segunda-feira, 12 de outubro de 2009

HOJE É DIA DE VISITA


Por causas e contas olímpicas, muito se tem falado do Rio e mais ainda planejado para ele. Os poetas também falam das cidades. Não imaginam o traçado do novo transporte nem calculam o quanto de cimento e faturamento se terá. Manuel Bandeira morou de cara pro Santos Dumont e disse: “todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir”. Já Drummond permanece na cidade, seja no bronze sentado em banco de praia, seja etéreo, sobrevoando um Rio de versos.

CANÇÃO DA PARADA DO LUCAS

Manuel Bandeira


Parada do Lucas
- O trem não parou.

Ah, se o trem parasse
Minha alma incendida
Pediria à Noite
Dois seios intactos.

Parada do Lucas
- O trem não parou.

Ah, se o trem parasse
Eu iria aos mangues
Dormir na escureza
Das águas defuntas.

Parada do Lucas
- O trem não parou.

Nada aconteceu
Senão a lembrança
Do crime espantoso
Que o tempo engoliu.


CORAÇÃO NUMEROSO

Carlos Drummond de Andrade

Foi no Rio.
Eu passava na Avenida, quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.
Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.

Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.

Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas
autos abertos correndo caminho do mar
voluptuosidade errante do calor
mil presentes da vida aos homens indiferentes,
que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor.

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