sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011


EPITÁFIO PARA M

Escapei aos tubarões
Abati os tigres
Fui devorado
Pelos percevejos.
(Bertold Brecht em Poemas e Canções, seleção e versão portuguesa de Paulo Quintela, Livraria Almedina, Coimbra, Portugal.)
+ + +

Aqui jaz Pedro Rocha
Como uma ejaculação precoce
Entregou-se tanto como se pudesse
Faltou-lhe resistência e polígrafo
Cedeu cedo, pelo que não ia
A vida não foi de colher
Esquece camarada
Já sou xaxim
+ + +

Esquece camarada
Que essa etapa agora encerra
Posto que agora eu sou mais parte terra
Me acaricia com a enxada
Esquece camarada
E guarda toda a sua mágoa
Tu, que ainda és mais parte água
E siga tua estrada
(Resposta a Pedro Rocha, de autor olvidado, etéreo, indeterminado)
+ + +

AQUI JAZ AMORA PÊRA
QUE CEDO AMADURECEU.
NÃO FOI AO CHÃO ,MAS COLHIDA
E SEMPRE MUITO BEM COMIDA
NEM NA MORTE APODRECEU
+ + +

Aqui jazz, MPB, tango, vinho e alegria
e também, contrariada, uma tal Claudia Maria
que clama por justiça e pela tecnologia!
Afinal, que faço aqui, nessa casa escura e fria,
quando meu corpo mais bem honrado seria
se transformado em papel, e impresso com poesia?
+ + +

Literário antropófago, mordaz,
adversário da cultura de massa
poesiprosa, obra sua foi capaz
de vingar? Ou deu de comer à traça?
Farra? Não! Ele zarpou tempos atrás
para a terra dos pés-juntos – desgraça!
Sangue de bugre e ibero, mestiços laços:
Ora pois, aqui jaz Mateus, o Passos
+ + +

Aqui jaz Geraldo Carneiro
que quis ganhar o mundo inteiro,
mas só ganhou metade.
O resto?
Vai esperar pela eternidade.
+ + +

Aqui jaz Tavinho Paes
cujas cinzas crocantes
servidas aos vermes
como beluga caviar
agora sim,
se tornaram interessantes.
+ + +

Aqui jaz Tanussi Cardoso
Que da vida só queria
comer carne e roer o osso.
Agora, sem sol nem esteira,
vive lambendo na beira
pó de cimento barato.
Ai, que saudades – quimeras –
da sola dos meus sapatos!
+ + +

Epitáfio de Bruno Tavares

Aqui neste sítio arborizado,
na encosta desta colina
foi enterrado um cabra.
Não se sabe como assina,
seus ossos são finos e longos
servem prá tocar tambor.
A cabeleira comprida
trançada com mão de artista
pode ter serventia
prá amarrar um novo amor.
Não tenha medo amigo
dessa carcaça enterrada.
Em vida, faz festa e te alegra
que a morte é prá todos, mas tarda.
+ + +

Velho, mesmo lerdo bardo, F. Flamante,
presto, educado, atendeu num instante
ao toque de recolher.
Mas sua chamada foi feita em má hora,
E em P.S. se registre isso agora:
Ela foi frustrante, causou um tormento.
Inesperada, se deu no justo momento
em que aprendia a viver.
+ + +

Descansa nutriente em sua terrinha
Silas Corrêa Leite, o Poetinha.
Depois de um viver inquieto,
depois de escrever brincando,
aqui descansa em paz e feliz
Nasceu analfabeto,
viveu estudando e
morreu aprendiz.
+ + +

Aqui jaz Jiddu Saldanha
que se decompõe por inteiro
as vísceras, as entranhas
liberando todos os cheiros.
Este poeta medíocre
agora tem sua serventia:
alimenta a microfauna
com sua carne fria!
+ + +

Aqui jaz Guilherme Zarvos, o Zarvoleta
Desde pequeno, como tantos, quis demais.
O tempo me deu + que uma Romiseta,
Meu mundo vai finalizando com ++ alegria que dor.
Quis ser até presidente, hoje me contento
com o futuro cair dos dentes.
Escrever e ter amigos foi meu destino,
deixo de herança a enorme esperança
e a intensa covardia.
+ + +

Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: – Nunca fez mal...
Quem, bêbedo, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: – Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: – Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançará um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: – Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: – Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?

Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
(Vinícius de Morais em Poesia Completa e Prosa, Editora Nova Aguilar.)
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2 comentários:

  1. O túmulo do poeta desconhecido
    F. Flamante
    Jaz em cova rasa simples tosca, sombria,
    poeta desconhecido, sem honraria,
    de citação em jornal.
    Porque, apesar de artimanhas e tretas,
    olvidado pela Academia de Letras,
    não se tornou imortal.

    Velho, mesmo lerdo bardo, F. Flamante,
    presto, educado, atendeu num instante
    ao toque de recolher.
    Mas sua chamada foi feita em má hora,
    e em P.S. se registre isso agora:
    ela foi frustrante, causou grande tormento,
    inesperada, se deu no justo momento
    em que aprendia a viver.

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