a oficina de literatura do cesar cardoso
desentortamos vírgulas
e pontos de interrogação
aqui você é atendido pela mecânica do texto
CONVERSAS COM MANUEL
Há uma certa covardia em estabelecer conversas com quem não tem mais o poder de simplesmente se calar e ir embora. Mas...
PORQUINHO DA ÍNDIA
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prà sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.
TERESA
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
MADRIGAL TÃO ENGRAÇADINHO
Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na
minha vida, inclusive o porquinho-da-índia que me de-
ram quando eu tinha seis anos.
MADRIGAL TÃO DESGRAÇADINHO
Quando ele chegou o jantar já estava no forno. Por mais que insistisse, não contei o que estava assando. Ficamos ali na cozinha tomando um vinho, ele tentava fazer jogos de adivinhações para que eu contasse, mas eu estava mesmo irredutível. Como não desistia, fui transformando aquilo num outro jogo. Agora, a cada adivinhação errada, tirávamos uma peça de roupa. E acabamos trepando embaixo do fogão. Depois eu abri outra garrafa de vinho, coloquei uma venda nele, abri o forno e fui lhe dando daquela carne tenra, já assada. A cada pedaço ele tentava mais uma vez adivinhar. Até que eu falei: Manuel, você é a coisa mais boba que eu já encontrei na minha vida. Você está comendo o seu porquinho-da-índia. Ele ainda tentou mas não teve tempo de reagir. Eu bati com o martelo bem no lado da sua testa e ele desmaiou. Nem terminou de dizer meu nome. Prolongou um pouco a letra R, como se ela tivesse ficado engasgada em sua garganta. Continuei batendo até que a cara ficou parecendo uma perna. Olhei Manuel pela última vez. E seus olhos estavam muito mais novos que o resto do corpo.
Vou-me Embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
A VOLTA
vim-me embora de pasárgada
num jipe junto com as putas
caguei pro rei debilóide
só não dispensei os alcalóides
(Os textos Porquinho da índia, Teresa, Madrigal Tão Engraçadinho e Vou-me Embora de Pasárgada são do genial Manuel Bandeira e podem ser encontrados no livro Estrela da Vida Inteira, que reúne sua obra poética e é facilmente encontrável em sebos, por um preço muito em conta. Sem dúvida, é um investimento muito melhor do que imóveis, ações, diamantes, drogas e armas, essas coisas em que normalmente as pessoas investem.)
desentortamos vírgulas
e pontos de interrogação
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CONVERSAS COM MANUEL
Há uma certa covardia em estabelecer conversas com quem não tem mais o poder de simplesmente se calar e ir embora. Mas...
PORQUINHO DA ÍNDIA
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prà sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.
TERESA
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
MADRIGAL TÃO ENGRAÇADINHO
Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na
minha vida, inclusive o porquinho-da-índia que me de-
ram quando eu tinha seis anos.
MADRIGAL TÃO DESGRAÇADINHO
Quando ele chegou o jantar já estava no forno. Por mais que insistisse, não contei o que estava assando. Ficamos ali na cozinha tomando um vinho, ele tentava fazer jogos de adivinhações para que eu contasse, mas eu estava mesmo irredutível. Como não desistia, fui transformando aquilo num outro jogo. Agora, a cada adivinhação errada, tirávamos uma peça de roupa. E acabamos trepando embaixo do fogão. Depois eu abri outra garrafa de vinho, coloquei uma venda nele, abri o forno e fui lhe dando daquela carne tenra, já assada. A cada pedaço ele tentava mais uma vez adivinhar. Até que eu falei: Manuel, você é a coisa mais boba que eu já encontrei na minha vida. Você está comendo o seu porquinho-da-índia. Ele ainda tentou mas não teve tempo de reagir. Eu bati com o martelo bem no lado da sua testa e ele desmaiou. Nem terminou de dizer meu nome. Prolongou um pouco a letra R, como se ela tivesse ficado engasgada em sua garganta. Continuei batendo até que a cara ficou parecendo uma perna. Olhei Manuel pela última vez. E seus olhos estavam muito mais novos que o resto do corpo.
Vou-me Embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
A VOLTA
vim-me embora de pasárgada
num jipe junto com as putas
caguei pro rei debilóide
só não dispensei os alcalóides
(Os textos Porquinho da índia, Teresa, Madrigal Tão Engraçadinho e Vou-me Embora de Pasárgada são do genial Manuel Bandeira e podem ser encontrados no livro Estrela da Vida Inteira, que reúne sua obra poética e é facilmente encontrável em sebos, por um preço muito em conta. Sem dúvida, é um investimento muito melhor do que imóveis, ações, diamantes, drogas e armas, essas coisas em que normalmente as pessoas investem.)
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