sexta-feira, 4 de novembro de 2011

OUTDOR - po+es+ia +v+is+ual

SAMARAL
– POESIA, CRIAÇÃO E AGITO –

Nas décadas de 70, 80 e 90 era comum vê-lo ali pela Glória e pelo Catete, sempre fumando, ou em algum boteco das redondezas tomando uma cerveja, sempre falando de poesia, sempre agitando algum projeto, sempre com papéis debaixo do braço. Podiam ser poemas novos, podiam ser esboços de um novo número da Urbana, um fanzine de poesia que ele produziu e editou. Ele, o poeta Samaral.
Samaral nasceu em 1948 no Rio Grande do Sul. Não sei quando veio para o Rio mas sei que nos cercas de 30 anos qua andou por aqui foi um agitador cultural, na linhagem de Oswald, de Vinícius. Na sua geração, fez muitas parcerias com os poetas Paco Cac e Chacal, outros dois grandes agitadores culturais que continuam na ativa – Chacal no Rio e Paco em Brasília. Fez por exemplo as “Segundas Urbanas – poesia luzidia no ar da velos cidade”, no Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho, o Castelinho do Flamengo.
Samaral morreu em 17 de março de 1998. Viva Samaral!
O poeta e jornalista Samaral, 1948 – 1998, que em 1973 havia editado a revista O FETO, rodada em mimeógrafo, reuniu um grupo de amigos e lançou no Rio de Janeiro, em 1985, o primeiro número de uma publicação que a princípio se chamou “Jornal de Bordo, URBANA”, com representantes em Belo Horizonte e Manaus. Seus editores/produtores foram: Cuíca, Eduardo Barr, João Sem Terra, Narciso Lobo, Paco Cac e Samaral. O projeto e a execução gráfica ficou sob a batuta de Samaral e Eduardo Barr. Vinte e oito foram os colaboradores. Ei-los: Alexandre Salgado, Ângela Melin, Ana Maria Miranda, Carmen Saporetti, Cuíca, Denise Alvarenga, Edgar Ribeiro, Eduardo Barr, João Sem Terra, Jorge Orlando, Jorge Salomão, José Alberto Lopes, Kátia Prates, Leonardo Fróes, Mauro Pamplona, Narciso Lobo, Paco, Marize Castro, Paulo Nunes, Rasec, Peter Magubane, Ricardo Beliel, Regina Lustosa, Ronaldo Macedo, Samaral, Solange Padilha,Vânia de Magalhães e Xico Chaves.
No seu projeto gráfico, URBANA nos apresenta uma proposta visual extremamente inovadora. Seu tamanho é de 29 x 44 cm, totalmente azul, com manchas marrom na capa e na contracapa. As interferências presentes entre as fotos, ilustrações e poemas revelam a proposta estética da revista. As páginas centrais foram dedicadas à poesia africana, reunindo diversos autores de diversos países africanos. A última página presta homenagem ao poeta e militante do CNA, Benjamim Moloise, enforcado no dia 18 de Outubro de 1985, na África do Sul. Com apenas 12 páginas esta publicação é umas das mais arrojadas experiências poéticas desse período.
O segundo número da Urbana foi mais radical na proposta de socializar a divulgação de trabalhos poéticos, reunindo aproximadamente trabalhos de 94 artistas brasileiros e de outros países, num caleidoscópio de estilos e temas. Autores de quase todos os estados brasileiros tiveram seus trabalhos publicados. A tiragem foi de 2.500 exemplares, 14 páginas e contou com o apoio da FUNARTE e da Associação Brasileira de Artistas Plásticos Profissionais.
Apesar do impacto dos seus excepcionais números, o projeto Edições URBANA ficou parado, mas latente nas cabeças dos seus primeiros organizadores. Em Agosto de 1987, dando continuidade ao projeto, foi lançado o URBANA Mural 1, Se Angra Explode quem se fode?, mais uma experiência poética inusitada, com o tamanho de 44 x 61 cm. A proposta era lançar um Mural temático de dois em dois anos.
Depois do segundo número, a revista teve uma parada de 3 anos e 5 meses. Em maio de 1990, com o lema Cobra que não anda não engole sapo, a URBANA ressurge, em seu terceiro número, com quatro páginas apenas, em papel jornal, no tamanho 29 x 36 cm. As dificuldades financeiras eram muitas, era preciso manter acesa a chama da utopia e partir para o ataque. Mais uma vez o espírito cooperativo predominou, os amigos contribuíram com poemas e afetividade: Álvaro Marins, Fred Maia, que cedeu camisetas para serem vendidas e assim ajudar na produção, João de Abreu Borges, Mano Melo, Márcia Freitas fazendo a revisão, Margareth Castanheiro, Vanda Freitas ilustrando e Zeca de Magalhães, Kzé. Zeca ficou com a responsa de também fazer a distribuição. A editoração teve o apoio de um amigo trotskista, Erick, que estava montando uma produtora de editoração computadorizada chamada Cinesoft. A tiragem foi de 5 mil exemplares. Zeca e Paco vendiam na Barca Rio-Niterói, fazendo lançamentos e falando poemas relâmpagos no trajeto da barca às 23h, quando os estudantes voltavam da UFF, e assim a URBANA seguiu adiante. Depois deste número ela nunca mais parou, só o fazendo quando o seu timoneiro faleceu. Vários foram seus co-editores e passageiros.
Até o décimo terceiro número, a URBANA, tinha como subtítulo Jornal Poema Fanzine, era editada em papel jornal, formato 29 x 36 cm, e sua tiragem variava entre 2 mil e 5 mil exemplares. Nos números 14º e 15º o subtítulo passou a ser Poema Fanzine, sendo retirado o nome “jornal”. Mas foi a partir do número 16, inverno de 1993, que a URBANA passou a ser editada como revista, no formato 17 x 28 cm, que ainda sofreria modificação. Os números 16 em diante seriam no formato 14,5x 27 cm e assim foi até o seu último número, o 22, como edição homenagem a Samaral que havia falecido em 17 de março de 1998. Essa edição especial de 15 anos de existência foi lançada em 2001, com tiragem de 5.000 exemplares, organizada pela Vidarte Urbana Edições e editada pelo poeta Dirval. Diagramação e arte-final de João de Abreu Borges e assessoria visual de Wladimir Dias-Pino. 144 autores participaram com textos, incluindo poetas que foram referência para Samaral, como Maiakovski e uma página dedicada a Che Guevara.
Além de publicar aproximadamente 400 poetas brasileiros, URBANA foi um pólo catalisador, divulgando eventos e publicações que circularam no período de 1985 a 1998, no Rio de Janeiro. Seus lançamentos mantinham acessa a centelha dos anos 70, eram acontecimentos onde diversos artistas se apresentavam em suas mais diversas formas, um happening, ou como na gíria da rapaziada, um apronto.

Paco Cac

 
“A poesia de Samaral tem aquela capacidade rara de sintetizar a influência da contracultura dos anos 60 e 70, com seu desbunde, improviso, liberdade criativa e escrita automática com o experimento plástico de pesquisa dos limites da poesia visual, da concreta e do poema-processo. Seus poemas visuais transitam assim numa confluência de linhas em que a crítica ao sistema consumista, à mídia e à coisificação se apresentam estruturados num espaço cujo limite é para além da liberdade absoluta e sem limites, o reencontro com a ordem, não mais agora a ordem da tradição ou da norma gratuita, mas o rigor transcendente do universo multidimensional. Associado ao fato de que boa parte da produção poética de Samaral se dá num momento pré-internet e ante-pc-pessoal, em que a produção do poema ainda se via dominada pelo âmbito dos recurso físicos de uma pequena gráfica: off-set, xerox, mimeógrafo, máquina de escrever e quando não, tesoura, revistas velhas e papel, seguindo de perto a receita de um Tristan Tzara mais por recondicionamento das condições sociais, do que por filiação dadaísta; os poemas de Samaral têm uma atmosfera envolvente de desarranjo aparente, de névoa de pub londrino com gafieira carioca, que marca um momento da jovem poesia marginal brasileira da década de 70 para 80 que poucos críticos têm prestado atenção, mas que essa poesia fez por enriquecer a dinâmica e o imaginário poético da cultura brasileira de uma forma que chegamos hoje a compreender muito do que aplaudimos em um Caetano Veloso, Waly Salomão e Jorge Mautner - para citar os mais velhos - e num Skank, Legião Urbana, Arnaldo Antunes - para citar os mais novos, devido às ousadias pioneiras de poetas como Samaral e sua luta pela poesia marginal no Rio de Janeiro.”

Jayro Luna


Para realizar essa matéria sobre Samaral, contei com a enorme ajuda do poeta Paco Cac e peguei materiais no blogs de Aimerê Cesar, Luiz Trimano e Jairo Luna (Orfeu Spam 14).

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