No final da década de 70 fui um dos editores
da Gandaia, uma das muitas revistas de poesia alternativa da geração mimeógrafo.
No final de 1978, divulgamos um texto, que reproduzo abaixo. Ele se autoexplica,
traça um perfil daqueles dias negros e ganha uma sombria atualidade hoje.
RABISCO RECOMENDA: RABISQUE
A
COMLURB começou a apagar as pichações que, de um ano pra cá, voltaram aos muros
da cidade do Rio. A empresa e as autoridades querem que pais e professores conscientizem
a juventude da necessidade de zelar pelo patrimônio público, mantendo a cidade
“limpa”.
Nós
da revista Gandaia protestamos contra estes fatos, pois achamos que eles são um
ataque à liberdade de manifestação e expressão.
As
pichações, aparentemente, são de dois tipos: as políticas (anistia, por um
governo popular etc), que reapareceram nas eleições, e as de brincadeira (lerfa
mu, rabisco, celacanto etc). No entanto, achamos que essa diferença é
superficial. As pichações contra a ditadura militar têm um claro objetivo
político. Quanto às outras, nos dizem que não se trata de política, mas de
brincadeira de garotos, como se brincadeira num mundo em que nos obrigam à
seriedade 24 horas por dia não fosse uma posição política. Como se desrespeitar
a regra repressiva “vamos manter nossa cidade limpa” também não o fosse.
A
juventude é acusada de alienação e falta de opinião. Pode um cara de 17 ou 15
anos dar livremente sua opinião em nosso país? Pode ele, por exemplo, dizer o
que pensa nas escolas, sem correr o risco de reprovação? O que vemos hoje nos
muros da cidade são pessoas exigindo e praticando a liberdade de expressão,
seja com slogans diretamente políticos, seja com a bandeira da imaginação e da
criatividade (inclusive visual, basta olhar). E não é à toa que as autoridades
querem apelar pra família e escola, visando reprimir esta prática.
O
que é uma cidade limpa? Aquela em que seus habitantes só podem dizer o que
pensam se forem donos de empresas jornalísticas, de redes de tv? Aquela em que
os muros estão limpinhos mas somos invadidos por uma enxurrada de luminosos e
outdoors vendendo desde cigarros até a própria “felicidade”?
A
imprensa brasileira, de um modo geral e de acordo com seus interesses diversos,
tem lutado pela liberdade de manifestação e expressão. É hora de garanti-la
também aos que não têm veículos de informação.
UM
SPRAY NA MÃO E UMA IDEIA NA CABEÇA
PELA
LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO E EXPRESSÃO
Rio de Janeiro, 28 de dezembro de
1978
PS: Naquele ano de 1978, os
editores da revista Gandaia eram Angela Castello Branco, Cesar Cardoso, Cosmo
Campanha, Lino Machado, Luiz Fernando Pereira, Maira Parulla, Paulo Custódio e
Rubens Figueiredo.
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