segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

CHIPS – o prazer da batata & o poder do circuito –


DEDO DE MOÇA & ALICE BARREIRA

Meu caro maninho Cesar,

Aí vai mais uma carochinha. Essa é uma das duas que saíram na coletânea das Escritoras Suicidas, Dedo de Moça. Te mandei o livro mas você não me disse se recebeu, seu mal educado. E você, continua escrevendo? Isso mesmo: insista bastante que um dia você aprende.

Beijos em tua bela boca.

Da sua irmã, cada vez mais caçula e incestuosa,

Alice


PROVANDO DO FEITIÇO

O príncipe avisou-lhe que ia ficar longos meses fora em mais uma guerra, mas que seria o mais cruel dos homens em cada batalha, para assim poder voltar logo aos braços de sua esposa e amada; e nas batalhas, enquanto torturasse e matasse seus inimigos, não pensaria em outra coisa a não ser nela. Beijou a testa da princesa e se foi. Ela se deixou ficar na janela real, vendo o príncipe e a tropa desaparecerem na curva da estrada real. Tudo ali era tão real... E ela chorou como nunca chorara, nem nos tempos de maldições, perseguições e bruxarias, nem nos piores pesadelos que tivera nos cem anos de sono.

Houve então um passe de mágica, coisa que ela não via há anos. E a outra surgiu bem à sua frente. Perguntou quem era a aparição e ao saber que se tratava de sua fada madrinha, questionou logo: por que você me deixou dormir cem anos? A outra explicou então que era apenas uma de suas fadas madrinhas, não tinha tantos poderes assim, muito menos para enfrentar a bruxa que a enfeitiçara, fazendo-a dormir aquele tempo todo. Mas também tinha valor, afinal fora ao seu batizado e lhe dera de presente nada mais nada menos do que a beleza, atributo que ela ainda carrega no nome e no corpo, e que encantara o príncipe. Ao ouvir falar do príncipe, Bela suspirou e balançou a cabeça. A fada logo interpretou o gesto como saudades, prontificou-se a usar seus poderes para resolver o problema e antes que Bela dissesse ah, brandiu sua varinha de condão e se metamorfoseou no príncipe, mais encantado do que nunca. A fada-agora-príncipe ia começar uma possível declaração de amor, mas Bela interrompeu-a. Não suspirara por saudades do príncipe, a vida do casal já estava longe de ser uma maravilha, ele só pensava em guerras, invasões, batalhas e o mais das vezes chegava exausto na cama, pegando no sono rapidamente. Pelo menos não roncava, como Bela ouvia falar da maioria dos homens, mas deveria sonhar muito mais com os inimigos do que com sua princesa.

Diante dessa triste história, a fada voltou à sua forma original e as duas sentaram-se na varanda do quarto, que dava para o bosque real. E então foi a vez da fada desabafar. Sua vida também não era tão graciosa quanto parecia nas histórias. Fadas passam os dias e as noites fazendo mágicas, quase sempre as mesmas. Arranjam muitos príncipes, mas nunca ficam com nenhum deles, sempre morrem solteiras. E lembrou quantas vezes desejara para si um daqueles homens que entregara para tantas donzelas. Certa vez, não se conteve e ficou invisível para espiar um deles nu, no banho. E qual não foi seu susto ao ver o tal príncipe se masturbar no banheiro. Chegou a dar um grito, que fez o outro interromper o que fazia, olhar em volta desconfiado e se certificar de que a porta do banheiro real estava mesmo trancada.

As duas riram um pouco e Bela contou sua única aventura. Foram — ela e seu príncipe — visitar um reino vizinho. Lá mandava um imperador. O homem achava o título mais imponente do que príncipe ou mesmo rei. Era muito vaidoso, como a maioria dos reis, príncipes ou lá que nome tivessem ou se atribuíssem. E embora ficasse se pavoneando bastante, era de fato inteligente e bonito e Bela passou a noite entretida com seu charme. Na hora dos licores e charutos, seu marido foi escolher o que iria fumar e ela ficou a sós com o imperador por um brevíssimo instante. Muito breve mesmo, mas suficiente para que o homem a agarrasse pela cintura, a puxasse para si e lhe tascasse um beijo na boca. Bela conseguiu se soltar, deu um tapa no rosto do abusado, e foi ao encontro do marido no salão ao lado. E até o final da visita, ela e o conquistador barato agiram como se nada houvesse acontecido. Bela nunca tocou nesse assunto com o marido nem com ninguém. Nem contou — como fazia agora — que não botou muito empenho no tapa e até demorou um pouco para começar a fazer força e se soltar. Ainda era capaz de sentir os lábios do outro nos seus.

Nesse instante a fada dá um pulo do sofá e, enquanto grita "tenho uma ideia!", corre até o quarto, pega sua varinha e — mágica das mágicas, tudo é mágica! — se transforma no imperador vaidoso. Bela olha o outro sem saber o que fazer. Então, lentamente, se aproxima e beija aqueles lábios, agora sem tapa nem interrupção.

E elas não foram felizes para sempre, mas tiveram muitos momentos divertidos naqueles dias.

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