terça-feira, 31 de agosto de 2010

PORQUE ESCREVO


“Se fosse sólido eu comia. Se fosse líquido eu bebia. Escrevo porque é gasoso.”

Alice Barreira

O texto que segue está no ensaio “À Meia-Luz”, sobre o escritor argentino Adolfo Bioy Casares, escrito por José Castello e publicado em seu livro Inventário das Sombras, (Editora Record) onde José nos dá esse e mais 14 ensaios sobre escritores e criadores como Ana Cristina Cesar, Clarice Lispector, João Antonio, Caio Fernando Abreu, Manoel de Barros, Nelson Rodrigues Saramago, Trevisan e outros. A leitura deste “Inventário” é uma grande prazer. Aliás José Castello está nos dando também seu novo romance: “Ribamar”, já nas boas livrarias do ramo.


Bioy Casares pergunta se desejo ouvir uma história. Não é uma gentileza de sua parte, adverte, mas sim um favor que eu lhe prestarei. Antes que eu possa responder que, sim, ficarei muito orgulhoso de ouvir uma hist[oria relatada por Bioy Casares, ele me fala um pouco a respeito de seus hábitos de escritor. Escreve diariamente, sempre pela manhã, nunca mais que duas páginas de caderno. “Depois disso, já se começa a escrever tolices”, justifica. Acrescenta que, na verdade, escreve todo o tempo, não com as mãos, mas com a cabeça. “Ah, eu nunca paro de escrever”, me garante. Um exemplo? Está, suponhamos, fazendo a barba. Enquanto espalha a espuma pelo rosto, vai contando uma história para si mesmo. Em seguida a esquece. Durante o almoço, retoma a mesma história e a relata para uma amiga que o acompanha. Se o relato desperta interesse, sente-se estimulado e na manhã seguinte começa a passá-lo para o papel. Mas se a amiga fica entediada, se muda de assunto, prefere esquecer da história. “É porque ela não presta”, conclui rapidamente.

Mas nem sempre, mesmo quando consegue agradar, Bioy Casares passa a sua história para o papel na manhã seguinte. Prefere ruminá-la mentalmente pelo maior tempo possível, aguardando o momento adequado para a transcrição. “Quando tenho a trama esboçada, começo a pensar: bem, esses serão os pontos difíceis, as partes que podem me derrubar”. Então, sempre mentalmente, sem anotar uma única linha, trata de solucioná-los, um a um. “Só assim, com a estrutura pronta, posso me sentar para escrever com a certeza de que não serei enganado pela história”, diz. Mas esse é mais um engano, a literatura é feita de enganos. Bioy admite: “O problema é que, quando começo a escrever, todas as minhas soluções falham. Quando está diante do papel, por mais que tenha ruminado a história, todas as dúvidas reaparecem. “Esse preparo mental só serve, no fundo, para que eu me engane e assim fique menos tenso para escrever”, diz. “Engano-me, mas já sei que, na hora de escrever, minhas soluções maravilhosas não funcionarão e então serei obrigado a partir do zero. E, com um sorriso no rosto, conclui: “Sou apenas um charlatão”. Poucas vezes terá definido melhor a literatura.

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