quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

MERCADO FINANCEIRO - os melhores investimentos para o seu dinheiro


O mercado amanheceu nervoso. Muito nervoso. Foi necessário colocá-lo numa camisa de força e dopá-lo com bons medicamentos de última geração. Antes de apagar, ele balbuciou “Cérbero, procurem por Cérbero”. Então seguimos a tendência do Mercado e aí estão três grandes escritores falando do Cão que guarda as portas do Inferno.
Primeiro José Jorge Letria que, num belíssimo livro ilustrado por seu filho André Letria, faz versos para inúmeros animais fantásticos que povoam nossos sonhos ou pesadelos desde tempos imemoriais. Depois, o mago Borges e seu texto sobre o cão dos demônios d’O Livro dos Seres Imaginários, uma obra-prima que eu vivo reabrindo ao acaso e relendo. E por fim, Dante e sua Divina Comédia. Sem comentários. Podem investir que é retorno na certa!


O Cérbero

Segundo rezam os mitos
que vêm da Grécia Antiga,
não sou um cão qualquer
que se afoite numa briga.
Deram-me três cabeças
para melhor me defender
e disseram-me que assim
não me haviam de vencer.
A missão que me apontavam
era árdua e arriscada:
vigiar a vida inteira
às portas da mafrugada.
Quem tivesse a intenção
de fazer a travessia,
antes de ver Caronte
comigo se mediria.
De mim nada mais digo
que o mundo a que pertenço
é de treva e não de luz,
é estreito e não imenso.
Neste livro de animais,
uns fantásticos, outros não,
não há lugar para mim
nem para a minha solidão.

(José Jorge Letria, em Os Animais Fantásticos, com ilustrações de André Letria, editora Peirópolis.)

O Cão Cérbero

Se o Inferno é uma casa, a casa de Hades, é natural que seja guardada por um cão; também é natural que se pensa nesse cão como sendo hediondo. A Teogonia de Hesíodo lhe atribui cinqüenta cabeças; para maior comodidade das artes plásticas, este número foi reduzido e as três cabeças de Cérbero são de domínio público. Virgílio menciona suas três gargantas; Ovídio, seu tríplice latido; Butler compara as três coroas da tiara do Papa, que é porteiro do céu, com as três cabeças do cão, que é porteiro dos Infernos (Hudibras, IV, 2). Dante lhe confere características humanas que agravam sua índole infernal: barba imunda e negra, mãos de unhas compridas que dilaceram, em meio à chuva, as almas dos réprobos. Morde, ladra e mostra os dentes.

Trazer Cérbero à luz do dia foi o último dos trabalhos de Hércules. Um escritor inglês do século XVIII, Zachary Grey, interpreta assim a aventura:

“Este cão com três cabeças simboliza o passado, o presente e o futuro, que recebem e, por assim dizer, devoram todas as coisas. O fato de ter sido vencido por Hércules prova que as Ações heróicas são vitoriosas sobre o Tempo e subsistem na Memória da Posteridade.”

Segundo os textos mais antigos, Cérbero saúda com a cauda (que é uma serpente) os que entram no Inferno, e devora os que procuram sair. Uma tradição posterior mostra-o mordendo os que chegam; para apaziguá-lo, era costume por no ataúde um pastel de mel.

Na mitologia escandinava, um cão ensangüentado, Garmr, guarda a casa dos mortos e lutará com os deuses, quando os lobos infernais devorarem a lua e o sol. Alguns lhe atribuem quatro olhos; quatro olhos têm também os cães de Yama, deus brâmane da morte.

O bramanismo e o budismo oferecem infernos de cães, que, à semelhança do Cérbero dantesco, são verdugos das almas.

(Jorge Luis Borges, em O Livro dos Seres Imaginários. Tradução de Carmem Vera Cirne Lima. Editora Globo.)


Cérbero, dúplice animal, furioso,
às três goelas, ladrava sobre a gente
ali submersa, como um cão raivoso.

Tinha os olhos vermelhos, indecente
e suja a barba, e garras aguçadas,
com que lanhava os míseros à frente.

Ganiam, na água, as almas condenadas;
por proteger-se iam mudando de lado
girando uma sobre a outra, bem chegadas.

Ao ver-nos, Cérbero, o mastim, alçado,
abriu as bocas, demonstrando os dentes;
o corpo todo lhe fremia, arqueado.

(Dante, no Canto VI, do Inferno, na Divina Comédia. Tradução de Cristiano Martins, Editora Itatiaia.)

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