terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

PRA QUE SERVEM OS MUROS?



No final da década de 70 fui um dos editores da Gandaia, uma das muitas revistas de poesia alternativa da geração mimeógrafo. No final de 1978, divulgamos um texto, que reproduzo abaixo. Ele se autoexplica, traça um perfil daqueles dias negros e ganha uma sombria atualidade hoje.

RABISCO RECOMENDA: RABISQUE
                
                   A COMLURB começou a apagar as pichações que, de um ano pra cá, voltaram aos muros da cidade do Rio. A empresa e as autoridades querem que pais e professores conscientizem a juventude da necessidade de zelar pelo patrimônio público, mantendo a cidade “limpa”.
                Nós da revista Gandaia protestamos contra estes fatos, pois achamos que eles são um ataque à liberdade de manifestação e expressão.
                As pichações, aparentemente, são de dois tipos: as políticas (anistia, por um governo popular etc), que reapareceram nas eleições, e as de brincadeira (lerfa mu, rabisco, celacanto etc). No entanto, achamos que essa diferença é superficial. As pichações contra a ditadura militar têm um claro objetivo político. Quanto às outras, nos dizem que não se trata de política, mas de brincadeira de garotos, como se brincadeira num mundo em que nos obrigam à seriedade 24 horas por dia não fosse uma posição política. Como se desrespeitar a regra repressiva “vamos manter nossa cidade limpa” também não o fosse.
                A juventude é acusada de alienação e falta de opinião. Pode um cara de 17 ou 15 anos dar livremente sua opinião em nosso país? Pode ele, por exemplo, dizer o que pensa nas escolas, sem correr o risco de reprovação? O que vemos hoje nos muros da cidade são pessoas exigindo e praticando a liberdade de expressão, seja com slogans diretamente políticos, seja com a bandeira da imaginação e da criatividade (inclusive visual, basta olhar). E não é à toa que as autoridades querem apelar pra família e escola, visando reprimir esta prática.
                O que é uma cidade limpa? Aquela em que seus habitantes só podem dizer o que pensam se forem donos de empresas jornalísticas, de redes de tv? Aquela em que os muros estão limpinhos mas somos invadidos por uma enxurrada de luminosos e outdoors vendendo desde cigarros até a própria “felicidade”?
                A imprensa brasileira, de um modo geral e de acordo com seus interesses diversos, tem lutado pela liberdade de manifestação e expressão. É hora de garanti-la também aos que não têm veículos de informação.
               
                UM SPRAY NA MÃO E UMA IDEIA NA CABEÇA
              
               PELA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO E EXPRESSÃO

Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1978


PS: Naquele ano de 1978, os editores da revista Gandaia eram Angela Castello Branco, Cesar Cardoso, Cosmo Campanha, Lino Machado, Luiz Fernando Pereira, Maira Parulla, Paulo Custódio e Rubens Figueiredo. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário