terça-feira, 17 de janeiro de 2012

PATAVINA’S NEWS

Nosso correspondente Jean Prévert
direto de N.York

Meu caro Cesar,

Estou na Rua 45, entre a Quinta e a Sexta Avenidas, mais precisamente num sebo chamado Book Off, que além de livros usados em muito bom estado tem dois andares só com cds, dvds, videogames e mangás, tudo em japonês. Sentado na casa de chá da loja, te escrevo para contar uma história.
Kasato Maru é um hábil manipulador de facas, apesar de possuir apenas três dedos na mão esquerda. A história de como perdeu esses dedos está tatuada em suas próprias costas. Se você souber ler essas e as outras tatuagens que tomam conta do corpo de Kasato, vai descobrir que ele nasceu em Osaka, em 1949, entrou para a Yakuza, a temível Máfia japonesa, aos 13 anos, passou 15 anos numa cadeia de Tókio, condenado pela morte de cinco deputados do parlamento japonês, lá perdeu os dois dedos da mão esquerda e se tornou um mestre na arte de manejar facas. Para matar, é claro.
Mas mesmo tomando todo o corpo de Kasato, as tatuagens não contam tudo. Não contam, por exemplo, como Kasato consegue fugir do Japão e sobreviver à perseguição da Yakuza, como vem para São Paulo para construir uma vida nova longe do crime, como acaba se envolvendo com o crime organizado daqui e liderando o tráfico de drogas na favela do Jardim Jangadeiro, no Capão Redondo e, por fim, como encontra o budismo tendai e desaparece no mundo.
Muita gente quer encontrar Kasato Maru, todas com intenções nem um pouco amistosas. Eu, que não o procuro, acabei sendo encontrado por ele. Kasato me mandou por e mail um pouco da sua história, que resumi mais um pouco para o PATAVINA’S. Atualmente ele é monge em algum lugar do planeta e se dedica a meditar, cuidar de uma horta e escrever haicais que, fugindo da tradição dessa poesia, têm como tema a violência, que ele experimentou na carne, sua e dos outros.
Essa é a história, Cesar. E agora os haicais.

Um abraço do

Jean Prévert


olhares cruzados
entre cerveja e ciúme
navalha na carne


no fogo da noite
clarão que dissolve a luz
o corpo crepita


chupeta pulando
solta pipa toma pico
a velha criança


essa casa santa
quanto poder tem jesus
na poça de sangue?


infância de irmãos
perdidos. Até o reencontro
do fogo cruzado


prazer te rever
no cumprimento final
a mão que esquarteja


a bênção meu filho
deus te abençõe meu pai
tiros já perdoados


não há de afogar
a mágoa, a chuva na cara
de quem nem respira


doce filho meu
sangue na faca com faca
ah minha mãezinha

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