sexta-feira, 4 de novembro de 2011

THAT’S ALL, FOLKS!

Segue o trecho final de Bartleby, o Escrivão, pequena narrativa do autor de Moby Dick, Herman Melville, que passou quase desapercebida quando lançada, lá pelos idos de 1850, mas que acabou influenciando o espanhol Enrique Vila-Matas, que escreveu o premiado romance Bartleby & Companhia. Vale a pena ler essa história, principalmente na edição primorosa que a Cosak Naify preparou, com tradução de Modesto Carone. O livro é um objeto-quase-puzzle e seu projeto gráfico realizado por Elaine Ramos foi premiado.

Não haveria necessidade de continuar esta história. A imaginação poderia suprir com facilidade o relato inadequado do enterro do pobre Bartleby. Mas, antes de me despedir do leitor, desejo dizer que se esta narrativa curta interessou-lhe a ponto de despertar sua curiosidade para saber quem era Bartleby, e que tipo de vida levava antes de conhecer o narrador, posso apenas assegurar que sinto a mesma curiosidade, mas sou incapaz de satisfazê-la. Não sei se devo contar um boato que me chegou aos ouvidos, alguns meses depois da morte do escrivão. Não posso dar garantias sobre sua origem e nem de quão verdadeiro é. Mas já que este relato obscuro teve algum interesse para mim, embora triste, pode ser que o mesmo aconteça aos outros; por isso menciono-o brevemente. O relato é o seguinte: Bartleby havia sido funcionário da Repartição de Cartas Mortas, em Washington, da qual fora afastado de súbito devido a uma mudança na administração. Quando penso sobre esse boato, mal posso exprimir as minhas emoções. Cartas mortas! Não se parece com homens mortos? Pense num homem que, por natureza e infortúnio, era propenso ao desamparo; poderia haver um trabalho mais adequado para aguçar o seu desamparo do que lidar o tempo todo com cartas mortas, separando-as para jogá-las ao fogo? Pois elas são queimadas todos os anos, aos montes. Por vezes, entre os papéis dobrados, o funcionário lívido encontrava um anel - o dedo ao qual estava destinado talvez estivesse apodrecendo na sepultura -; algum dinheiro, enviado por caridade – aquele que teria sido ajudado talvez já não estivesse sentindo fome; um perdão para os que morreram em desespero; esperança para os que morreram sem nada esperar; notícias boas para os que morreram sufocados por calamidades insuportáveis. Com recados de vida, essas cartas aceleram a morte.

Ah, Bartleby! Ah, humanidade!

 
                                                      Meu e mail: cesarcar@uninet.com.br

©Cesar Cardoso, 2010. Todos os direitos e esquerdos reservados. Que os piolhos infectados de 18 mil camelos infestem as partes pudendas de quem publicar algum texto daqui sem avisar nem dar meu crédito.



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