas roupas coloridas, brincam muito uns com os outros e atravessam a rua cantando. O fotógrafo ri e vai pedir calma, pois ainda nem montou sua câmera. Mas não há tempo, um caminhão de mudanças dobra a esquina em alta velocidade e atropela os quatro.
Foi uma pena, não só pela dor das famílias mas porque todos ali em Abbey Road dizem que eles levavam muito jeito pra música.

PRIMAVERA-VERÃO

O estilista Piertr Rosui é o único não europeu a apresentar uma coleção na Semana de Moda de Paris, sem dúvida a mais importante do mundo. Para essa temporada Pietr desenvolveu uma linha de casacos de pele confeccionados à mão, com shapes que brilharam no corpo de Way Mulberry, em sua cadeira de rodas de linhas influenciadas pelo design italiano.
Em seguida, o golpe mais ousado de Rosui: seus vestidos trabalhados com bordados e deixando as ancas marcadas. Foram o principal destaque da coleção, com suas fendas esvoaçando para fora das macas onde vieram Alisia Deschcovith e Lea Rydewni, num desfile inspirado em Edgar Allan Poe. Para quem gosta de detalhes, até as agulhas dos soros de Lea e Alisia eram trabalhadas em ouro e não deixavam nada destoar na passarela.
Por fim ele nos mostrou mais uma vez seus casacões clássicos, de ombros bufantes e com o já tradicional toque báltico. Chegou a ser emocionante ver Raquel Dougherzy e Livia Cirmansk nos caixões que as traziam para seus últimos desfiles.
Quem quer novidades no mundo da moda pode tratar de seguir Pietr. Ou então esperar a próxima temporada.

“NÚNCARAS” – po+es+ia

Uma conversa poético-erótica entre os brasileiros Carlos Drummond de Andrade e Oswaldo Martins e a portuguesa Manuela Amaral. E se você quiser aprofundar a conversa, conheça o ensaio Corpos abertos e silêncios rasgados: o recurso poético e político do erotismo na contemporaneidade, de Larissa Andriolli, publicado na ótima revista on line Mafuá (http://www.mafua.ufsc.br/numero15/ensaios/ ).

EM FACE DOS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS

Oh! sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
que o nosso avô português?

Oh! sejamos navegantes,
bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.

A tarde pode ser triste
e as mulheres podem doer
como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).

Teus amigos estão sorrindo
de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
que o melhor é ser pornográfico.

Propõe isso ao teu vizinho,
ao condutor do teu bonde,
a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculos
e à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos?

(Carlos Drummond de Andrade, em Brejo das Almas)

A virgem de olhos doces tece intrigas
para conquistar os favores
de deus

para isso usa de artifícios
finge no olhar vazio
ser a menina dos olhos

depois diz para isabel:
fodi com deus.

ah, isabel, isabel,
com ele
é como se fodesse com todos os homens

(Oswaldo Martins, em Cosmologia do Impreciso, 7 Letras)

4
cristo nas bodas de caná houvesse percorrido
o colo das moças

e com os olhos inebriados de tesão
tocasse aqui uma teta
ali as curvas

as portentosas nádegas
da mulher que se oferecia

mais que a morte
seria a carne

nossa unção

(Oswaldo Martins, em Cosmologia do Impreciso, 7 Letras)

Não sou homem
nem mulher
nem lésbica
ou pederasta

Sou tudo

Mas ser tudo
não me basta

(Manuela Amaral)

REBELDIA

Soltem-me
as algemas

Quero
a minha alma livre
meu corpo livre
meu pensamento livre

Esbofetear o mundo
e cuspir
na vida

(Manuela Amaral)

PATAVINA’S NEWS

Nosso correspondente Jean Prévert
direto de N.York

Hoje batuco essas linhas no Morgan Library Museum, que você, preguiçoso como sempre, ainda não veio conhecer. É um prédio em estilo palazzo, com uma fantástica coleção de manuscritos, livros e raridades, todas devidamente roubadas dos quatro cantos do mundo. É assim que se faz cultura, meu caro.
Mas vamos às novidades. A atriz Angelina Jolie está escrevendo um livro sobre sua prisão de ventre crônica e seu relacionamento com seu pai, o ator John Voigt, que sofria de diarréia intermitente e como esses fatos influenciaram as formas de atuar dos dois. Deve ser uma espécie de novo método Stanislavski, mais visceral.
Quem também está caprichando nas suas memórias é a irmã adotiva de Brigitte Bardot, que pretende descrever minuciosamente as masturbações diárias da irmã famosa durante a adolescência. É o que todo mundo quer saber, não é mesmo?
Ah, estou traduzindo para o português textos da humorista Susane Zillet, para um livro que se chamará Desditos e será lançado no Brasil pela Editora Terras que Inventei, ainda este ano.
Filha de um oficial francês, encarregado da forca contra os colonos rebeldes nas terras conquistadas, Susane Zillet – uma humorista, coisa rara - nasceu na Martinica e morou em Burkina Faso, Camarões e Madagascar, onde fixou residência e segue vivendo. Tem algumas peças de teatro, encenadas com sucesso na Europa, e muitos textos de humor – contos, crônicas, fábulas... – incluirei vários no livro. Mando pra você um tira-gosto, algumas frases com o humor corrosivo de Susane.

DESDITOS
- Foda-se a ecologia. O único bicho de penas que eu tolero é o meu travesseiro.
- O primeiro cientista inventou a roda. Em sua homenagem o primeiro artista criou a primeira cantiga de roda.
- Um cara tão bacana, que até o seu pé chato era simpático.
- Para que a pescaria seja uma atividade realmente relaxante não convém sermos nem a isca nem o peixe.
- Quem inventou o humor foi a casca de banana.
- É preciso deixar claro que ninguém tem nada contra a civilização ocidental. Se ela vier a ser inventada um dia, todos sem dúvida a apoiarão.
- Tudo é relativo. Em 1300, a Idade Média era completamente contemporânea.
- Hoje em dia as pessoas se contentam com pouco, desde que em grandes quantidades.
- Conheço muitos homens que eu, em sã consciência, nunca escolheria para ter um relacionamento. O problema é que a gente nunca escolhe essas coisas em sã consciência.
- Mostre-me uma mulher puritana nua e... me conta como é que você conseguiu isso.
- Bicho mesmo é a girafa. O resto é figuração.
- Você percebe que está realmente ficando velha quando leva uma cola da letra de “parabéns pra você” pra festa do seu aniversário.
- O que é dito propriamente é propriamente dito?
- Já não se fazem antigamentes como antigamente.



LHUFAS – coisa com coisa nenhuma –


Um emprego para o til
antes que a reforma ortográfica
acabe com ele também:


MERCADO FINANCEIRO

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Nenhum papel rende mais do que a literatura. Aqui você não sabe quanto vale a Vale, mas pode descobrir seu preço. Ou até que você não vale nada. Quem sabe?
Segue uma carta de Fernando Pessoa a seu amigo, o poeta e suicida Mario de Sá Carneiro. Ah, quem estiver no Rio não deve perder a exposição “Fernando Pessoa, Plural como o Universo”, no Centro Cultural dos Correios (até 22 de maio).

“Escrevo-lhe hoje por uma necessidade sentimental - uma ânsia aflita de falar consigo. Como de aqui se depreende, eu nada tenho a dizer-lhe. Só isto - que estou hoje no fundo de uma depressão sem fundo. O absurdo da frase falará por mim.
Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.
Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a minha consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Março, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.
No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto; e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu estado de alma neste momento. Como à veladora do "Marinheiro" ardem-me os olhos, de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com a brochura a descoser-se.
Se eu não estivesse escrevendo a você, teria que lhe jurar que esta carta é sincera, e que as coisas de nexo histérico que aí vão saíram espontâneas do que me sinto. Mas você sentirá bem que esta tragédia irrepresentável é de uma realidade de cabide ou de chávena - chia de aqui e de agora, e passando-se na minha alma como o verde nas folhas.
Foi por isto que o Príncipe não reinou. Esta frase é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas dão uma grande vontade de chorar.
Pode ser que, se não deitar hoje esta carta no correio amanhã, relendo-a, me demore a copiá-la à máquina, para inserir frases e esgares dela no "Livro do Desassossego". Mas isso nada roubará à sinceridade com que a escrevo, nem à dolorosa inevitabilidade com que a sinto.
As últimas notícias são estas. Há também o estado de guerra com a Alemanha, mas já antes disso a dor fazia sofrer. Do outro lado da Vida, isto deve ser a legenda duma caricatura casual.
Isto não é bem a loucura, mas a loucura deve dar um abandono ao com que se sofre, um gozo astucioso dos solavancos da alma, não muito diferentes destes.
De que cor será sentir?
Milhares de abraços do seu, sempre muito seu,


Fernando Pessoa


P.S. - Escrevi esta carta de um jacto. Relendo-a, vejo que, decididamente, a copiarei amanhã, antes de lha mandar. Poucas vezes tenho tão completamente escrito o meu psiquismo, com todas as suas atitudes sentimentais e intelectuais, com toda a sua histero-neurastenia fundamental, com todas aquelas intersecções e esquinas na consciência de si-próprio que dele são tão características...
Você acha-me razão, não é verdade?
(em 14 de Março de 1916)

RINHA DE GALINHA

Por Don King - nosso correspondente
na Academia Brasileira de Letras e Artes Marciais

Wall! O Rei da Ginga, Gregório de Mattos, encara a Fera de Curitiba, Paulo Leminski. Dois poetas e a Escola. O baiano do século 17 esculhamba com o estudante. O polaco-curitibano desanca com o professor de português. Não sobra pedra sobre pedra nem lousa sobre lousa e o pau come na casa de Noca! Holly shit!


DESCREVE A VIDA ESCOLASTICA

Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.

Presumir de dançar, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia ao Moço do seu trato,
Furtar a carne à ama, que promete.

A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.

Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante.
Gregório de Mattos

O ASSASSINO ERA O ESCRIBA

Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado de sua vida,
regular como um paradigma da 1ª conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito
assindético de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido na sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conectivos e agentes da passiva o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.

Paulo Leminski

OUTDOR - po+es+ia +v+is+ual


1.

MÃE

É

UMA

(tão)




2.

A

MATRI

ARCA


BARATA VOA - vale tudo, menos porrada –


A ORQUÍDEA TATUADA, DE PEDRO VELUDO

Pedro Veludo ainda há de fazer sua árvore genealógica e descobrir que é tataraneto de Marco Pólo. Ou simplesmente filho do Gagarin. Porque Pedro vive rodando pela Terra. Só não vai para outro planeta porque ainda não existe como. Mas Pedro não é turista, é um cidadão do mundo. E o melhor de tudo é que Pedro adora contar as histórias de suas viagens. Ele é um excelente contador de histórias, sejam elas sobre viagens ou não. E acaba de lançar um novo livro: A ORQUÍDEA TATUADA, com registros, impressões de viagem, pequenas crônicas ou mini-ensaios sobre suas mais recentes andanças planetárias. Vale a pena conhecer a prosa de Pedro. Aí vai um pouco dela.


NA ÁFRICA, FORA DELA

Maputo, Moçambique.

Assisto, no Centro Cultural Franco-Moçambicano, ao espetáculo de um grupo francês que mistura circo, música e dança. A platéia, repleta, consta de cerca de trezentas pessoas, das quais talvez apenas dez são de cor negra. NÃO ESTAMOS NA ÁFRICA.
O ambiente tem um quê de estranho que não consigo definir; os indivíduos de cor negra sentam-se nos quatro cantos da sala; o espetáculo começa com religiosos, africanos, vinte e cinco minutos de atraso. Ninguém reclama. ESTAMOS NA ÁFRICA.
As vestimentas, desde os tênis dos homens aos vestidos longos das mulheres, não têm nada a ver com os trópicos. NÃO ESTAMOS NA ÁFRICA.
Pelas frestas do anfiteatro, cabeças furtivas de negros espreitam. O preço dos ingressos ultrapassou o fundo de seus bolsos. ESTAMOS NA ÁFRICA.
Durante os noventa minutos que dura o espetáculo, estou na África, mas fora dela.
No final, as pessoas brancas entram nos seus carros estacionados juntos às calçadas das cercanias do Centro Cultural e depositam uns trocados nas mãos de negros sonolentos.

PREPARE O SEU ORELHÃO PRAS COISAS QUE EU CANTAR

Como a burrice é democrática e não há um único gênio da humanidade que não a tenha praticado um dia, o genial Vinícius de Morais chutou lá na bandeirinha de corner ao dizer que São Paulo era o túmulo do samba. E quem quiser ver é só subir no vídeo, o samba mora em Geraldo Filme, outro gênio.

THAT’S ALL, FOLKS!


No caminho, antes, a gente precisava
De atravessar um rio inventado.
Na travessia o carro afundou
E os bois morreram afogados.
Eu não morri porque o rio era inventado.


Manoel de Barros, em A Menina Avoada, do livro Exercícios de Ser Criança, Editora Salamandra.





Meu e mail: cesarcar@uninet.com.br
©Cesar Cardoso, 2010. Todos os direitos e esquerdos reservados. Que os piolhos infectados de 18 mil camelos infestem as partes pudendas de quem publicar algum texto daqui sem avisar nem dar meu crédito.

PLEASE MR. POSTMAN


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