AS TRANÇAS
Eu tinha cabelos longos, tão finos como fios de ouro. E passava a maior parte do dia cuidando deles. Talvez tenha me descuidado de tudo o mais. Talvez. Mas como eu ia me cuidar?
Eu nunca mais soube de meus pais. A feiticeira que me raptou e me prendeu aqui nessa torre jurou que eles nunca procuraram por mim e que até teriam tido outra filha, tão loura e de tranças quanto eu. Mas eu nunca acreditei em nada do que a feiticeira falou. Mesmo quando fiquei doente e ela disse que iria me levar ao médico, eu não acreditei. Para que uma feiticeira leva alguém ao médico? Por que não usa seus poderes? Eu não cheguei a falar mas ela me respondeu: - estou velha, muitos poderes se foram. Meus feitiços não dissolvem a doença que te come o corpo.
Foi assim que fiquei sabendo da doença. Quando anoiteceu e o príncipe mais uma vez subiu à torre pelas minhas tranças eu não tive coragem de lhe contar o que ouvira. Mas ele viu em meus olhos que alguma coisa havia mudado. E me abraçou com uma ternura que eu ainda não conhecia.
A feiticeira cumpriu o prometido e me levou aos médicos da vila. E depois a outros médicos de uma cidade grande como eu nunca imaginara que existisse. Eles juravam que estavam cuidando de mim, mas eu me sentia cada vez mais fraca. O feitiço deles era mais poderoso que todos os feitiços de minha algoz. E se, no princípio, cheguei a pensar em fugir e atribuí ao medo da cidade desconhecida não tê-lo feito, aos poucos fui me sentindo mais fraca e desistindo de pensar em fugas. E me aconchegando cada vez mais nas novas ternuras com que o príncipe me consolava.
Até que o primeiro fio de cabelo caiu. E eu voltei a sentir o mesmo pavor que tive no dia do meu aniversário de doze anos, quando fui roubada de meus pais e trancada nesta torre sem escadas nem porta. A feiticeira tentou me tranquilizar: - hoje os médicos te explicarão que isso é o efeito do remédio, que esse é o único jeito capaz de te curar e que você deve ficar calma, depois do tratamento teu cabelo voltará a crescer ainda mais lindo do que já é. Eu não acreditei em uma única palavra do que ela disse, até ouvir os médicos repetirem cada uma delas. Só que, dessa vez, ao invés de crer na feiticeira, passei, sim, a desacreditar também dos médicos. Pude ver claramente que eles eram feiticeiros muito mais poderosos do que ela.
E, enquanto anoitecia, fui escovar meus cabelos, me preparando para receber meu príncipe. E minhas tranças caíam, mais rápidas que a noite, pelo chão do aposento da torre. Mesmo com lágrimas nos olhos, juntei todo o cabelo e fiz uma trança forte, que amarrei no trinco da janela e por onde meu príncipe mais uma vez subiu. Acho que vi surpresa e dor no seu olhar, ao se deparar comigo. Contei-lhe tudo e dessa vez ele não me mostrou novas ternuras. Não. O caso exigia uma solução imediata, temos que ser lógicos e práticos, foi o que ele me disse. E realmente, com muita lógica e prática, contou-me tudo que ia fazer, me tirando de uma vez por todas daquela torre, me livrando das garras da feiticeira e dos médicos e me levando para ser sua rainha, no palácio de seu reino, onde finalmente nós seremos felizes para sempre.
Como ele faria tudo aquilo? É o que tenho pensado. Meus dias não mudaram muito. Escovo bem minha trança, vou aos médicos com a feiticeira, continuo fazendo o tratamento e me sentindo cada vez mais fraca. Mas o pior mesmo são as noites. As noites vazias, desde aquela em que meu príncipe fez todas as promessas. Ele nunca mais voltou. Fico pensando no que pode ter acontecido. Será que os médicos e a feiticeira descobriram seus planos e o aprisionaram?
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