Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigámos, morremos.
Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.
Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.
Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.
Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.
(Carlos Drummond de Andrade, em Alguma Poesia, edição comemorativa dos 80 anos do livro, Instituto Moreira Salles.)
AMAR
AMAROSLIVROSOSAMIGOSASMULHERES
AMARPREAMARMIRAMAR
AMAREMOTOSAMARAMITOSAMALGAMAR
AMARASMARÉS
&DESAMAR&REAMAR&DIFAMAR&DERRAMAR
EESSSSPPPPAARRRRRRRRAAMMMMAARRRR
AMARAMORATÉAMORTE
(Alice Barreira, inédito)
A Solidão e Sua Porta
Quando nada mais resistir que valha
A pena de viver e a dor de amar,
Quando nada mais interessar,
Nem o torpor do sono que se espalha;
Quando, pelo desuso da navalha,
A barba livremente caminhar
E até Deus em silêncio se afastar,
Deixando-te sozinho na batalha,
A arquitetar na sombra a despedida
Do mundo que te foi contraditório,
Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo o que é insolvente e provisório,
E de que ainda tens uma saída:
Entrar no acaso e amar o transitório.
(Carlos Pena Filho, em Os Melhores Poemas de Carlos Pena Filho, Editora Global.)
1.
pula do alto do morro
amarrado ao grito de socorro
um brinde e deixa a vida
guaraná com formicida
abre o gás do aquecedor
e dorme a dor
dois cortes nos pulsos
dão ao sangue um novo curso
enquanto tudo se arvora em plena festa
a vida se esvai por uma fresta
2.
joana rasga as fotos
do amor já torto e roto
waldemar toca a beber
pra matar a embriaguez
martins arranha os discos
e por fim o prego no ouvido
inês dá três tiros na aorta
três seu número da sorte
as pazes se desfazem
a cara cospe a metade
resta sem ganir o cão
que ainda fareja as mãos
onde já não há pessoa
só o cachorro perdoa
(Cesar Cardoso, em Coisa, Diacho, Tralha, ainda inédito)
34.
Seu João, perdido de catarata negra nos dois olhos:
- Meu consolo que, em vez de Nhá Biela, vejo uma nuvem.
(Dalton Trevisan, no livro 11 Ais, L&PM Pocket.)
se eu não vejo a mulher que eu mais desejo
nada que eu veja vale o que eu não vejo
(Poeta Provençal Bernart de Ventadorn, traduzido por Augusto de Campos)
XXII
Toma para teu gozo
Este rio de saudade.
Nenhum recobrirá teu corpo
Com tamanha leveza
E tal gosto.
Ainda que sejam muitos
Os largos rios da Terra.
Toma para teu gozo
Minha dor e insanidade
De nunca voltar a ver
Meu próprio rosto.
E aguarda uma tarde sem tempo
Quando serei apenas retalhada
Um espelho molhado de umas águas.
(Hilda Hilst, em Cantares, Editora Globo)
que tempo racorda o espaço de desejos
reais como canções de realejo?
nuvens finauguram oceanos
mares trescalando saltiplanos
seus medos mudos modos nos aflitam
suas calmas de telhados nos visitam
ou planetas galáxias luniversos
ou jogos de palavras, simples versos
a curva desse a!mor e seus encontros
a melhor distância entre dois pontos
(Cesar Cardoso)
Soneto Já Antigo
Olha Daisy: quando eu morrer tu hás de
dizer aos meus amigos aí de Londres
embora não o sintas, que tu escondes
a grande dor da minha morte. Irás de
Londres p’ra Iorque, onde nasceste (dizes...
que eu nada que tu digas acredito),
contar àquele pobre rapazito
que me deu tantas horas tão felizes,
Embora não o saibas, que morri...
Mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
nada se importará... Depois vai dar
a notícia a essa estranha Cecily
que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!
(Álvaro de Campos, em Poesia - Álvaro de Campos, Cia das Letras)
Soneto Ninfeta (2000)
Dedico-te esta dávida, ó Dolores,
musa divina, diva doidivanas!
Recebe de presente estes sacanas
bichinhos de pelúcia chupadores!
Serão teus companheiros quando fores
Brincar de bestialismo. Sem as xanas
de tuas amiguinhas ou das manas,
te sentes tão sozinha e tens tremores!
Coitada da Dolô! Quem dera fosse
dotada duma mansa passarinha!
Mas não! É uma ninfômana precoce
Já desde pequenina se entretinha
em jogos. Ao invés da bala doce,
chupava e era chupada na tetinha.
(Glauco Mattoso em Na Virada do Século - Poesia de Invenção no Brasil – organização de Claudio Daniel e Frederico Barbosa. Landy Editora.)
61.
- Você conhece o antigo rótulo da Emulsão de Scott? Assim eu me sinto. Casada... Não, não. Cansada, isso. Ao peso do eterno bacalhau nas costas.
(Dalton Trevisan, no livro 11 Ais, L&PM Pocket.)
Noite Branca
insônia sem seu corpo
desejo no vazio
frio e chuvoso
hora tanta larga e lenta
sem sono sem movimento
só um som se inicia nesse suspiro
imagem insidiosa e incendiária
esses “esses” se insinuando
na memória das suas curvas
no sonho silêncio dos seus seios
(Frederico Barbosa, em Cantar de Amor entre os Escombros, Landy Editora.)
estamos sob o mesmo teto
secreto
onde o sol indesejável é barrado
eu e você
sob o mesmo nós
dois, sóis,
sob o mesmo pôr
(o enigma do amor)
do sol
onde todo contorno finda
estamos
sob a mesma pálpebra
agora
já e ainda
intactos de aurora
(Arnaldo Antunes em 2 ou + corpos no mesmo espaço, Editora Perspectiva)
O sempre amor
Amor é a coisa mais alegre
amor é a coisa mais triste
amor é coisa que mais quero.
Por causa dele falo palavras como lanças.
Amor é a coisa mais alegre
amor é a coisa mais triste
amor é coisa que mais quero.
Por causa dele podem entalhar-me,
sou de pedra sabão.
Alegre ou triste,
amor é coisa que mais quero.
(Adélia Prado, no cd “Adélia Prado – o sempre amor”.)
VIDA A UM
- Ainda reclama de mim e se acha infeliz. E eu, que nem posso dar uma saidinha, que tenho que ficar comigo 24 horas por dia?
(Alice Barreira, em Haicontos, Editora 2, Lisboa, Portugal.)
como não te perderia
se te amei perdidamente
se em teus lábios eu sorvia
néctar quando sorrias
se quando estavas presente
era eu que não me achava
e quando tu não estavas
eu também ficava ausente
se eras minha fantasia
elevada a poesia
se nasceste em meu poente
como não te perderia
(Antonio Cícero em A Cidade e os Livros, Editora Record)
HAPPY END
o meu amor e eu
nascemos um para o outro
agora só falta quem nos apresente
(Cacaso em lero-lero, 7 Letras e Cosak & Naify)
XLII
Amor, querem alguns, conquista terras,
rompe fronteiras, finca a cruz da posse,
alcança o topo das montanhas. Erra,
penso, quem pensa assim. Será que posso
recitar-te a receita, amor, do amor
perfeito? Não se mova, aceite o toque,
o sobressalto, o susto (e aonde for
deixe-o ir: “do destino ninguém foge”)
- esses truques que a mente não entende,
bruxarias, brinquedos de duende
desocupado ou vento vagabundo.
Brinde em silêncio, faça a volta ao mundo
sem sair do lugar, aí, contigo,
e amor será por certo teu amigo.
(Tite de Lemos em Caderno de Sonetos, Ed. Nova Fronteira)
lembro da tua pele branca
que minha alma já assinara
brancura que nunca fora
rindo o vinho derramado
sonho de teu gozo antigo
com ânsias de cartomante
mares dantes do castelo
cartas nunca navegadas
ai quiséramos amores
naufrágios assinalados
(Cesar Cardoso)
Memória
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não।
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
(Carlos Drummond de Andrade, em Antologia Poética, Editora Record)
a quadrilha de mata-cavalos
bentinho amava capitu que amava escobar
que amava iaiá garcia que amava brás cubas que amava carolina
que não amava ninguém.
bentinho foi pra o engenho novo, capitu para a suíça,
escobar morreu afogado, iaiá garcia acabou na tv,
brás cubas foi o primeiro defunto-autor
e carolina casou-se com joaquim maria machado de assis
que sempre quis entrar para a história.
(Cesar Cardoso)
*
amor que parte o claro riso
em querer desmedido
e recusa insana
amor que me toma
como um carrossel de sóis
e um girassol de lâmpadas
vê se me alumia
me esclarece
me doma
***
amor que vence os tigres
vê se vence a mim
e me arrasa e me ilumina
para que eu saiba
saber o sim
(Antônio Risério em Na Virada do Século - Poesia de Invenção no Brasil – organização de Claudio Daniel e Frederico Barbosa. Landy Editora.)
minha memória evapore
feito a água
de uma lágrima
minha lembrança se vá
sem deixar lembrança alguma
em seu devido lugar
se um dia eu esquecer
que você nunca me esquecerá
(Paulo Leminski em La Vie em Close, Editora Brasiliense.)
SONETO SENTIMENTAL
O que você chama de amor é isso?
Essa perda do parco tempo e espaço
que ainda te restam, esse desperdício
de esperma? Esse viver sempre em compasso
de espera, sempre com o mesmo desfecho
que te faz dar o que te falta mais?
Que amor mais besta – uma espécie de peixe
palerma, que nada, nada e não sai
do lugar – é isso? Esse diz-que-diz
que não te deixa louco por um triz
e só te inspira mesmo ódio e horror?
Que te machuca tanto que no fim
não dá pra perdoar? É isso? Sim,
é isso que você chama de amor.
(Paulo Henriques Brito em Tarde, Ed. Companhia das Letras.)
setembro
Nunca mais será setembro,
nunca mais a tua voz dizendo
nunca mais, eu lembro,
nunca mais, eu não esqueço,
a pele, nunca mais,
o teu olhar quebrado,
dividido, vou esquecê-lo,
é o que te digo, nunca mais
a minha mão no teu sorriso,
a tua voz cantando,
vou apagá-la para sempre,
e os nossos dias, setembro, lembro
bem, dentro a tua voz dizendo não
(ouço ainda agora), como se quebrasse
Um copo, mil copos, contra o muro.
Rasgarei o que não houve, o que seria,
mesmo que tudo em mim me diga não
(e diz), mas é preciso.
Como não se pensa mais um pensamento,
quero, prometo:
nunca mais será setembro.
(Eucanaã Ferraz, em cinemateca, Ed. Companhia das Letras)
Thereza
Sem apelo
no vórtice do
dia no
abandono do chão na
lâmina da
luz feroz
fora da vida
desfaz-se agora
a minha doída
desavinda companheira
(Ferreira Gullar, em Toda Poesia, José Olympio Editora)
CAMÕES REMIX
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
eu cantarei de amor, valor mais alto
as ledas madrugadas devastando
triste engenho que arde, fogo e arte,
novo reino da morte libertando
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
em perigos e guerras de meus versos
busque amor, ‘inda além da taprobana
que valor de meus olhos não sei como
docemente partiste, força humana
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
são armas, são barões, edificaram
pelo todo essa parte que me paga
e a tanto não sei como sublimaram
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
alma minha gentil, é mesmo amor
que, tão contrária a si, a coisa amada
se alevanta, transforma o amador
(Camões e Cesar Cardoso – quanta pretensão do Camões!)
111.
Amor – esse mesmo dedo amputado que se ergue e te aponta.
(Dalton Trevisan, no livro 11 Ais, L&PM Pocket.)
20
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir, por ejemplo: "La noche esta estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos".
El viento de la noche gira en el cielo y canta.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.
En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.
Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.
Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.
Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.
Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.
Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.
La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.
Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.
De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.
Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
Porque en noches como esta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.
Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.
(Pablo Neruda em XX Poemas de Amor y Una Canción Desesperada, CD, ou em Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada, Ed. José Olympio)
da esfinge resta pedra sobre pedra
as respostas se divertem perguntando
como tremem nas mãos essas pepitas
nos entres do maduro o novo medra
a polpa desse tempo é sempre quando
e a saga da paixão está escrita
(Cesar कारdoso)
Ufffa!!!! Muito bom "seu" César. Muito bom!!! Grande seleção, melhor que a do Dunga!!!
ResponderExcluirAbracio
Horaço
Aqui não tem poeta volante, só artilheiro e craque.
ResponderExcluirValeu, Horácio!
Abração
Cesar
Que beleza! Cheguei por acaso e não pude sair até chegar ao final (com a boa surpresa de um poema meu aqui).Obrigado, abraço, Eucanaã.
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