sexta-feira, 28 de maio de 2010

SAMBLUES 2

A PARCERIA MA-NOEL

Na esquina de Vila Isabel com o Cerrado tem uma padaria que só abre à noite e serve sonhos pra quem dormir no balcão. Foi o que fizeram por lá Noel Rosa e Manoel de Barros. Dormiram, comeram sonhos e sonharam a seguinte conversa:

- Batuque é um privilégio / ninguém aprende samba no colégio
- Contenho vocação pra não saber línguas cultas.
Sou capaz de entender as abelhas do que alemão।

- Eu queria usar palavras de ave para escrever.
- Quem acha vive se perdendo

- O mundo é o samba em que eu danço / sem nunca sair do meu trilho / vou cantando o teu nome sem descanso / pois do meu samba tu és o estribilho
- O que não sei fazer desmancho em frases.
Eu fiz o nada aparecer.


- Eu sou o medo da lucidez.
Choveu na palavra onde eu estava.
- Quem dá mais? / por um violão que toca em falsete / que só não tem braço, fundo e cavalete / pertenceu a Dom Pedro, morou no palácio / foi posto no prego por José Bonifácio

- São Paulo dá café / Minas dá leite / e a Vila Isabel dá samba
- Depois de ter entrado para rã, para árvore, para pedra,
- meu avô começou a dar germínios।

- O poema é antes de tudo um inutensílio.
- Tudo aquilo que o malandro pronuncia / com voz macia / é brasileiro / já passou de português

- O sol da Vila é triste / samba não assiste / porque a gente implora / sol pelo amor de Deus/ não vem agora / que as morenas vão logo embora
- Com cem anos de escória uma lata aprende a rezar.
Com cem anos de escombros um sapo vira árvore e cresce
por cima das pedras até dar leite.

- As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
- Você no inverno / sem meias vai pro trabalho / não faz fé com agasalho / nem no frio você crê / mas você é mesmo /artigo que não se imita / quando a fábrica apita / faz reclame de você

- Já fui convidada para ser estrela do nosso cinema / ser estrela é bem fácil / sair do Estácio é que é / o X do problema
- O ocaso me ampliou para formiga.
Aqui no ermo estrela bota ovo.
Melhoro com meu olho o formato de um peixe.

- Tudo que explique
a lagartixa da esteira
e a laminação de sabiás
é muito importante para a poesia.

- Fazer poemas lá na Vila é um brinquedo / ao som do samba dança até o arvoredo

- Nasci no Estácio / não posso mudar minha massa de sangue / você pode crer / palmeira do Mangue / não vive na areia de Copacabana
- Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.


- Repetir repetir – até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.
- e o povo já pergunta com maldade: / onde está a honestidade? / onde está a honestidade?

- Não tenho herdeiros / não possuo um só vintém / eu vivi devendo a todos / mas não paguei a ninguém
- Na travessia o carro afundou e os bois morreram afogados.
Eu não morri porque o rio era inventado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário