terça-feira, 17 de janeiro de 2012

CAIU NA REDE É PIXEL

AO MEU AMIGO HELIO JESUINO
Tinha resolvido caminhar todos os dias durante uma hora e já estava na Gago Coutinho quando me veio uma ideia para um texto. Apanhei o papel e a caneta no bolso e tentava anotar sem perder o passo quando alguém saiu detrás de uma árvore e se plantou bem na minha frente.
- Arrá!
Era Helio Jesuino que, com sua voz rascante, me provocou em tom de deboche:
- Um escritor atuante e contemporâneo tem sempre lápis e papel para anotar alguma ideia genial...
Eu contei que estava caminhando, ele deu sua risada, disse que me viu e se escondeu atrás da árvore pra me esperar passar e me sacanear. Helio não estava caminhando, isso realmente não fazia parte de seus planos. Estava era sentado no bar do outro lado da rua tomando umas cervejas e me convocou a ter uma atitude séria na vida, parar com esse negócio de caminhar e ajudá-lo a secar umas garrafas. Diante da gravidade da ponderação de meu amigo, tive que tomar um posicionamento sério e dividir a mesa e as cervejas com ele, além de vários tira-gostos que foram sendo pedidos ao longo da tarde, enquanto discutíamos todas as questões fundamentais para o bom andamento da humanidade. Lá pelas tantas começamos a falar sobre o que cada um andava criando e acabamos bolando um projeto juntos, onde eu entrava com fotografias, Helio com gravuras e iríamos misturando nossas linguagens em novos trabalhos.
Eu e Helio já havíamos trabalhado em parceria muitos anos e cervejas antes, lá pelo início da década de 90, no jornal carioca de cultura Verve, que era editado pelo Ricardo Oiticica e pela Claudia Roquette-Pinto. Fizemos uma tira mensal, onde eu entrava com o texto e Helio com o desenho. Depois, há cerca de dois anos, fizemos duas histórias em quadrinhos, a partir de uma releitura que escrevi da história da Chapeuzinho Vermelho. Agora criávamos mais uma ideia, que apresentamos ao Centro Cultural Justiça Federal e não foi aprovada. Mas foi um prazer desenvolver o projeto e passar aquela tarde tomando cervejas e conversando sobre tudo e nada com Helio, coisa que repetimos algumas outras tardes na casa dele e no Estação Largo do Machado, para finalizar a coisa toda. Ou só para tomar cerveja juntos mesmo. O Estação era um pouco a segunda sala de estar do Helio, ali a gente se encontrou muitas noites, às vezes ele e nosso amigo Armando, às vezes ele e a mulher, Silvia. Sentar na mesa com Helio sempre foi garantia de um bom papo, que podia ser intenso, polêmico, provocador, mas nunca dentro dos padrões estabelecidos pela caretice reinante. Helio sempre olhou o mundo de forma muito particular, sua, criativa. E assim também o representava em sua obra.  
Nos últimos dias de dezembro de 2011 voltei a prometer a mim mesmo que vou caminhar. E na quinta feira, 29, fui inaugurar minha promessa na pista Claudio Coutinho, na Praia Vermelha. Lá pelas tantas comecei a pensar nos meus projetos para 2012 e lembrei-me de falar com Helio para bolarmos juntos mais alguma ideia. Dessa vez ninguém saiu detrás de uma árvore para interromper minha caminhada. Como eu soube uma hora depois, ao chegar em casa, meu amigo Helio Jesuino havia morrido na noite anterior. Uma úlcera perfurou seu estômago, seu caminho, nossos possíveis projetos e sua risada. E eu fui tomar umas cervejas em homenagem a ele.

Cesar Cardoso

(As ilustrações são gravuras de Helio Jesuino com elementos de fotografias minhas, em montagens que ele realizou.)

5 comentários:

  1. Super emocionada com seu texto - Hélio era único em todos os sentidos. Ele realmente quando chegava era imenso. Um belo quadro dele ilustra meu quarto. Ana Lins

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  2. Pois é, Ana. Saudades do nosso amigo único e que por isso faz tanta falta.

    Beijo

    Cesar

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  3. Obrigado pela linda homenagem ao meu grande pai, Cesar. Linda mesmo!

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  4. Realmente uma linda homenagem ao paizão do Thiagão que vai deixar saudades!

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  5. Meu caro Thiago,

    Seu pai - meu amigo Helio - era grande e a homenagem ajuda a arrefecer a saudade.

    Abraço,

    Cesar

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