sexta-feira, 20 de novembro de 2009


TWITER AND SHOUT - A LITERATURA E A INTERNET

Eu não tenho celular mas tenho blog. Sou um estranho internauta literário. Ainda estou descobrindo como funciona o grampeador e o clipse e já tenho que saber muito mais do que isso para montar meu blog na rede. Sou do tempo em que viver na rede era coisa de índio ou piada sobre baiano. Mas queira eu ou não, também sou do tempo da Internet. E podem acreditar que eu quero.

Minha experiência em montar um blog é bem recente, cerca de quatro meses apenas. Mas já dá para perceber e pensar algumas diferenças que a Internet me proporciona como escritor.

O blog e a rede da Internet decretam por exemplo o fim das gavetas. O ser humano inventou a escrita e como consequência surgiu essa praga conhecida como escritor. E há milênios o escritor vive seu drama pessoal: como esvaziar suas gavetas cheias de escritos? Bem, com a Internet esse drama chegou ao fim. Agora qualquer escritor pode despejar todo o conteúdo de suas gavetas na rede... para o bem e para o mal. Porque, na verdade, a maior parte do que escrevemos é para ficar na gaveta mesmo. São nossos rascunhos, que resultarão em uns poucos escritos de qualidade e muito papel pras cestas de lixo. Literatura é iceberg. De qualquer forma cria-se uma nova forma de diálogo entre o criador, sua obra e seu público. O rascunho agora pode ser feito e refeito ao vivo, numa espécie de reality show literário, na frente do leitor, on line. Ou podemos fingir que á assim. Literatura também – e sobretudo – é fingimento.

Outro aspecto literário secular que se modifica é o manuscrito. Ele tende a virar peça de museu e talvez a desaparecer. E o que acontece com um certo tipo de estudo que se debruça sobre os vários manuscritos e rascunhos do autor, mostrando os caminhos do seu fazer literário? Desaparece ou se modifica? Cartas – ou melhor – e mails - para a redação.

O fazer literário sempre começou com a terrível página em branco. Mas mesmo ela se modificou e foi trocada pela tela em branco. A página com a caneta são também conquistas tecnológicas da humanidade. Houve um tempo em que o escritor era egípcio, se chamava escriba e ficava diante da pedra em branco, segurando seu martelinho ou talhadeira. Quando inventaram o papiro, certamente os fabricantes de pedra disseram que aquilo era coisa do demônio e ia acabar com a humanidade. Mas voltemos ao nosso branco, na folha de papel e na tela, essa coisa do demônio que vai acabar com a humanidade... Bem, caderno não tem tomada e a tela está ligada ao mundo. Ou pelo menos a um mundo, o virtual. E a tela tem movimento. É literatura viva e se mexendo, ao contrário da folha de papel.

E vejo ainda uma outra possibilidade interessante: a de fazer um livro sem fim. Acabei de escrever um livro para crianças que tem dois personagens principais: um é o escritor que está escrevendo o livro e o outro é o próprio livro que está sendo escrito e discute seus rumos com o escritor. E esses personagens dão endereços eletrônicos para os leitores conversarem com eles. Então eles continuarão existindo, agindo e pensando como personagens – enquanto conversam com seus leitores – mesmo depois do objeto livro de papel estar fechado. Ou seja: a chamada conversa com o leitor, graças ao mundo virtual, ganha realidade. O livro não se fecha. Tudo isso possibilitado pelas novas tecnologias e pela conexão em rede.

*

Mas eu me lembro que comecei a escrever na década de 70, com a chamada geração mimeógrafo e sua produção: a poesia marginal. Um dos motivos do nome “Marginal” é que nós estávamos à margem do processo editorial. Daí o mimeógrafo, como forma de botar no mercado nossa produção literária. Hoje parece piada comparar o mimeógrafo de 35 anos atrás e seu cheiro de álcool com a internet e toda a produção digital. Mas o mimeógrafo é o tataravô do blog, pois os dois cumprem, de forma assemelhada, a função de divulgação de textos literários, queira o mercado ou não.

E por falar em História, uma citação: “esta nova ferramenta vai destruir tudo o que a civilização construiu, milênios de cultura estão sendo jogados na lata do lixo”. Quem disse essa frase? Um intelectual francês, esculhambando a internet e a cultura digital? Ou um copista da Idade Média, esculhambando a nova tecnologia de impressão inventada por Gutemberg no século 15? Não importa. O certo é que as invenções sempre assustaram o ser humano. E nem sempre são usadas para o que foram criadas. Um dos motivos para Santos Dumont se matar teria sido ele ver a aviação jogando bombas durante a revolução de 32. E dizem que Deus, quando tirou uma costela de Adão, estava só querendo fazer um churrasco mas acabou inventando a mulher. Também os militares americanos quando criaram a primeira internet estavam só querendo acabar com os comunistas, não sonhavam em acabar descobrindo quais as 45 posições sexuais preferidas da Bruna Surfistinha.

Na Pré-História os homens eram os livros. Quanto mais velho o homem mais história ele tinha. E cada homem que morria era um livro a menos. Quando inventaram a escrita, muita gente deve ter achado que aquilo ia estragar tudo. E eles tinham razão: a escrita acabou com a Pré-História. Mas em compensação ela criou a História. E junto com a História veio a linearidade do texto. Mas agora trataram de inventar o hipertexto, rompendo essa linearidade e criando uma realidade em rede, com milhões de textos e imagens boiando em círculo na rede virtual. Além disso, a internet tem algo em torno de um bilhão e 300 milhões de usuários. Nunca nenhuma experiência humana juntou 20 por cento da humanidade. Algo maior do que isso só na época de Adão e Eva quando cem por cento da humanidade foi expulsa do Paraíso.

Mas afinal, que paradigma estamos rompendo? O do Renascimento, com a invenção da imprensa por Gutemberg? Ou o da História, abandonando o predomínio da linearidade da escrita em prol da circularidade da linguagem visual? Me parece que ainda vivemos a nova tecnologia, o mundo da cultura digital, entre a fascinação e a descrença e com pouca visão crítica dele. E esse texto também é prova disso. A nova cultura digital dificilmente irá destruir a cultura ocidental e tudo que acumulamos de saber até hoje. E dificilmente também irá levar todos ao nirvana ou a alguma espécie de céu social, eliminando magicamente as diferenças acumuladas por séculos de processos históricos. Mas que nova forma de lidar com o tempo e o espaço ela está criando? E no plano simbólico, que representações? E que alterações estéticas e éticas vão surgir desse novo mundo?

Por exemplo. De um lado escritores chineses que protestaram na feira do Livro de Frankfurt e a blogueira cubana, que foi impedida de vir ao Brasil pelo governo de Cuba. E de outro lado a Microsoft, contra o software livre, e a própria indústria livreira mundial, defendendo o governo chinês na Feira de Frankfurt. Quais os riscos do domínio desse mundo virtual pelo Estado ou pelo mercado? E quanto da discussão sobre mídia eletrônica e o e-book, por exemplo, está pautado pela indústria e sua necessidade de impor o ritmo de consumo absurdo da sociedade de hoje?

E no nosso caso, brasileiro, acho que a cultura digital não vai destruir Brasília, com tudo que ela tem de nova informação arquitetônica e cultural, nem vai salvar da miséria Nova Brasília, a favela com seu nome irônico encravada no Rio de Janeiro. A tarefa social continua começando com ler e escrever, me parece. Agora de duas formas, a tradicional e a digital, na rede. E daí então pode-se partir para o domínio dos instrumentos que formam a rede. Para poder produzir, não simplesmente um e mail ou um papo no MSN, mas conhecimento novo. Desmontar a caixa preta da tecnologia – de que fala o filósofo Villén Flusser - e remontá-la de acordo com os mais diversos interesses de cada indivíduo e de cada grupo social.

A tecnologia em si pode promover tanto o bem estar social quanto o esmagamento de liberdades. E pode fornecer – e fornecerá – instrumentos tanto para uma coisa quanto a outra. Mais uma vez atuação do homem, individual e coletivamente, é que vai determinar os caminhos que percorreremos.

É por isso que toda noite, antes de dormir, eu penso: eu nasci no tempo do twist e agora tenho que aprender o twitter. E lá se vai meu sono embora.

4 comentários:

  1. CESAR...
    QUE TEXTO ÓTIMO..
    TAMBÉM PENSO ASSIM...
    EU TAMBÉM SOU NOVA NESSE MUNDO"BLOGAL", MAS SABE QUE EU ESTOU ADORANDO...
    PRECISO AINDA APRENDER MUITO..
    AFINAL SOMOS DO TEMPO EM QUE AMARRAR CACHORRO COM LINGUIÇA AINDA TINHA TREMA....KKKKKKKKKKKKKK
    UM BEIJU EM SEU CORAÇÃO
    LOBA.

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  2. eu não abro mão da gaveta, digam o que quiserem. rs. bom texto, darling. sempre é tempo de começar. só que agora quem manda é o twitter. os blogs estão ficando jurássicos. corra, Lola, corra.

    beijos

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  3. Valéria,

    Eu sou do tempo em que nem todo mundo tinha cachorro e em que eu podia comer linguiça sem o coleeterol dar um ataque!

    Beijo

    Cesar

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  4. Maira querida amiga,

    Os blogs estão ficando jurássicos, parecidos comigo. Eu sou de um período só um pouquinho anterior a isso, quando os dinossauros não tinham entrado em extinção. Na verdade eles ainda não existiam. Éramos só eu e as amebas nadando, nadando qual esters williams...Bons tempos, bons tempos...

    Besos

    Cesar

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