MORTE DE CLARICE LISPECTOR
Enquanto te enterravam no cemitério judeu
do Caju
(e o clarão de teu olhar soterrado
resistindo ainda)
o táxi corria comigo à borda da Lagoa
na direção de Botafogo
as pedras e as nuvens e as árvores
no vento
mostravam alegremente
que não dependem de nós
(Ferreira Gullar em Toda Poesia, José Olympio Editora.)
+ + +
final
Um homem morreu e estão juntando seu sangue
em colherinhas,
querido juan, morreste finalmente.
De nada serviram teus pedaços
molhados em ternura.
Como foi possível
que tu fosses embora por um furinho
e ninguém tenha posto o dedo
para que ficasses?
Deve ter comido toda a raiva do mundo
antes de morrer
e depois ficava triste triste
apoiado em seus ossos.
Já te baixaram, maninho,
a terra está tremendo de ti.
Velemos para ver onde brotam tuas mãos
empurradas por tua raiva imortal.
(Juan Gelman, em Amor que serena, termina?, tradução e seleção de Eric Nepomuceno, Editora Record - edição bilíngue.)
+ + +
29.
Meu Deus,
quem terá guardado
as miudezas da velha?
Quem terá se apoderado
do pouco que era dela?
Quem guardou a camisola
de bolinhas azuladas?
Suas agulhas de linhas,
onde estarão espetadas?
Seu dedal, suas rendinhas,
seus panos para remendo?
Onde estarão seus santinhos
e a Bíblia que andava lendo?
E a coleção de caixinhas
umas cheias e outras vazias?
Agora que a velha é noite
quem vai repassar seus dias?
(Luís Pimentel em As Miudezas da Velha, Editora Myrrha.)
+ + +
O MAPA
Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...
(E nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...
(Mário Quintana em Poesia Completa, Editora Nova Aguilar।)
+ + +
Quando eu morrer quero ficar
Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.
Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.
O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...
Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.
Quando eu morrer quero ficar
Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.
Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.
O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...
Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.
(Mário de Andrade em Poesias Completas, Editora Itatiaia।)
+ + +
se a morte
é o mote
mato o cobra
e mostro
o pau [lo]
psicografo
um po[l]ema
meio polaco
meio afro
obra póstuma
que late e morde
como o próprio
cachorro louco
[por quem morro]
(Valéria Tarelho)
+ + +
lembrem de mim
como de um
que ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça
se a morte
é o mote
mato o cobra
e mostro
o pau [lo]
psicografo
um po[l]ema
meio polaco
meio afro
obra póstuma
que late e morde
como o próprio
cachorro louco
[por quem morro]
(Valéria Tarelho)
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lembrem de mim
como de um
que ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça
(Paulo Leminski em Caprichos e Relaxos, Editora Brasiliense।)
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para a liberdade e luta
me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu
me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido
tocou a pedra da paixão
para a liberdade e luta
me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu
me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido
tocou a pedra da paixão
(Paulo Leminski em Caprichos e Relaxos, Editora Brasiliense।)
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VISITA
no dia de
finados ele foi
ao cemitério
porque era o único
lugar do mundo onde
podia estar
perto do filho mas
diante daquele
bloco negro
de pedra
impenetrável
entendeu
que nunca mais
poderia alcançá-lo
Então
apanhou do chão um
pedaço amarrotado
de papel escreveu
eu te amo filho
pôs em cima do
mármore sob uma
flor
e saiu
soluçando
VISITA
no dia de
finados ele foi
ao cemitério
porque era o único
lugar do mundo onde
podia estar
perto do filho mas
diante daquele
bloco negro
de pedra
impenetrável
entendeu
que nunca mais
poderia alcançá-lo
Então
apanhou do chão um
pedaço amarrotado
de papel escreveu
eu te amo filho
pôs em cima do
mármore sob uma
flor
e saiu
soluçando
(Ferreira Gullar, em Muitas vozes: poemas, José Olympio Editora।)
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