segunda-feira, 22 de março de 2010

REVISTA GANDAIA


A POESIA TEM QUE CAIR NA GANDAIA!
- SEGUNDA PARTE

Segue a segunda parte da entrevista que o poeta e escritor Paulo Leminski deu à revista GANDAIA, na longínqua década de 70. Mas quanto tempo faz?

O tempo da poesia não é o tempo do relógio.
É o tempo do incenso, um tempo oriental.
Mas uma coisa é certa: o poeta tem que viver dentro da prosa. Prosa profissional. Prosa do dia a dia. Prosa dos jornais. Aí está toda a barra. O poeta é um ser semiótico, crítico, utópico.
Dever do poeta é manter acesa a chama e a ideia de poesia. A noção de uma atividade radical, crítica e utópica. Na linguagem. Não apenas conteúdos edificantes e pios temas veiculados através de um discurso convencional e recebido passivamente.
Um poeta deve – sobretudo – agenciar os meios para poder continuar sendo poeta.
Até os 21 anos todo mundo é poeta. O foda é depois. Daí, você tem que provar.
Poucos resistem.
99% dos que fazem poesia hoje, dentro de dez anos, vão estar fazendo outra coisa. Poesia não é brincadeira, é loucura mesmo.
É nadar contra a corrente. Produzir o anti-discurso.
E – principalmente – evitar coisas como o sucesso e a consagração. Aquilo que o sistema canoniza como boa poesia é apenas a poesia que ele consegue vender. Edições bem sucedidas não fazem a boa poesia. Tem que segurar a barra sem parar. Senão acaba desfrutável como Drummond. Ou acadêmico como João Cabral.
Para isso não há regras e cada caso é um caso.
Mas você tem que montar tua vida de tal forma que possa continuar sendo poeta. A homogeneidade que essa sociedade propõe é totalmente fascista.
Você tem que montar sua vida ERRADO.
Quem aceita o discurso contínuo e homogêneo do trabalho massificado, difícil produzir o anti-discurso descontínuo e insurrecional da poesia. Só mesmo dando uma de Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
Quanto a mim, larguei a faculdade já nos anos 60. De lá pra cá sou um bóia-fria do texto.
Publicidade, jornalismo, roteiro de quadrinhos, palestras, levo uma vida profissional muito rarefeita.

Toda poesia que é poesia mesmo é experimental. Poesia de invenção. Todo poeta tem estes momentos. Você os encontra em Bandeira. Em Drummond. Nos músicos poetas (Gil, Caetano, Chico).
São eles, esses momentos, que valem.
O resto é moldura. O recheio de prosa sem o que não se vive.
No Brasil o termo “experimental” ficou ligado àqueles poetas que desenvolveram, de alguma forma, os pressupostos do Construtivismo concreto dos anos 50-60: materialidade do texto, função poética de Jackobson, espacialização, obra aberta, manipulação do vocábulo, novas sintaxes, intersemioticidade. Esses são os temas formais da poesia brasileira mais viva, presentes nos momentos mais vivos de qualquer poesia brasileira que se pretenda, pelo menos, moderna ou atual.
Já os poetas das mais novas gerações são às vezes “naturalmente” experimentais. Experimental é a atitude que contesta e questiona as formas do passado, a poesia desautomatizada, a que pratica a subversão de nos despertar da hipnose das formas tradicionais que a burguesia mima, promove em suas universidades, premia em seus concursos, porque FORMAS TRADICIONAIS VENDEM. A ordem literária exprime a mesma ordem que reprime e explora o operário. E os versinhos que se dizem a favor dos operários vendem que nem pão: um fenômeno mercantil, como qualquer outro. A favor do operário porque radicalmente contra a ordem que o oprime é a poesia problemática, a experimental, a que traz o futuro dentro de si, dentro de sua abertura para a consciência e a participação do outro. É a que aposta no desconhecido.
O poemão e a versalhada trazem na pele a marca de suas origens burguesas. E até latifundiárias... Com temas populistas, são caridade cristã. Alívio da consciência pesada do intelectual da classe média.
Não há dúvida: quanto mais poético, mais político.
E o experimental é a poesia mais anti-prosa.
Experimental é o risco.
Não concebo poesia sem risco.
O maior inimigo da poesia é a literatura.
Inimigo pior só mesmo o próprio capitalismo que, esse sim, é brochante em matéria de poesia.
A literatura é a legalidade poética.
Ora, a poesia - se tem um sentido - é ser uma atividade ilegal, marginal, criminosa, em termos de linguagem.
Então, viva a poesia! Abaixo a literatura!
A poesia se manifesta em experiências falhas. Discutíveis. Inclassificáveis. O discurso automatizado que se pratica por aí, com o nome pomposo de P-p-poesia, só é bom para as editoras e as academias, o aparato repressivo do exercício do texto. A legibilidade da “poesia participante” é simétrica aos interesses do mercado. É uma exigência do mercado, comunicar é seu álibi.
Poesia é lógica e linguagem insurretas.
Poesia é extremismo.
Poesia média é prosa. Empilhada em versinhos. Ou acondicionada em estrofes. O sistema insiste em dizer que sabe o que é poesia.
Mentira.
Pergunte aos poetas.
Ninguém sabe o que é poesia.
Anda bem.
Quer dizer: a inimiga é a literatura.
A literatura é a classe dominante dos signos.
Quer dizer: poesia sem literatura é carne sem gordura.

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