segunda-feira, 10 de agosto de 2009

CHIPS – o prazer da batata & o poder do circuito –


Pela estrada da literatura infantil afora eu vou bem acompanhado levar esses contos pra vocês...

CAROCHINHAS

Chapeuzinho Vermelho está caída no chão. O lobo ronda em torno, uiva ameaçador, os olhos sanguíneos. Ela gagueja: pra que esses olhos... tão grandes? O lobo fareja, arreganha os dentes, torna a uivar. Chapeuzinho chora e com um fio de voz indaga: pra quê? Pra quê?

A voz fica mais forte e ela consegue se levantar. O lobo eriça os pêlos da nuca. Agora é ele quem se assusta. Rodando em seus saltos vermelhos ela tira da capa um chicote que estala seguidamente no chão, acuando o lobo em um canto. E como todo animal acuado o lobo ataca.

Os dois rolam no chão, se arranham, se mordem. Com os dentes afiados ele rasga as roupas dela. Ela tem tufos de pêlos nas mãos. Filetes de sangue escorrem. Serão dele, serão dela?

Os dois trepam, ali mesmo no chão.

Depois se levantam e agradecem. O público da boate aplaude o último show da noite.

No camarim, Chapeuzinho tira a maquiagem carregada no vermelho e escova o pêlo do lobo. Os dois saem pela porta dos fundos da boate, atravessam a galeria onde apenas um botequim ainda está aberto, alcançam a rua e entram numa van caindo aos pedaços que os espera na madrugada de Copacabana. No caminho até Queimados, no subúrbio do Rio, o motorista puxa assunto algumas vezes. Mas tanto Chapeuzinho quanto o lobo dormem.

Por fim chegam numa casa de vila. Chapeuzinho salta, puxando o animal. O motorista oferece uma cerveja no boteco da esquina. Chapeuzinho não responde, abre o portão de lata e entra com o lobo. Eles atravessam o quintal e entram pela cozinha que ainda tem a luz acesa. Uma velha cega estende um prato com dois sanduíches. Chapeuzinho joga um para o lobo, que fareja a comida, e morde o outro, enquanto dá um beijo na velha.

- Vó, não precisa ficar esperando a gente não.


UMA FÁBULA!

- Chapeuzinho, bota o colete à prova de balas e vai no asilo levar o lexotan da sua avó, filhinha. Mas não vai pelo caminho da floresta.

- Mas a vovó pediu para eu ir na floresta catar uns cogumelos.

- Pra quê?

- Ela vai fazer um chá pra nós e contar a história de quando ela era a rainha má.

- Sua avó nunca foi rainha nenhuma. E eu não quero você tomando chá daquela velha desmiolada. Não aceita nada dela, nem pra beber, nem pra comer, nem pra fumar.

- Poxa, mãe, eu prometi pegar os cogumelos na floresta.

- Você sabe muito bem que não tem mais floresta nenhuma. Essa favela onde a gente mora chama Complexo da Florestinha por quê? Me obedece, viu?

- Eu sempre obedeço você.

- É? E o dia que você sumiu com aquele maluco lá da sua escola?

- O Peter Pan não é maluco não, mãe. Ele só tem pânico de envelhecer e vive fazendo tudo que é plástica e lipo que aparece.

- Chapeuzinho, pra inventar história já chega a sua avó. Anda, vai levar o remédio dela. Deixa o celular ligado e vai de mão dada com os homens da milícia. Já que a gente paga...

- Por que, o lobo mau vai me atacar?

- Não tem mais lobo nenhum. Comeram todos. O perigo é o caçador, que tá desempregado e vive bêbado por aí pela favela.

- Já sei. É pra não aceitar nada dele também, não é? Ele é desmiolado que nem a vovó.

- Pior, filha. Ele é tarado por menininhas. Você não soube que ele atacou a Branca de Neve?

- Ué, não foram os anões?

- Que anão! Botaram essa história na imprensa pra livrar a cara desse caçador contrabandista de arma. O safado tem costas quentes. Já foi até deputado.

- Mas se ele vier me atacar o papai me protege.

- Seu pai? Seu pai não sabe nem onde você mora. Se cruzar com você na rua nem te reconhece.

- É mesmo, mãe? Poxa, que vida! Eu queria pegar a história da minha vida, escrever um livro, publicar e ser muito famosa.

- Tá doida, Chapeuzinho? Isso vai custar uma fábula!

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