- Eu tenho uma idéia. Vamos fazer um país, mas um
país novo, partindo do zero. Bota aí uns duzentos milhões de pessoas.
– Tá doido, é muita gente!
– Mas é pra ser muita gente mesmo.
– Mas é gente demais, não é não?
– Tá bom, cento e oitenta milhões e não se fala mais
nisso.
– Sei não. Vem cá, pra começar, como é que você vai
arranjar trabalho pra essa gente toda?
– Não vai ter.
– Ué, não?
– Não. E é bom que não tenha. Tendo mais gente que
trabalho você paga pouco a quem trabalha.
– Visto por esse ângulo... Mas eles vão trabalhar em
quê?
– Nas empresas, é claro.
– Claro? Pra mim ta é escuro. Bota aí metade deles
trabalhando, já são 90 milhões. Como que você vai fazer empresa pra essa gente
toda?
– Nós não vamos fazer empresa nenhuma.
– Ué, não?
– Não. Vamos trazer as empresas de fora, que já
estão prontas.
– E a troco do que elas vão topar vir pra cá?
– A troco não, a dinheiro graúdo, o dinheiro que
eles vão economizar pagando muito pouquinho aos 90 milhões.
– Bom, visto por esse ângulo...
– Além do monte de matéria-prima novinha em folha
que a gente vai dar pra eles.
– A gente vai dar?
– Dar é modo de dizer. Mas vai.
– Vem cá, você não acha que os 90 milhões que
trabalham e ganham miséria vão acabar chiando?
– Acho.
– E fica por isso mesmo?
– Claro que não. A gente pega dois milhões deles e
faz eles ficarem milionários, com um vidão de primeiro mundo nenhum botar
defeito.
– Você é doido! Os outros vão morrer de inveja!
– A idéia é essa.
– Ué, não entendi.
– A inveja é a filha mais nova e mais gostosa do
desejo.
– E daí?
– Daí a gente bola uns anúncios dizendo, melhor,
prometendo que esse desejo está ao alcance de qualquer um.
– E eles vão acreditar?
– E quem é que não acredita num anúncio bem feito,
com calda escorrendo e a mulher mais linda dizendo que você é o tal? Hein?
Hein?
– Bom, visto por esse ângulo... Mas e os outros 90
milhões que nem ganhar pouco ganham?
– O que que tem esses 90 milhões?
– Ah, esses não vão acreditar nem em anúncio bem feito.
– Claro que acreditam, esses aí são muito mais
fáceis de enganar. Eles nem foram à escola!
– Não?
- Claro que não. Se não tem emprego pra eles, pra
que que vai ter escola?
– Mas é tão bacana ir à escola!
– E você acha bacana ter 90 milhões de pessoas
espertas, esclarecidas e sem nada pra fazer?
– É, não é uma boa idéia não. Mas eu acho que mesmo
assim eles vão aprontar.
– Vão, com certeza vão. Tem gente que vai roubar,
tem gente que vai matar.
– E aí?
– Aí a gente diz que a culpa é deles. Se tem 90
milhões que estudam e se matam pra ter um pouquinhozinho de dignidade por que
que os outros 90 milhões são desempregados? Porque não querem nada com o
batente.
– Mas eles não têm emprego nem que queiram.
– Mas se você contar isso pra eles, meu amigo, eu
sinto muito mas vou te prender e te chamar de terrorista.
– Aí já sei, mesmo eu sendo teu melhor amigo, você
acaba com a minha raça.
– Eu? Não toco em um fio de cabelo seu. Deixo você
fugir e anuncio que o terrorista perigoso, uma ameaça às famílias, está solto!
– Pô, eles vão querer me matar!
– Mas eu sou teu amigo, eu não deixo eles te
matarem. Assim esse joguinho não termina nunca.
– Mas a gente estava falando dos 90 milhões de
desempregados.
– Que desempregado! Não vai ter desemprego no nosso
país.
– Como não?
– Tá na cara, eles só são desempregados porque não
querem trabalhar, o que faz com que eles deixem imediatamente de ser
desempregados e passem a ser vagabundos. E não vão ser todos.
– Como é que você sabe que não vão?
– Essa é fácil. Religião.
– O que que a religião tem a ver com isso?
– É uma receita. Pegue um desocupado e encha a
cabeça dele de religião, crie logo umas três ou quatro pra eles disputarem qual
é a melhor. Além de obedientes, eles não vão pensar em fazer besteira.
– Será que não?
– Vai por mim, pra criar obedientes, a religião é
melhor que o quartel. E quem não seguir uma religião qualquer nem for empregado
só pode ser um marginal. E marginal, a ciência já provou que é um problema de
nascença ou de código genético, área do cérebro, algo assim.
– Eu não sabia. Que ciência provou isso?
– A que a gente quiser. Afinal, quem é que vai pagar
os cientistas?
– Bom, visto por esse ângulo...
– E aí, gostou da minha idéia?
– Sei não, você tem sempre umas idéias mirabolantes.
Acho que esse troço não vai dar certo. Como é o nome dessa idéia?
– O nome? Eu pensei em Brasil.
– Brasil? Daonde você tirou isso?
– Sei lá. Acho que li em algum lugar e ficou na
minha cabeça. Brasil.
– Bra-sil, não sei. Eu prefiro Zimbabwe. É mais
sonoro, tem mais ritmo, Zim...bá...bwe!
– E por que não Nepal?
– Ih, mas você cismou com esses nomes curtinhos
terminados em l...
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