sexta-feira, 30 de outubro de 2009

ACHADOS DE ASSIS


Um halloween literário para o Bruxo do Cosme Velho. Dizem que esses textos foram psicografados na tenda espírita de Pai Silviano Santiago de Ogum. E que ele traz sua personagem amada em três dias.


a quadrilha de mata-cavalos

bentinho amava capitu que amava escobar
que amava iaiá garcia que amava brás cubas que amava carolina
que não amava ninguém.
bentinho foi pra o engenho novo, capitu para a suíça,
escobar morreu afogado, iaiá garcia acabou na tv,
brás cubas foi o primeiro defunto-autor
e carolina casou-se com joaquim maria machado de assis
que sempre quis entrar para a história.


DOM CASMURRO – NOVOS SEGREDOS, NOVAS DÚVIDAS

FILHO DO HOMEM

Cara leitora, um mistério de mais de um século parece ter sido por fim desvendado. Falo da disputa antiga entre Dom Casmurro e Capitu, sua ex-mulher, se é que tal título cabe em tal paixão. Cabe e não cabe, certamente bradarão uns e outros, e essa arenga renderia muitas palavras. Mas deixemos de lado esses pormenores. A verdade é que, graças a uma dessas modernidades de que agora dispomos, um teste de DNA, pôde ser comprovado que Ezequiel é realmente filho de Dom Casmurro e que, por consequência óbvia, o falecido amigo Escobar não é o pai do filho de Capitu. Isso sem nenhuma possibilidade de erro, coisa tão desses tempos!

A notícia, que tenta atar umas pontas da vida, era o principal assunto da rua do Ouvidor na manhã chuvosa de ontem. Procurado pelos jornais, Dom Casmurro – ou deveríamos chamá-lo Bento? – limitou-se a assoar-se, sem responder, mas o coração parecendo querer sair-lhe pela boca fora. O motivo, leitora? Ora, diz-se na cidade que o teste só teria sido possível graças a uns fios de cabelo de... bem, fiquemos com a casmurrice que afinal resultou em sua marca maior. Como dizia, uns fios de cabelo de Dom Casmurro, obtidos por Capitu em pessoa com o suborno do barbeiro de seu ex-marido, ou ex-paixão ou atual sabe-se lá o que, no Largo do Machado. O mesmo barbeiro que tocara rabeca para acalmar o coração agoniado do ainda Bento, na noite em que voltava do enterro do ainda amigo Escobar. Assim talvez se explique porque Dom Casmurro negou-se a falar com quem quer que fosse e meteu-se em casa, mais uma vez com o olhar ao longe e a velha frase de volta: - acabemos com isto.

Mas não adiantemos muito os fatos, para não estragar as surpresas que eles nos reservam. É o que vais entender, lendo. Afinal, és a leitora, também uma outra ponta, senão da vida, pelo menos dessas linhas.


DÚVIDAS SOBRE DÚVIDAS

Se foi grande foi a estupefação de Dom Casmurro não foi menor a indignação que lhe sucedeu. Após a surpresa com o resultado do tal teste moderno, do qual não fora avisado nem sequer consultado, ele desistiu mais uma vez do veneno que poderia destruir-lhe as entranhas e dar fim a tudo. Se por ventura tinha perdido o gosto à vida, mais ainda perdera o gosto à morte e, na manhã de hoje, estava decidido a seguir outro impulso. Tanto que, logo cedo, meteu-se num bonde para o centro da cidade, procurou os jornalistas e foi tomar café com eles na Colombo. Começou a conversa com certo ânimo, aceitando a paternidade de Ezequiel e pondo um fim a essa polêmica que julgávamos tão longa quanto desenredável. Porém, após alguns instantes, deixou cair a cabeça e começou a sussurrar alguma coisa que os jornalistas e demais presentes entre pães e cafés não entenderam logo. Mesmo respirando a custo, repetiu em tom já mais firme que, tanto quanto era certa a sua paternidade, a mesma certeza garantia que Capitu o havia traído com Escobar. Houve um tumulto de vozes, interrompido por ele. E depois de beber um gole de café, pousou a xícara e, como prova do que afirmava, tirou do bolso um papel e pôs-se a ler. Era uma carta de Capitu dirigida ao amante, onde ela narrava um encontro entre os dois e jurava ansiar por revê-lo e novamente beijá-lo. Mesmo com Dom Casmurro saltando trechos, aquelas palavras causaram um escândalo. Talvez a omissão tenha incendiado ainda mais a imaginação dos presentes. É o que ela costuma fazer. Mas o que seria pior, a omissão ou a leitura completa? Qual o maior incêndio? Problema difícil. Deixemo-lo sem solução e voltemos à Colombo. Indagado sobre como conseguira a missiva, Dom Casmurro limitou-se a dizer: “por meios tão oblíquos quanto os que aquela senhora usou para conseguir meus cabelos.” E garantiu em seguida, com a mesma brevidade e sequidão: “Oblíquos porém legais.” Um jornalista pediu licença para levar o manuscrito e imprimi-lo mas Dom Casmurro negou o obséquio e levantou-se para deixar a confeitaria. À sua passagem alguém ainda comentou: “se as pessoas valem a afeição da gente, também valem o nosso ódio”. Mas Dom Casmurro apenas seguiu para a rua, sem olhar para trás.

Procurada pelos repórteres, Capitu se mostrou muito surpresa. “Surpresa mas não decepcionada”, conseguiu dizer a senhora, não sem antes respirar fundo por umas três vezes, para só depois afirmar: “tais cartas fazem parte de mais uma trama deste senhor para destruir minha reputação e o que pode me restar de vida. Eis o verdadeiro caso da fruta dentro da casca”. Em seguida, jurando a falsidade da missiva, declarou ter instruído seus advogados a pedirem um exame grafológico. Já se apurou no entanto que Dom Casmurro não pretende ceder a carta, “parte tão íntima de minha desgraça”.

Aguardemos pois, cara leitora, as próximas escaramuças dessa história tão sem fim e que agora já envolve a literatura epistolar e a própria Justiça. E, enquanto isso, sigamos com a dúvida a nos tirar o sono. Capitu teria ou não traído? Eis aqui mais um mistério a se juntar aos tantos desse mundo, tão dissimulado quanto aqueles olhos de cigana oblíqua.

Nenhum comentário:

Postar um comentário