terça-feira, 12 de outubro de 2010

- LHUFAS - coisa com coisa nenhuma –

PEQUENO INDICIONÁRIO DE NUTILIDADES – FASCÍCULO 9

ALGOZAR
[De algoz + -ar. Do ár. al-guz, 'conquistador']
Verbo transitivo invasivo


1. No ato sexual, chegar ao gozo cruel que aflige até à morte o parceiro ou a parceira.
2. Atingir o orgasmo através do martírio das setas do amor divino, como teria feito Santa Teresa de Ávila. Praticar relação íntima que inclui a flagelação com setas, flechas e outros instrumentos perfurantes, com o objetivo de atingir o gozo através do ferimento.

IDIOMAR
[Do gr. idíometes, 'particularidade de estilo', pelo lat. tard. idiomare ]
Substantivo aguoso-palrativo

Oceano formado pelo desaguar dos rios Babel e Dycion, no Planalto de Léxis, na Babilônia Contada, onde nasceram as várias línguas. Ali os homens, ainda mudos, iam pescar e ficavam escutando as línguas que viviam no mar e tentavam em vão fazer com que as pedras e os peixes as aprendessem. Os homens passaram a observar as línguas e perceberam que elas entravam nas bocas dos peixes durante os primeiros dias de cada estação. Como estavam no verão, os homens esperaram a chegada do outono e então procederam a uma gigantesca matança dos peixes onde as línguas haviam se depositado, acenderam grandes fogueiras, cozinharam os peixes e os comeram durante todo o outono. E assim aprenderam a falar. As línguas, no entanto, se revoltaram com a matança dos peixes e decidiram se transformar em milhares de idiomas diferentes nas bocas humanas. Cada homem passou a ter a sua própria língua e nenhum deles se entendia. Por isso, com a chegada do inverno, os homens não conseguiam mais caçar juntos nem se proteger do frio e começaram a morrer, como os peixes. Com pena dos homens, uma pedra dágua, a única que aprendera a falar, contou-lhes o que estava acontecendo e lhes ensinou a beber da água do Oceano Idiomar durante as noites de lua azul para conseguirem se entender. Os homens assim fizeram e, dessa forma, sobreviveram e capturaram as línguas para sempre dentro de si.

LÁGRIMA DE SEIO
[Do lat. Lacrima sinu]
Substantivo consterno

Secreção lacto-aquosa, levemente alcalina, produzida pelas mães que perdem seus filhos e que não conseguem chorar pelos olhos, nem mesmo ao recolher do chão a cigarreira, que ficou inteira e boa (ele é que já não serve, jaz morto e apodrece).

NÃOPATIA
[Do gr. naunpátheia, pelo lat. nuncpathia]
Substantivo litúrgico

Simpatias impossíveis de se realizar e que curam enfermidades que ainda não existem. No passado, as nãopatias ensinaram os peixes a não se afogarem e os ovos a nascerem durante as galinhas. Através das nãopatias a morte pode conviver conosco durante algum tempo. “Com dois te vejo, com cinco te mando, com dez te amarro”, eis a chave para se conhecer e usar as nãopatias.

NÃOPLÓRIO
[Do finlandês arcaico nonploreint, por via popular]
Adjetivo não-conjecturável

O Arquipélago de Touvas, situado no Mar Juhannus Aatto, que banha a Finlândia Arcaica, foi colonizado pelos Simplórios, que estão sempre de acordo com todos e com tudo o que é dito. Como tudo que é dito é contraditório e entre todos se encontram as opiniões mais díspares, a atitude dos Simplórios causou muita discórdia e levou Touvas a viver séculos de guerras civis, como sempre cheias de assassinatos e de todo tipo de covardia. Até que no Ano Terceiro da Era Suomen Tasavalta, também conhecida como Era do Semi-Inconsciente, Touvas foi invadido pelos Ouplórios, que vieram trazer a paz. Os Ouplórios não concordam com tudo, mas querem sempre observar, descobrir e analisar o outro lado das coisas, dos fatos, dos sentimentos. Por isso eles trouxeram também a dúvida e em poucos anos ninguém em todo o reino de Touvas (os Ouplórios criaram uma monarquia em Touvas) sabia o que fazer já ao acordar pela manhã. Talvez aquilo fosse o caos, os Ouplórios ainda não estavam bem certos, mas a fome, as doenças e a miséria passaram a viver em cada casa, trazendo novas guerras civis, novos assassinatos e novas covardias. Por fim, no Ano Duzentos da Era Hanko-Nuorgam, a chamada Era do Líquido Amniótico, o país foi invadido pelos Nãoplórios. Muito objetivos e sempre desconfiados de tudo e de todos, os Nãoplórios decretaram o fim da fome, das guerras e das doenças e o início da Saimaa-Haltinturi, a chamada Nova Era. Desde então, os Nãoplórios deixaram de se comunicar com o exterior. Foram abandonadas todas as negociações de Touvas com outros países, o arquipélago retirou seus embaixadores da ONU e de todo o planeta e nem mesmo um simples telefonema de fora do país é atendido. Embora não se tenha mais notícias sobre Touvas, há boatos de que os simplórios teriam concordado com todas as novas medidas, os Ouplórios ainda estariam discutindo a respeito e os Nãoplórios teriam iniciado uma nova guerra civil.
REMEL
[Do lat. remelle]
Substantivo lacrimoso-purgativo

Remela de abelha-rainha uruçu que, ao entrar em contato com a vista humana, causa uma doença conhecida como fusco-lusco, também chamada no nordeste do Brasil de cegueira de cabaú ou mal do bangüê. O fusco-lusco é uma espécie de cegueira ao contrário, pois quem dele sofre não consegue mais fechar os olhos e enlouquece de tanto ver.

5 comentários:

  1. seria preciso nuvens dessa tal abelha-rainha uruçu; e haja ramela pra botar um tanto de gente vendo assim, no fusco-lusco...

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  2. ah...e esse indicionário é um atentado fatal
    ao mediano...faz a gente gemer no riso e morrer na dor
    Que coisa...

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  3. Grande Juca! Sua presença é sempre bemvinda. No blog e na vida.

    Abração

    Cesar

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  4. Salve, Neuza,

    Acho que vai faltar abelha pra tanto tipo de cegueira que anda espalhado por aí.

    Valeu a força. Volte sempre.

    Beijo

    Cesar

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