sexta-feira, 26 de junho de 2009

UM CASO CRÔNICO

NICOTINA, MON AMOUR

A beleza de Greta Garbo e o charme de Humphrey Bogart começavam no cigarro. O que era o primeiro sutiã comparado à primeira tragada? Nunca vou me esquecer daquela tonteira, um outro tipo de orgasmo. Meu primo se escondeu no canto da sala e acabou tacando fogo na franja da manta que recobria o sofá.

Agora eu era o herói e o meu Hollywood era sem filtro. Ah, o prazer da primeira droga. Ou melhor, da segunda. A primeira é o oxigênio, quando saímos do útero e deixamos de ser peixes. E só nos livramos dessa dependência com a morte. Mas pra que nos alertam? Cuidado: o cigarro mata! Ora, o trabalho mata muito mais e ninguém proíbe. Até o América mata, quando diz em seu hino – o mais bonito: hei de torcer, torcer, torcer, hei de torcer até morrer... A única coisa que não mata é a vida eterna. Mas esta está reservada pra deus e o diabo. Nós somos meros mortais na terra do sol, na vila do vício.

Quando vão inventar um cigarro que não seja católico, que venha só com o prazer mas sem o pecado e sua condenação? Já notaram que tudo que termina em ina vicia e dá prazer? Nicotina, cocaína, vagina, cada uma com seu gozo. Cigarro, haxixe, charuto, maconha, cachimbo, crack, folha de taioba, skank, cigarrilha, cigarro de palha... Você já fumou no escuro e ficou brincando de fazer um oito com a brasa? Já passou algum tempo fazendo as bolinhas de fumaça atravessarem um raio de sol? É, onde há fumaça, há fogo; onde há fogo, há paixão. E, certamente, queimaduras.

Eu parei de fumar quando apareceu uma lesão na língua. A biópsia indicou que era benigna, mas se eu continuasse fumando o médico me garantiu outra lesão e aí sim, a doença, o nome que ninguém dizia – lembram? Ele mesmo, o câncer. Como conversar, cantar samba e fazer sexo oral ainda me dão mais prazer do que fumar, salvei a língua e larguei o cigarro. Ah,mas que separação! Nem Romeu e Julieta sofreram tanto. Nem os personagens de Nelson Rodrigues se desesperaram assim. Virei letra de bolero, pisando saudades nas guimbas das calçadas, amargando insônias à luz do abajur e jurando que um dia volto pra ti, nicotina, mon amour!


Cesar Cardoso é viciado em escrever.

2 comentários:

  1. Eu estou tentando começar a parar de fumar. Os vícios já escasseiam. Será que escrever dá efeito colateral? Morro até roer.

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  2. Oi, Ana,
    Vai que que escrever já é um efeito colateral. E vício sempre dá pra inventar um novo. Como disse o Oscar Wilde: "resisto a tudo, menos a uma tentação".
    Beijo
    Cesar

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