quinta-feira, 23 de julho de 2009

CHIPS – o prazer da batata & o poder do circuito –



FAMÍLIA DE PELÚCIA


Flanfar era um pequeno urso de pelúcia todo verde com olhos e nariz azuis. E era isso o que ele mais odiava. Seu irmão mais novo, Flanfis, era todo azul e tinha olhos e nariz verdes. Ele era da cor que Flanfar queria ser, tinha os olhos e o nariz da cor que Flanfar queria ter. Talvez por isso Flanfar fumasse sem parar. E talvez por isso também apagasse todos os seus cigarros na pelúcia azul e macia do irmão. Flanfis não reagia e tentava encontrar algum motivo que justificasse a atitude de Flanfar, mas de noite na cama chorava ininterruptamente. Chorava baixinho para que ninguém notasse ou para ver se ele mesmo não notava. Mas Flanfar, que dormia na mesma cama do irmão, sentia o balançar dos soluços de Flanfis e puxava os olhos e o nariz azuis de Flanfis até que ele quase desmaiasse de dor.

Depois disso, Flanfar caía num sono profundo enquanto dezenas de pensamentos cruzavam o cérebro de pelúcia azul de Flanfis e ele não conseguia dormir. Então sentava na cama, de costas para o irmão, olhava em torno do armário onde viviam e via as prateleiras com outros bichos de pelúcia, com carrinhos de corda, soldadinhos de chumbo, bailarinas de crepom, bolas de gude, pipas de papel colorido, dados e caixas de jogos. E seus olhos sempre terminavam pousados no mesmo lugar. A pequena cama de Flanmia, sua irmã caçula. Flanfis gostava de Flanmia, que tinha a pelúcia de uma cor que ele não conhecia e que possuía um olho amarelo e outro vermelho e que não possuía nariz. Flanfis achava curioso ela ter um olho de cada cor. E achava gozado a irmã tão miúda e sem nariz. Talvez por isso nas noites insones não conseguisse desgrudar os olhos de sua pequena cama, descesse da prateleira onde estava, atravessasse o armário onde viviam, subisse na cama de Flanmia, abraçasse a irmã caçula, chamasse baixinho pelo seu nome, acariciasse as pálpebras que cobriam aqueles olhos amarelos e vermelhos, apertasse contra seu próprio corpo aquela pelúcia de cor indefinida, abrisse lentamente aquelas pernas quentinhas, tampasse a pequena boca de dentes macios e a possuísse até sonhar que gozava numa terceira cor que ele não conhecia e resultava da mistura do amarelo com o vermelho.

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