A escritora Alice Barreira lembra dos velhos carnavais e de outras dores da infância. Afinal, o que cantava aquela marchinha: saudade é coisa que dá e passa ou que dá e pesa?
BIGORRILHO
Lá em casa também tinha um bigorrilho. Bigorilho fazia o quê? Acordava sempre muito tarde e ia fazer as entregas do açougue da esquina. Lá pelas quatro tinha terminado e então sentava-se num banco no quintal, tendo à frente uma mesa improvisada e bamba que ele mesmo fizera. Ali colocava a garrafa de cachaça e o copo e começava a beber. Quando passávamos por ele fazia sempre algum comentário sobre o tempo e conforme anoitecia entendíamos cada vez menos o que dizia.
Minha mãe dizia que bigorrilho era nosso tio. Mas ele não era seu irmão e no retrato de meu pai ainda jovem havia alguns outros rapazes que poderiam ser seus irmãos mas nenhum deles era o bigorrilho. Ele e minha mãe conversavam coisas que a gente não conseguia escutar.
Aos poucos bigorrilho foi acordando mais tarde e voltando mais cedo das entregas, até que parou de fazê-las e começou a sentar-se no banco do quintal logo depois do almoço. No final da tarde nós já não compreendíamos suas frases sobre chuva, sol ou nuvens. Ele também passou a pedir dinheiro à minha mãe.
Até que uma noite bigorrilho invadiu nosso quarto. Nessa época já passáramos todos a dormir no quarto de minha mãe. Mais uma vez não entendemos o que ele disse. Tenho quase certeza que queria mais dinheiro. Mas ele não repetiu a frase, como sempre fazia. Em vez disso começou a bater em minha mãe.
Hoje bigorrilho continua morando conosco e bebendo sua cachaça. Minha mãe lhe dá o dinheiro. Ela perdeu dois dentes e um pouco da visão do olho esquerdo. Eu não confio mais nela, nem em ninguém. Bigorrilho foi quem me ensinou.
ALICE BARREIRA
Cesinha, muito bom! Pena que Alice tenha aprendido desta maneira... Muito bom , adorei!
ResponderExcluirBeijos Aninha
Valeu, mina querida.
ResponderExcluirbeijo
Cesar