sexta-feira, 4 de novembro de 2011

CHIPS – o prazer da batata & o poder do circuito

Quem não se lembra de Emília e de Amélia? Quem? Quem já não cantou uma delas? Ou até as duas numa noite mais animada, numa madrugada de samba e cerveja, lugares tão comuns?

POSSO MAIS

Não tinha mesmo. Ah, mas quanto custava a Amélia aquele exercício diário. Emília, não. Era vaidosa. Mas entre o fogão e o tanque não há vaidade que não se afogue, verdade que não se queime.
As duas costumavam andar no mercado, fazendo as compras e além das compras. Amélia. Emília. Amélia, Emília. Muito prazer. E passaram a se encontrar entre o sabão, o café, o óleo. Com o tempo, trocavam umas tantas receitas, umas poucas queixas, um ou outro desejo.
Mas houve o dia de apenas um desejo. Que Amélia nem sabia, pensava ser só aflição, sem perceber que das aflições nascem tantos desejos. O caso é que faria dez anos de casada. Ocasião especial? Quem sabe. Mas uma ocasião, isso era, com certeza. Emília animava a outra, tinha que se enfeitar. Mas Amélia tinha tantas verdades guardadas que não sobrara espaço aos enfeites. Por sorte, Emília sabia lavar, cozinhar e se enfeitar também. Levou a amiga até sua casa e emprestou-lhe um vestido vermelho com um decote que deixou Amélia vermelha só de ver. E colar, salto alto, perfume.
Que noite! De manhã Amélia ainda estava acordada, sentada na mesa da sala. Sozinha. O marido não lembrara da data e passara a noite fora. Quando ouviu bater as oito, tirou a festa do corpo e foi devolver a Emília. Que não se conformou. Começou consolando a amiga mas a raiva foi subindo e um pouco depois estava esculhambando o marido da amiga, o seu e os homens. Amélia tentava acalmá-la. Tinha medo da raiva. Talvez pressentisse que da raiva também nascem desejos. Sem saber o que fazer, desandou a chorar. Emília parou, olhou a amiga que era só fome ao seu lado. O que se há de fazer? Abraçou Amélia. Deu-lhe o ombro. Quando o choro secou, levou Amélia até seu quarto, deitou-a e deitou-se a seu lado e encontrou a menor vaidade da amiga, que apenas lhe disse: Emília, Emília, Emília, não posso mais.

Cesar Cardoso

(Músicas Emília, de Wilson Batista e Haroldo Lobo, e Ai, que Saudades da Amélia, de Ataulfo Alves e Mario Lago.)

8 comentários:

  1. Que construção maravilhosa a partir da desconstrução destas inesquecívies personagens de nossa música, Cesar! Outro dia fui contar à minha filha mais nova sobre a Amélia e ela teve um acesso de riso incontrolável. Inacreditável para a geração dela. Abração e ótima semana.

    ResponderExcluir
  2. Un abrazo desde Santiago de Chile, muchas gracias por compartir, saludos fraternos

    Leo Lobos

    ResponderExcluir
  3. Obrigado, Cacá. E os risos da tua filha são ótimos. Sinais alegres dos tempos.

    Abracadabraço

    Cesar

    ResponderExcluir
  4. Salve Leo,

    Obrigado e volte sempre ao PATAVINA'S.

    Abraço

    Cesar

    ResponderExcluir
  5. Vim ler por recomendação da Adelaide do Julinho. Muito lindo, parabéns!
    Abraço,
    Emília (que já foi Amélia)

    ResponderExcluir
  6. Estas duas fizeram ciranda nas rodas de samba na minha casa, onde meu pai cantava e as apresentava a todos nós, junto a todas as outras: Dora (nome de minha mãe) sempre era cantada primeiro;Amália; Conceição;As vizinhas do Seu Libório;mas Emília e Amália, sempre compareciam, eram habitues da casa. Obrigada, por me proporcionar estas lembranças. Vou fazer o possível para ir ao lançamento dos livros. grande abraço

    ResponderExcluir
  7. Confesso, ainda não conhecia a Emilia. Minha cultura sambista aumentou nessa minha 1ª visita, meu xará.

    ResponderExcluir
  8. Que bacana, ver meu texto provocando lembranças e descobertas. O que mais quer quem escreve?

    Abraços

    Cesar

    ResponderExcluir