Nosso franco atirador Jean Prévert, diretamente de seu posto avançado em New York.
Le temps perdu / O tempo perdido
Devant la porte de l’usine / Em frente ao portão da fábrica
le travailleur soudant s’arrête / o operário para de repente
le beau temps l’a tiré par la veste / o tempo bom puxou-lhe pelo casaco
et comme il se retourne / e como ele se vira
et regarde le soleil / e olha o sol
tout rouge tout rond / bem vermelho bem redondo
il cligne de l’oeil / ele pisca o olho
familièrement / de um jeito familiar
Dis donc camarade Soleil / Diga lá camarada Sol
tu nes trouves pas / você não acha
que c’est plutôt con / uma puta esculhambação
de donner une journée pareille / dar um dia como esse
à um patron? / a um patrão?
Jaques Prévert
Oi, Cesar,
Estou mais uma vez sentado aqui na Grand Central Station, ouvindo os trens chegarem e partirem, tentando inutilmente reviver os bondes da infância, e te escrevendo. Me lembro bem quando meu pai escreveu o poema Le Temps Perdu, que eu traduzo canhestramente (convivendo com o inglês novaiorquino, esqueço o francês, desaprendo o português e vou acabar mudo). Eu cursava a quarta série e fazia um daqueles belos dias de junho. Estávamos só os dois em casa, minha mãe fora pra Nice cuidar de minha avó, que morreria dois meses depois. Ele me acordou, fez o café para nós dois, pôs o café na xícara, pôs o leite na xícara com café, pôs o açúcar e meia hora depois saímos para ele me deixar na escola. Eu tinha prova de matemática e comecei a ficar preocupado quando meu pai deu de cara com aquele dia de sol e resolver ir a pé. Foi batata, como vocês aí dizem (ou diziam, não sei bem): nos atrasamos e o portão da escola já estava fechado. Eu ensaiei um choro e meu pai começou ali mesmo a fazer o poema, primeiro me pondo para conversar com o sol e fazendo a voz e o jeito de andar do sol. Ele era um irresponsável bem divertido e eu esqueci da prova. E dali fomos para o centro, onde haveria uma passeata, não me lembro de quem e muito menos contra o quê. Lembro sim que chegamos na passeata e ele logo encontrou um amigo fotografando. Era simplesmente Robert Doisneau fazendo um ensaio sobre passeatas para a revista Life. Logo em seguida chegou Henri Cartier Bresson, os dois iam trabalhar juntos. Mas cada um a seu jeito, é claro. Então Henri, munido de uma inacreditável quantidade de filmes, tratou logo de se embrenhar no meio dos manifestantes, enquanto Doisneau e meu pai, munidos de uma sede também inacreditável embrenharam-se no bar da esquina e ali se puseram a conversar e beber copos e mais copos de vinho. Pediam sanduíches, davam o pão pros cachorros e comiam o recheio de pastrami com mostarda preta. O bar ficava na esquina por onde todo mundo chegava para a passeata e assim a mesa ia se enchendo, esvaziando e tornando a encher enquanto a passeata acontecia. Falou-se de tudo, de poesia à revolução, passando pela fabricação de guarda-chuvas e pelas vantagens ou desvantagens do sexo a três. Lá pelo meio da tarde, quando a passeata chegava ao fim (exatamente ali onde estávamos) Doisneau se lembrou do que viera fazer e saiu para fotografar. E meu pai misturou minha fracassada ida à escola com aquela manifestação, para dar a forma final ao poema Le Temps Perdu.
Patavinese-se e abracadabraço do
Jean Prévert
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