quinta-feira, 23 de julho de 2009

- LHUFAS - coisa com coisa nenhuma –

Essa é a minha crônica do mês na revista Caros Amigos, que já está nas bancas à sua espera. Vai logo lá, seu preguiçoso!

TEMPORARIAMENTES


Eu sabia porque se chama carioca da gema quem nasce no Rio, sabia a escalação de Fluminense e Bangu na final de 64, sabia o que quer dizer blue moon. Mas pela manhã ao acordar fui acertar o relógio, os ponteiros me acertaram primeiro e esqueci tudo isso. Do que ainda lembro? Da emoção do primeiro caderno encapado com papel de seda azul. Ah, sim! Me lembro que o homem aprendeu a voar com Santos Dumont e a mulher com Fred Astaire. Ou terá sido ao contrário? O muro de Berlim, o império romano, as torres gêmeas, Teresinha de Jesus. Quem desses reconheceu a queda e não desanimou? Quem levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima? Que praga destruiu a primavera de Praga?

Tudo tão difícil. A memória vem do latim, sim, mas vai para onde? Quantas vezes por dia é preciso morrer pra continuar vivo? Quantas memórias precisamos perder? Em que tempo?

Um ano, por exemplo. O intervalo de tempo correspondente a uma revolução da terra em torno do sol. Ou bissexto ou letivo ou lunar. Talvez o tempo de gestação das girafas, de se fechar balancetes, de se parir e embalar Mateus.

Mas em alguma dobra da memória, que é o nosso tempo, existe um certo ano-luz sem nenhuma ciência que lhe dê conta. Uma revolução - não da terra – marítima, com seu ritmo que nenhum piano alcança, incabível - e como dança! E lá talvez esteja tudo que precisamos de preciso e impreciso: ligar o rádio, buscar a sintonia, o que vai ficando nos álbuns do olhar, tatuagens que não se vê, lã de vidro na ampulheta sem tampo nem fundo, escorre nos corpos - tão macia...

Quanto tempo terá levado até que o primeiro homem fizesse o primeiro armário e deixasse aberta a primeira gaveta à esquerda onde se encontra - quem sabe? - um bilhete esquecido dizendo bom dia?

Ventar e inventar folhinhas, memórias. O calendário vai pras calendas. Os relógios partem e se partem. Estamos com a corda toda, despertamos a madrugada e anunciamos aos galos: o ano domini!

E o tempo segue nos dominando.

Cesar Cardoso perde tempo escrevendo.

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