sábado, 13 de novembro de 2010

2222 - FLOR DO LÁCIO - ÁFRICAS, VIA COPACABANA

Nosso ônibus anfíbio começa sua viagem. Por favor, facilite o troco e fale ao motorista tudo que lhe der na telha. Vamos às Áfricas, sempre tão plurais. E no meio de todos esses “Esses”, nosso caminho é pelas Áfricas de língua portuguesa, tão próximas entre si e de nós. E todos tão distantes. Quem são? Quem somos? As Áfricas e a última flor do Lácio.

JOSÉ CRAVEIRINHA
O poeta e contista José João Craveirinha (1922-2003) nasceu em Moçambique, trabalhou como jornalista e esteve preso entre 1965 e 1969 por fazer parte da Frelimo – Frente de Libertação de Moçambique e lutar pela independência de seu país. Exerceu diversos cargos na área cultural, nos governos pós-independência. Em 1991 tornou-se o primeiro escritor africano a ganhar o Prêmio Camões. A Editora UFMG, da Universidade Federal de Minas Gerais, acaba de lançar no Brasil os dois primeiros livros da Coleção Poetas de Moçambique, um com poemas de Rui Knopfli e outro com poemas de José Craveirinha.
Algumas de suas obras publicadas: Xibugo, (1964); Cântico a um Dio de Catrane (1966); Karingana Ua Karingana (1974); Cela 1 (1980) e Maria (1988).

A BOCA

Jucunda boca
deslabiada a ferozes
júbilos de lâmina
afiada.

Alva dentadura
antónima do riso
às escâncaras desde a cilada.

Exotismo de povo flagelado
esse atroz formato
da fala.

(do livro Babalaze das Hienas, 1997)

Depoimento autobiográfico, em janeiro de 1977:

"Nasci a primeira vez em 28 de Maio de 1922. Isto num domingo. Chamaram-me Sontinho, diminutivo de Sonto. Pela parte da minha mãe, claro. Por parte do meu pai fiquei José.
Aonde? Na Av. do Zichacha entre o Alto Mae e como quem vai para o Xipamanine. Bairros de quem? Bairros de pobres.
Nasci a segunda vez quando me fizeram descobrir que era mulato. A seguir fui nascendo à medida das circunstancias impostas pelos outros. Quando o meu pai foi de vez, tive outro pai: o seu irmão. E a partir de cada nascimento eu tinha a felicidade de ver um problema a menos e um dilema a mais. Por isso, muito cedo, a terra natal em termos de Pátria e de opção. Quando a minha mãe foi de vez, outra mãe: Moçambique.
A opção por causa do meu pai branco e da minha mãe negra.
Nasci ainda mais uma vez no jornal "O Brado Africano". No mesmo em que também nasceram Rui de Noronha e Noemia de Sousa. Muito desporto marcou-me o corpo e o espírito. Esforço, competição, vitória e derrota, sacrifício até à exaustão. Temperado por tudo isso.
Talvez por causa do meu pai, mais agnóstico do que ateu. Talvez por causa do meu pai, encontrando no Amor a sublimação de tudo. Mesmo da Pátria. Ou antes: principalmente da Pátria. Por causa da minha mãe só resignação.
Uma luta incessante comigo próprio. Autodidacta.
Minha grande aventura: ser pai. Depois eu casado. Mas casado quando quis. E como quis.
Escrever poemas, o meu refúgio, o meu país tamé'm। Uma necessidade angustiosa e urgente de ser cidadão desse país, muitas vezes altas horas da noite."

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