UM ANIMAL SONHADO POR KAFKA
É um animal com uma cauda grande, de muitos metros de comprimento, parecida com a da raposa. Por vezes eu gostaria de segurá-la, mas é impossível; o animal está sempre em movimento, a cauda sempre de um lado para outro. O animal tem algo de canguru, mas a cabeça pequena e oval não é característica e tem alguma coisa de humano; só os dentes têm força expressiva, quer os esconda ou mostre. Tenho seguidamente a impressão de que o animal quer me amestrar; senão, que propósito pode ter ao retirar-me a cauda quando quero agarrá-la, e depois esperar tranquilamente que ela volte a atrair-me, para logo tornar a saltar?
Franz Kafka.
O texto acima está no Livro dos Seres Imaginários, de Jorge Luiz Borges, onde ele coleta seres da mitologia grega, como o Minotauro e o Cão Cérbero, que guarda a entrada do Inferno (nenhum de nós deseja ir pra lá mas é prudente levar sempre um pequeno osso num dos bolsos da calça), da oriental, como o Elefante de seis presas que predisse o nascimento de Buda, e vários outros, inclusive seres imaginados por escritores, como este animal sonhado por Kafka. Lá estão o unicórnio, a quimera, o devorador das sombras, o macaco de tinta, a mãe das tartarugas, a lebre lunar e muitos outros. É uma enciclopédia do delírio, que vale a pena conhecer.
Kafka, sem dúvida o mais kafkiano dos escritores, entendia de animais imaginários, fantásticos, sonhados ou fugidos de nossos pesadelos. Basta lembrar o ínicio de seu mais famoso texto:
“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.”
A tradução é de Modesto Carone, que, assim como Borges, traduziu Kafka. Ou melhor: Carone traduziu direto do alemão para o português toda a obra de Kafka e acaba de lançar pela Companhia das Letras Lição de Kafka, reunião de ensaios, conferências e escritos seus sobre aquele tcheco doido. Vale a pena ler os ensaios de Carone, reler toda a obra de Kafka, ler mais um pouco de Borges e...
Por falar nisso, você sabia que Kafka e Borges já se enfrentaram no Rio?
BORGES VERSUS KAFKA – A LUTA DO SÉCULO
A primeira Bienal do Livro do Rio de Janeiro aconteceu em 1923 e conseguiu uma façanha: juntar na mesma festa literária Jorge Luiz Borges e Franz Kafka. Os dois vieram ao Rio aceitando um desafio: provar qual deles era o melhor. Mas para isso não iriam esgrimir canetas, papéis ou máquinas de escrever. Não. Kafka e Borges vieram ao Rio de Janeiro para se enfrentar em uma luta de boxe, proposta por eles mesmos como a melhor forma de se decidir quem era o melhor escritor, senão do mundo, pelo menos da primeira Bienal do Livro do Rio de Janeiro.
Como Borges já estava praticamente cego, Kafka concordou que a luta fosse disputada em total escuridão. E na noite de 12 de maio de 1923, diante de um recém-construído Maracanãzinho inteiramente lotado e com uma multidão do lado de fora tentando entrar, Kafka e Borges, ajudados por seus segundos, subiram ao ringue construído no centro do estádio. As luzes se apagaram e um silêncio avassalador caiu sobre todos. Ouvia-se apenas o ruído dos tênis dos dois escritores em seu atrito contra o chão emborrachado, as respirações ofegantes e os eventuais gemidos acusando algum golpe mais certeiro. Todos tentavam imaginar quem estaria levando a melhor. De três em três minutos o gongo soava, como que trazendo de volta à realidade aquela multidão. Até que o gongo indicou o final do oitavo round, o último. E as luzes voltaram de súbito, cegando por um instante a multidão. Todos esfregaram os olhos e finalmente puderam ver o ringue vazio. Os dois escritores haviam desaparecido.
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
IMPRESSÕES DIGITAIS
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Cesar Cardoso,
KAFKA VERSUS BORGES - A LUTA DO SÉCULO.
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