quinta-feira, 9 de junho de 2011

RINHA DE GALINHA

Por Don King - nosso correspondente na Academia Brasileira de Letras e Artes Marciais

Waall, peguem logo as fichas, o uísque e façam suas apostas: o duelo dos desvairados vai começar. Neste corner, Haia Phinkasovna, a Louca da Ucrânia, dona do uppercut mais introspectivo da língua portuguesa e também conhecida como Clarice Lispector. No outro, o Máscara, o Falsário de Lisboa, o homem das mil personas, Fernando Pessoa. Não vale golpe baixo na alma. E o pau come na House de Noca. Holly shit!


Será preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer. E me arriscar à enorme surpresa que sentirei com a pobreza da coisa dita. Mal a direi, e terei que acrescentar: não é isso, não é isso! Mas é preciso também não ter medo do ridículo, eu sempre preferi o menos ao mais por medo também do ridículo: é que há também o dilaceramento do pudor. Adio a hora de me falar. Por medo?
E porque não tenho uma palavra a dizer.
Não tenho uma palavra a dizer. Por que não me calo, então? Mas se eu não forçar a palavra a mudez me engolfará para sempre em ondas. A palavra e a forma serão a tábua onde boiarei sobre vagalhões de mudez.
E se estou adiando começar é também porque não tenho guia. O relato de outros viajantes poucos fatos me oferecem a respeito da viagem: todas as informações são terrivelmente incompletas.
Sinto que uma primeira liberdade está pouco a pouco me tomando... Pois nunca até hoje temi tão pouco a falta de bom-gosto: escrevi “vagalhões de mudez”, o que antes eu não diria porque sempre respeitei a beleza e a sua moderação intrínseca. Disse “vagalhões de mudez”, meu coração se inclina humilde, e eu aceito. Terei enfim perdido todo um sistema de bom-gosto? Mas será este o meu ganho único? Quanto eu devia ter vivido presa para sentir-me agora mais livre somente por não recear mais a falta de estética... Ainda não pressinto o que mais terei ganho. Aos poucos , quem sabe, irei percebendo. Por enquanto o primeiro prazer tímido que estou tendo é o de constatar que perdi o medo do feio. E essa perda é de uma tal bondade. É uma doçura.
Quero saber o que mais, ao perder, eu ganhei. Por enquanto não sei: só ao me reviver é que vou viver.
Mas como me reviver? Se não tenho uma palavra natural a dizer. Terei que fazer a palavra como se fosse criar o que me aconteceu?
Vou criar o que me aconteceu. Só porque viver não é relatável. Viver não é vivível. Terei que criar sobre a vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade. Entender é uma criação, meu único modo. Precisarei com esforço traduzir sinais de telégrafo – traduzir o desconhecido para uma língua que desconheço, e sem sequer entender para que valem os sinais. Falarei nessa linguagem sonâmbula que se eu estivesse acordada não seria linguagem.

(Clarice Lispector em A Paixão Segundo GH.)


AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


DIZEM QUE FINJO OU MINTO

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é,
Sentir, sinta quem lê!

(Fernando Pessoa)

2 comentários:

  1. O poeta é um fingidor
    Finge tão completamente
    Que chega a fingir que é o autor
    Pois autor é o que deveras sente-se.

    E os que lêem o que escreve
    Só pela autoria já se sentem bem
    Críticas ao poema não cabem
    Se renome o poeta já tem.

    E assim as calhas das ruas
    Entopem-se de nomes vãos
    E o valor da arte é o preço do artista
    No máximo um milhão.

    duduperere
    www.verbologue.blogspot.com

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  2. Beleza, Dudu.
    E volte sempre ao PATAVINA'S.

    Abraço

    Cesar

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