quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

FLAFLUS DA LITERATURA

VIVA BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS
E SUA LITERATURA!

 
A obra de Bartolomeu Campos de Queirós já é um clássico na literatura brasileira. Bartolomeu tem o poder de encantar gente de tudo que é idade com sua prosa poética. Escritor e educador, ele nasceu em Papagaio, Minas Gerais, em 1944, publicou mais de 50 livros e é um dos criadores do Movimento Por Um Brasil Literário (http://www.brasilliterario.org.br/), que luta para transformar o acesso ao livro num direito de todos os brasileiros. Bartolomeu foi um autor premiadíssimo, mas na verdade ele é que sempre nos premiou. Querem ver?

Eu vi, um dia, o mar, no lugar onde ele está. Pisei manso sobre as águas para não quebrar o espelho. Provei seu gosto de sal – definitivo batismo. Reparei suas areias lavadas, e a paixão me falou: há mais azul depois do mar. E o meu mar de mentira sempre foi maior que o mar de firmes verdades.

Sempre vou ser um desejo, se vivo ausente do mar. Não chega a ser marinheiro quem nasce longe de lá. As águas são muito abertas para quem, por sobre veredas, aprendeu a caminhar.

Nascendo sobre um mar de montanhas, não se chega a navegar.

(Trecho final do livro AH!Mar, RHJ Editora.)

A casa ficou maior e cheia de silêncio. Tudo parecia se esforçar para não acordar quem deveria dormir por toda a vida. O vazio ocupou, tanto, o quarto de minha mãe que meu pai dormia na beiradinha da cama, como se empurrado pelo novo morador. E o vazio não nos deixava tocar em nada. Tudo – santo na parede, latas de talco, vidros de perfume, caixinhas de desmazelos, imagem na beira da cabeceira – tudo ficava no mesmo lugar por exigência do vazio. No nada cabe tudo. Até a poeira marcava a retirada de qualquer pertence.

Eu atravessava a casa passando pelo corredor e me assentava debaixo da mangueira. A sombra das folhas bordava no chão um véu sobre a terra. Só as formigas continuavam, em procissão, carregando nas costas a comida, em caso de algum imprevisto. O arrependimento de ter comido coração fez arrepiar meu corpo inteiro.

(Trecho final do livro LER, ESCREVER E FAZER CONTA DE CABEÇA, Prêmio Hors-Concours FNLIJ – 1996 e Prêmio Monteiro Lobato Brazilian Book Magazine/FBN – 1997. Global Editora.)

Meu avô não deixou herança a não ser sua história. Sobraram os ternos de linho engomados no guarda-roupa, a mala com as pílulas, a cadeira de balanço embalando todo o silêncio do mundo. Mas para mim, depois de passar de mão em mão, restou seu olho de vidro, agora sobre minha mesa, dormindo num pires. E sempre que passo diante dele repito: olho de vidro não chora. Olho de vidro brilha por não ver. Nunca vou saber o que o olho de vidro do meu avô não viu.

(Trecho final de O OLHO DE VIDRO DO MEU AVÔ, Prêmio Altamente Recomendável FNLIJ – 2004, Prêmio O Melhor Para O Jovem, “Hors Concours”, FNLIJ 2004, Prêmio Nestlê de Literatura 2005, Prêmio Jabuti 2005. Editora Moderna.)

Dois. Desconheço o depois de minha despedida. Não se caminha sobre a sombra ao entardecer. Ignoro se o remorso nos preservava em suas memórias, ou se a paixão lhes presenteou com o esquecimento. A culpa é relativa ao tamanho da memória. Esquecer é desexistir, é não ter havido. Ao me interrogar se tomate ainda há, não me fecho em silêncio. Confirmo que minha primeira leitura se deu a partir de um recado rabiscado pela faca no ar cortando em fatias o vermelho.

(Trecho final de VERMELHO AMARGO, Editora Cosac Naify.)  



2 comentários:

  1. Li essa postagem na sexta-feira, Cesar, sem sacar que o Bartolomeu morrera. Só fiquei sabendo no FB (por comentário de um amigo de Beagá que era amigo dele) ao postar um trechinho afanado aqui para "ilustrar" uma colagem minha.

    Abraço

    P.S.: Achei na minha bagunça um exemplar da Vírus, revista de 76 que não passou do primeiro número e que reunia uma cacetada de gente, inclusive o Hélio Jesuíno, com uma HQ. Foi quando conheci o trabalho dele - e logo depois o próprio. Estou aqui restaurando traços e letras da historinha. Tive de copiar com excesso de contraste para eliminar as páginas do verso que transpareciam. Publicar em papel vagabundo, com o tempo dá nisso. Quero postá-la junto com a sua crônica.

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  2. Pois é, Tuca, lá se vai mais um grande criador. Vi o material da Virus, muito legal. Mete bronca, publica aí.

    Abraço

    Cesar

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