sexta-feira, 15 de julho de 2011

IMPRESSÕES DIGITAIS

"LONGO TRECHO EM DECLIVE" DE A CHAVE DE CASA,
DE TATIANA SALEM LEVY

O livro de tatiana salem levy (boto em minúscula como ela botou na capa do livro) pega a(s) memória(s) de uma neta de judeus turcos, nascida em Lisboa, da mesma forma que a autora, e transforma numa história que agarra o leitor o leva em meio a uma montanha russa de emoções até... Até onde? Até onde nos leva a literatura? Vale a pena ler e descobrir. Ah, a chave de casa ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura 2008 como melhor livro de autor estreante. E é um lançamento da Editora Record.

Você não pode partir. [Por quê?] Porque não quero, não deixo, porque não é justo. Poderia argumentar que sou muito nova para perdê-la, que você é muito nova para partir. Que não sei caminhar sem um pouco do seu cheiro a me acompanhar, sem suas palavras doces e ternas a me acalentar. Que ainda não estou preparada para caminhar sozinha, que preciso de um pouco mais de tempo. Que preciso de muito tempo. De todo o tempo. Poderia argumentar que há ainda muitas coisas que não fizemos juntas. Que quando estiver triste não terei colo quente para me receber. Que quando tiver medo não poderei me esconder atrás da sua saia. Que não terei a quem dizer que te amo infinitas vezes, sem medo algum, sem receio. Porque só o nosso amor não tem medo. Poderia argumentar que há coisas que nunca lhe disse, coisas que quero dizer. Que você também deve ter histórias para me contar. Que quero você a meu lado para ouvir as aventuras que ainda viverei. Que quero você a meu lado quando eu publicar o meu primeiro livro. Que quero você a meu lado quando eu conhecer o meu príncipe encantado e com ele decidir que o amor é eterno. Que quero você a meu lado quando nascer o meu primeiro filho, e também o segundo e o terceiro. Poderia argumentar isso e mais, porque é infinito o meu desejo de que você fique. Da mesma maneira, sei que há argumentos para a sua partida, que a vida é assim, ela acaba, a morte sempre vem, cedo ou tarde. Mas recuso os argumentos que não venham de mim mesma. E é por isso que grito, esperneio: não parta! Não é justo! E é por isso que berro enquanto espanco o seu caixão de madeira polida: tirem a minha mãe daí! Lanço as mãos ao ar como os que não têm razão, como os únicos que têm razão, e repito: abram o caixão! Mas estão todos sem jeito e envergonhados: coitadinha dela, era tão próxima da mãe. Eles sentem pena mas não me ouvem. É um dia quente de sol, como não devem ser os dias em que partem pessoas queridas. Eles descem o caixão e com largas pás cavam a terra. Não há flores, elas não são permitidas. Há pedras. Eles cobrem o caixão com a terra, deixam você lá dentro, sozinha, e eu aqui fora, sozinha. Paro de gritar, mas me recobro da certeza de estar assistindo a uma grande injustiça, talvez a pior de todas. E penso que se você estivesse aqui tudo seria diferente, que se estivesse aqui certamente me ouviria, abriria o caixão e se tiraria de lá, você se levantaria e viria na minha direção, pegaria nos meus braços e me diria que não há porque sofrer. Se você estivesse aqui certamente secaria minhas lágrimas que caem agora, enquanto lhe dirijo a palavra e você não me escuta, você já não pode me escutar.


POR QUE ESCREVO?

Eu havia caído numa estrada sem volta. Até o dia da minha morte, podia ou não encontrar o sucesso de público, a fama, o dinheiro. Podia ou não ser adorado por multidões de leitores. Podia ou não ser entendido por meia dúzia de especialistas. Qualquer escolha profissional traz esses riscos, e você só fica seguro de que escolheu a carreira certa quando chega à conclusão de que mesmo que dê tudo errado terá valido a pena. De que o fracasso na tentativa ainda é motivo de orgulho, enquanto que ter passado a vida sem tentar seria uma humilhação insuportável, como se você fosse ridicularizado pelo seu próprio destino.

Personagem Pedro, em O Fazedor de Velhos, de Rodrigo Lacerda (CosacNaify).


NOVOS HAICONTOS DE ALICE BARREIRA

“Ei, maninho, mais três vômitos quentinhos saindo do forno onde me torro. Publica aí.”

Ela pediu, o público aplaudiu e aí vão: novos haicontos de minha irmã, Alice Barreira.

JOVEM GUARDA

Um dia, gatinha manhosa, eu prendo você.
Te tranco num quarto escuro. Arranco teus pelos à pinça. E as tuas unhas, uma a uma. Volto até a fumar, só pra tatuar meu nome na tua virilha, com a brasa do cigarro. Só de pensar, já fico aceso.
Quero ver você fazer manha então.

VOVÓ E OS RATOS

No dia de sua morte, minha avó acordou, tomou seu banho e o café da manhã, como sempre fazia. Mas, ao se levantar da mesa, foi direto para o quarto e de lá começou a esbravejar com os ratos que andavam pelo teto, entravam em seu armário, roíam suas roupas, os retratos da família e alcançavam até a fiação.
Durante todo o dia ela gritou até ficar rouca, mas os ratos riam e riam, pois sabiam que ela já estava morta e que eles nem existiam.

VIDA DE ARTISTA

- Próximo - chamou o descobridor de talentos.
Ele se aproximou: - eu sei tocar a Marselhesa peidando.
O descobridor de talentos acenou com a cabeça e ele peidou toda a Marselhesa. Muitos na fila manifestaram uma surda admiração.
- O que mais você faz? – perguntou o descobridor.
- Eu sei cinco idiomas. Inglês, francês, espanhol, russo e japonês.
- Peidando?
- Não, não. Eu falo esses cinco idiomas.
- E a quem pode interessar isso? Próximo.

Alice Barreira

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