sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011


IV

Oh, mãe
o que eu deixei fora
Oh, mãe
o que eu esqueci
Oh, mãe
adeus
com um comprido sapato preto
adeus
com o Partido Comunista e uma meia rasgada
adeus
com seis fios de cabelo negro no vão dos teus seios
adeus
com teu velho vestido e uma longa barba negra ao redor da vagina
adeus
com tua barriga flácida
com teu medo de Hitler
com tua boca de histórias sem graça
com teus dedos de bandolins quebrados
com teus braços de gordas varandas de Patterson
com tua barriga de greves e chaminés
com teu queixo de Trotsky e a Guerra Espanhola
com tua voz cantando pelos trabalhadores arrebentados caindo aos pedaços
com teu nariz de trepada mal dada
com teu nariz de cheiro de picles de Newark
com teus olhos
com teus olhos de Rússia
com teus olhos sem dinheiro
com teus olhos de falsa China
com teus olhos de tia Elanor
com teus olhos de Índia faminta
com teus olhos mijando no parque
com teus olhos de América em plena queda
com teus olhos de fracasso ao piano
com teus olhos dos parentes na Califórnia
com teus olhos de Ma Rainey morrendo numa ambulância
com teus olhos de Checoslováquia atacada por robôs
com teus olhos indo para a aula de pintura à noite em Bronx
com teus olhos de Vovó assassina no horizonte da Escada de Emergência
com teus olhos fugindo nua do apartamento gritando nua pelo corredor
com teus olhos sendo levada embora por policiais numa ambulância
com teus olhos amarrada na mesa de operação
com teus olhos de pâncreas extraído
com teus olhos de operação de apêndice
com teus olhos de aborto
com teus olhos de ovários arrancados
com teus olhos de eletrochoque
com teus olhos de lobotomia
com teus olhos de divórcio
com teus olhos de ataque
com teus olhos, só
com teus olhos
com teus olhos
com tua Morte cheia de Flores

(Allen Ginsberg, em UIVO – Kaddish e outros poemas, prefácio, seleção, tradução e notas de Cláudio Willer, L&PM Editores.)
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Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos.
(Murilo Mendes, em Melhores Poemas de Murilo Mendes, Global Editora.)
+ + +

À MINHA MÃE

E quando enfim se apagou, meteram-na em terra;
Crescem flores, borboletas bailam-lhe por cima...
Ela, tão leve, mal calcava a Terra.
Quanta dor foi precisa, até se fazer tão leve!

(Bertold Brecht em Poemas e Canções, seleção e versão portuguesa de Paulo Quintela, Livraria Almedina, Coimbra, Portugal.)
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