DESTINO: POESIA... NOS ANOS 70
Crítico literário, professor universitário e também poeta, Ítalo Moriconi acaba de organizar DESTINO: POESIA, onde reuniu cinco dos grandes nomes da poesia da década de 70: Cacaso, Ana Cristina Cesar, Waly Salomão, Paulo Leminski e Torquato Neto. A poesia dos cinco traça um retrato daqueles “tempos de alquimia”, como disse Cacaso. Tempos de desbunde & política & repressão, em plena ditadura militar. Pra quem já conhece a obra dos cinco, é muito bom reler alguns de seus grandes poemas (e até sentir falta de um ou outro, já que antologias pressupõem sempre seleção e seleção pressupõe cortes, e ir em busca deles em outros livros). Pra quem não conhece, o livro é uma ótima porta de entrada não apenas para a “geração marginal” mas para cinco grandes nomes da poesia brasileira.
Pra dar um gostinho, selecionamos um poema de cada um deles. Lá vai.
CACASO
GRUPO ESCOLAR
Sonhei com um general de ombros largos
que rangia
e que no sonho me apontava a poesia
enquanto um pássaro pensava suas penas
e já sem resistência resistia.
O general acordou e eu que sonhava
face a face deslizei à dura via
vi seus olhos que tremiam, ombros largos,
vi seu queixo modelado a esquadria
vi que o tempo galopando evaporava
(deu pra ver qual a sua dinastia)
mas em tempo fixei no firmamento
esta imagem que rebenta em ponta fria:
poesia, esta química perversa,
este arco que desvela e me repõe
nestes tempos de alquimia।
ANA CRISTINA CESAR
I
Enquanto leio meus seios estão a descoberto. É difícil con-
centrar-me ao ver seus bicos. Então rabisco as folhas deste
álbum. Poética quebrada pelo meio.
II
Enquanto leio meus textos se fazem descobertos. É difícil
escondê-los no meio dessas letras. Então me nutro das tetas dos
poetas pensados no meu seio.
PAULO LEMINSKI
AVISO AOS NÁUFRAGOS
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho
muito depois de caída।
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda।
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?
WALY SALOMÃO
OLHO DE LINCE
quem fala que sou esquisito hermético
é porque não dou sopa estou sempre elétrico
nada que se aproxima nada me é estranho
fulano sicrano beltrano
seja pedra seja planta seja bicho seja humano
quando quero saber o que ocorre à minha volta
ligo a tomada abro a janela escancaro a porta
experimento invento tudo nunca jamais me iludo
quero crer no que vem por aí beco escuro
me iludo passado presente futuro
urro arre i urro
viro balanço reviro na palma da mão o dado
futuro presente passado
tudo sentir total é chave de ouro do meu jogo
é fósforo que acende o fogo de minha mais alta razão
e na sequência de diferentes naipes
quem fala de mim tem paixão
TORQUATO NETO
COGITO
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim
Crítico literário, professor universitário e também poeta, Ítalo Moriconi acaba de organizar DESTINO: POESIA, onde reuniu cinco dos grandes nomes da poesia da década de 70: Cacaso, Ana Cristina Cesar, Waly Salomão, Paulo Leminski e Torquato Neto. A poesia dos cinco traça um retrato daqueles “tempos de alquimia”, como disse Cacaso. Tempos de desbunde & política & repressão, em plena ditadura militar. Pra quem já conhece a obra dos cinco, é muito bom reler alguns de seus grandes poemas (e até sentir falta de um ou outro, já que antologias pressupõem sempre seleção e seleção pressupõe cortes, e ir em busca deles em outros livros). Pra quem não conhece, o livro é uma ótima porta de entrada não apenas para a “geração marginal” mas para cinco grandes nomes da poesia brasileira.
Pra dar um gostinho, selecionamos um poema de cada um deles. Lá vai.
CACASO
GRUPO ESCOLAR
Sonhei com um general de ombros largos
que rangia
e que no sonho me apontava a poesia
enquanto um pássaro pensava suas penas
e já sem resistência resistia.
O general acordou e eu que sonhava
face a face deslizei à dura via
vi seus olhos que tremiam, ombros largos,
vi seu queixo modelado a esquadria
vi que o tempo galopando evaporava
(deu pra ver qual a sua dinastia)
mas em tempo fixei no firmamento
esta imagem que rebenta em ponta fria:
poesia, esta química perversa,
este arco que desvela e me repõe
nestes tempos de alquimia।
ANA CRISTINA CESAR
I
Enquanto leio meus seios estão a descoberto. É difícil con-
centrar-me ao ver seus bicos. Então rabisco as folhas deste
álbum. Poética quebrada pelo meio.
II
Enquanto leio meus textos se fazem descobertos. É difícil
escondê-los no meio dessas letras. Então me nutro das tetas dos
poetas pensados no meu seio.
PAULO LEMINSKI
AVISO AOS NÁUFRAGOS
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho
muito depois de caída।
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda।
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?
WALY SALOMÃO
OLHO DE LINCE
quem fala que sou esquisito hermético
é porque não dou sopa estou sempre elétrico
nada que se aproxima nada me é estranho
fulano sicrano beltrano
seja pedra seja planta seja bicho seja humano
quando quero saber o que ocorre à minha volta
ligo a tomada abro a janela escancaro a porta
experimento invento tudo nunca jamais me iludo
quero crer no que vem por aí beco escuro
me iludo passado presente futuro
urro arre i urro
viro balanço reviro na palma da mão o dado
futuro presente passado
tudo sentir total é chave de ouro do meu jogo
é fósforo que acende o fogo de minha mais alta razão
e na sequência de diferentes naipes
quem fala de mim tem paixão
TORQUATO NETO
COGITO
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim
Ai de mim, mais um livro que preciso comprar.
ResponderExcluirMeu caro Edson,
ResponderExcluirEncare como um investimento e não como despesa!
Abraço
Cesar